sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A Tragédia das Secas: o dia dos mil mortos


Atualmente Fortaleza possui aproximadamente 12 cemitérios, incluindo os localizados na Região Metropolitana. Mas o que aconteceria, em termos de atendimento e funcionamento de infraestrutura, se por um infortúnio, morressem, num único dia, mais de 1000 pessoas na cidade?
Acreditem Fortaleza já passou por uma situação como essa, numa época em que os serviços funerários não existiam e as vítimas de epidemia eram sepultadas num único cemitério. 

 Rua do Centro fins do século XIX/início do Século XX (Arquivo Nirez)
 
A grande seca de 1877-1879 não apenas secou os reservatórios de água, como trouxe graves efeitos sanitários para a cidade. Desde 1845 a província do Ceará não era assolada por este tipo de fenômeno climático. Nos três anos em que perdurou, a estiagem expulsou mais de 100 mil sertanejos para a Capital, então com cerca de 30 mil habitantes. A maior parte desses retirantes ficou em abarracamentos nos subúrbios. Sofrendo com o calor tórrido, expostos às intempéries e vivendo em condições sub-humanas, a multidão foi atingida por uma violenta epidemia de varíola, que ameaçou se alastrar pela cidade.

 Estação de Iguatu no ano de 1877, uma multidão de flagelados aguarda o trem para Fortaleza 

Segundo Rodolfo Teófilo, farmacêutico que testemunhou e registrou detalhadamente o cotidiano de horror causado pela varíola, em apenas 2 meses do ano de 1877, a epidemia vitimou 27.378 retirantes no interior e nos arrabaldes de Fortaleza; no ano seguinte, 24.849 foi o total de mortos. O trecho abaixo dá uma ideia da imagem fúnebre que se abateu sobre a capital:
"Tinha Fortaleza o aspecto de sombria desolação. A tristeza e o luto entravam em todos os lares. O comércio completamente paralisado dava às ruas mais públicas a feição de uma terra abandonada. Os transeuntes que se viam eram vestidos de preto ou eram mendigos saídos dos lazaretos com os sinais recentes da bexiga confluente que lhes esburacou a cara e deformou o nariz."
Em apenas 1 dia do mês de dezembro de 1878, o cemitério do Lazareto da Lagoa Funda recebeu 1004 cadáveres. Aquele 10 de dezembro ficou conhecido como “o dia dos mil mortos”. Foram contratados 40 populares para fazer os sepultamentos e os trabalhos entraram pela noite adentro. Ainda assim mais de 100 corpos tiveram de esperar o dia seguinte para serem enterrados.(O Lazareto da lagoa Funda ficava acerca de 3 km a noroeste da cidade, no atual Jacarecanga).

grande número de retirantes se concentram na Praça da Estação em Fortaleza, em busca de trabalho, alimentos e assistência social
A Cidade não estava preparada para tamanha calamidade. Apesar de o governo provincial não poupar despesas e contratar todos os médicos da cidade, não foi possível interromper a marcha epidêmica. O Lazareto de lagoa Funda, com capacidade para 300 enfermos, logo ficou lotado. Outros lazaretos foram improvisados, permitindo mesmo precariamente, que 5 mil pessoas fossem recolhidas e tratadas, noite e dia por médicos e voluntários.
O farmacêutico Rodolfo Teófilo, fundamentado nos preceitos que regiam a medicina urbana, reprovava alguns dos procedimentos adotados durante a vigência da epidemia, como o de transportar os cadáveres dos subúrbios para o cemitério do Lazareto, passando pelas ruas centrais da cidade; reconhecido como inadequado, o trajeto da praia passou então a ser utilizado para o traslado dos corpos. 

vítimas da seca
 Teófilo censura também os carregadores que fazia o trabalho de condução dos cadáveres, arregimentados no seio das camadas urbanas mais pobres e que recebiam diária de mil réis, comida e aguardente. Ordinariamente embriagados, os carregadores descansavam das cargas deixando à vista dos que chegavam às janelas, a visão dos esquifes estendidos na calçada.
A epidemia também ceifou vidas entre os habitantes  de Fortaleza, mesmo estando distantes do museu de horrores em que se transformaram os arrabaldes e postos sanitários onde os flagelados eram atendidos. No final de dezembro de 1878, a mulher do presidente da província faleceu vítima da varíola. A partir daí ninguém mais se julgava seguro e a peste fazia vítimas entre gentes que viviam completamente isoladas.
A partir de 1879 algumas chuvas caíram e isso contribuiu para que a epidemia diminuísse. Em janeiro o número de mortos baixou para 204; em fevereiro, caiu para 176. Finalmente, o inverno de 1880 pôs fim à seca e cessou a epidemia.
 
imagem UOL
 Mas a varíola permaneceu endêmica, uma vez que alguns casos continuaram ocorrendo nos anos seguintes. Com o término da catástrofe a maioria dos retirantes voltou para o sertão ou emigrou para os seringais da Amazônia, porém muitos ficaram a mendigar pela Cidade. Eram facilmente identificados pelas marcas deixadas pela doença em seus corpos. O número de cegos pela varíola era incontrolável. Entre a turba de esmoleres, grande número de crianças, pequeninos, órfãos de pai e mãe que em companhia de mulheres vadias, de quem eram o ganha-pão, esmolavam cantando.
A varíola e a seca retornaria a Fortaleza em 1888 e 1900, mas não fez muitas vítimas entre os milhares de retirantes que novamente vieram para a Capital. O que não significa que o Lazareto da lagoa Funda não voltou a ter toda a lotação esgotada por doentes.
Após a seca de 1900, o presidente do Estado o médico Pedro Augusto Borges, mandou fechar o Lazareto da Lagoa Funda em razão do alto índice de impregnação infecciosa do prédio e do seu cemitério anexo.


Extraído do livro de Sebastião Rogério Ponte
Fortaleza Belle Epoque – reformas urbanas e controle social – 1860-1930
fotos Google

         


7 comentários:

Anônimo disse...

ONDE FICAVA O LAZARETO DA LAGOA FUNDA?

Anônimo disse...

ONDE FICAVA O LAZARETO DA LAGOA FUNDA?

JB disse...

No bairro do Pirambu. Nas proximidades da rua Mossoró, onde outrora fora a lagoa. Quem vai pela avenida Leste Oeste (Castelo Branco) em direção ao Centro da cidade, fica por trás da Associação dos Moradores do Pirambu, próximo ao campo da Fábrica de Móveis de Aco Confiança.

Fátima Garcia disse...

Nunca encontrei indicações precisas de onde ficava localizado o Lazareto, a não ser de que era a Noroeste de Fortaleza, pros lados do Jacarecanga.

Anônimo disse...

FICAVA ONDE É HOJE O BAIRRO DE CARLITO PAMPLONA ENTRE AS RUAS DOM HELIO CAMPOS E COM FREI ORLANDO

Gustavo Martins de Sousa disse...

Certamente foi uma época muito difícil e triste para o nosso povo,os mesmos não tinha condição de sustentação financeira e passavam pelo uma condição desumana igual na Polônia,existindo campo de concentração de pobreza,miséria e doença em todo o nosso estado.

Anônimo disse...

É complicado