Bondes, trens, automóveis, cafés, padarias, livrarias. Sobrados,
mercados, praças. Telefone relógio, luz. Desde seu esboço, a cidade grande tem
muitas histórias para contar. Como o dia
em que se inaugurou o transporte coletivo com banda de música; o desembarque na
ponte Metálica pelas mãos dos catraieiros; a proibição de andar sem meias no
bonde do intendente; o sol vaiado na Praça do Ferreira. No céu, um zepelim. As lamparinas iluminando as noites. O Contrato com a lua. No
cenário, os moradores.
As Construções
primeira Sede da Assembleia Provincial, na esquina da Rua Conde D'Eu com a Rua Sobral na Praça da Sé
O historiador Antônio Luiz localiza os primeiros edifícios de
Fortaleza margeando o riacho Pajeú. A casa do governador-geral e a residência
do capitão-mor abriam janelas para a Praça do Conselho (Praça da Sé),
edificadas na área do atual Mercado Central. Prédios, mansões e sobrados
despontam no século XIX, sob inspiração eclética/europeia. A partir de 1920 os ricos fogem do Centro em direção ao Benfica, Jacarecanga e Praia de Iracema.
O Mercado de Ferro
Construído em 1897, na Praça Carolina (atual Praça Waldemar Falcão)
é um dos vestígios do embelezamento, da modernização e da higienização da
cidade. Resolvia o problema de abastecimento, era amplo e trazia a novidade do
emprego do ferro nas construções. O escritor
Moreira Campos quando aluno do Liceu e a caminho do banho de mar, dá vida ao
local: eram dois mercados de ferro, um de carnes e outro de frutas. “Comprávamos
cinco bananas, mas como éramos alunos, roubávamos uma. Saíam seis bananas por
um tostão”.
O Relógio
Na Vila de Fortaleza, o tempo era contado pelos sinos. A cidade
dormia com as galinhas, avisada da hora de recolher (9 da noite) pelas cornetas
do quartel. Por volta de 1854, uma novidade na matriz: o primeiro relógio
público. No final do século XIX, é a Intendência Municipal que vai ditar as
horas. E em 1933, a Coluna da Hora, no local de maior prestígio da cidade, a
Praça do Ferreira – que concentrava bondes, cinemas, lojas, cultura e política –
representa o triunfo simbólico do relógio. Seus ponteiros decretavam a hora
oficial, e por eles, as fábricas, o comércio, as escolas e os habitantes,
ajustavam seus relógios na tentativa de
garantir a coordenação das atividades urbanas.
O Telefone
A inauguração da nossa telefonia em fevereiro de 1883, à base
da manivela, foi um espetáculo – A Casa Confúcio, na Rua Major Facundo estava
apinhada de gente: eram convidados, comerciantes, autoridades e curiosos. Na linha,
próximo à alfândega, a casa de seu José Joaquim Farias. O aparelho telefônico,
com formato descomunal, pregado à parede, causou admiração. O som das
campainhas e a nitidez da voz distante constituíram o assunto das rodas por
muitos dias.
Diversão
Os encontros amorosos extrafamiliares eram nas pensões do
Centro. Para o namoro, a Praça do Ferreira ou o cinema. Os intelectuais
gostavam de três lugares. Um era na porta da Livraria Imperial (no Excelsior
Hotel); outro era a Farmácia Pasteur, onde o dono, seu Ramos, oferecia um café.
E o terceiro era a Livraria Imperial, na Floriano Peixoto, olhando para a Rua
Pará. As conversas também rodeavam a Praça do Ferreira nos cafés Globo, Nestlé,
Éden, na grã-fina Confeitaria Gloria, além dos tradicionais Java, do Comércio,
Iracema e Elegante. O Éden e o Globo eram frequentados pela turma do Grupo Clã.
Conta o poeta Antônio Girão Barroso, que certa vez, em agosto de 1942, estava
no Café Globo, quando chegou o Orson Welles, que na ocasião estava hospedado no
Excelsior. Todos tomando café e ele tomando guaraná de canudinho. Lembra ainda
o escritor de ter visto a Rachel de Queiroz, engraxando os sapatos e fumando,
numa época em que esses redutos eram exclusivos dos homens.
A carne verde chegava pela tarde, vinda do matadouro sobre
burros. Em abril de 1880, a modernização: os bondes de tração animal, da
Companhia Ferro Carril do Ceará. A Fortaleza de então, cabia em 25 bondes que
conduziam até 28 passageiros por viagem. O ponto era na Praça Carolina. Por cem
réis rodava-se a capital: ia-se ao centro, à estação ou ao matadouro, olhando-se as paisagens das ruas da Alegria, da Amélia, da Estrada de Messejana. Caprichosa,
a companhia reservava os bondes “joão-cotoco” – sem coberta – para as noites de
lua cheia. Dois burros puxavam o veículo, das 6 às 21 horas.
Em junho de 1912, The Ceará Tramway Light and Power Company,
apresenta o bonde elétrico, que vai até 1947. Viagens de tostão e dois tostões;
o de segunda classe era prateado e o de primeira classe era verde.
Trem
A larga Avenida Tristão Gonçalves destoando das travessas e
becos contemporâneos, justifica-se: era a Rua do Trilho, e lá correu nosso
primeiro trem, em agosto de 1873. O feito da locomotiva Fortaleza juntou
praticamente a população da capital – oito mil pessoas. Diante da multidão
estupefata, o pequenino trem rodou, cinco vezes seguidamente, sob entusiásticos
aplausos. A velocidade máxima da locomotiva não chegava a 32 km/hora.
Automóvel
Seu desembarque – carro de 2ª mão, importado dos Estados Unidos –
abalou a cidade. Era junho de 1909 quando Júlio Pinto e seu sócio Meton de
Alencar compraram o automóvel. Novidade das novidades. Tanto que da alfândega
ao cinema, foi puxado por um jumento, pois se ignorava o funcionamento da
máquina. Ao redor do veículo e do jumento histórico, uma multidão de curiosos. O
estudo do motor demorou dias até ser desvendado, a horas caladas da noite. O carro,
um Rambler, foi chamado de mal-assombrado pelo povo, devido aos seus holofotes
que varavam a escuridão da noite e por causa da barulheira bizarra do seu
motor. O calçamento revestiu-se de trilho de pedra, de concreto, e finalmente, de
asfalto. O tráfego passou a ser controlado. Na metade inicial do século XX, a
velocidade variava de 15 km/h (área central) a 40 km/h na Avenida João Pessoa.
Lampiões
Era um suplicio adivinhar a cidade a noite, através das
lâmpadas de azeite em suas quinas, era preciso trazer a frente, clareando a rua
com uma lamparina à mão, um ou mais escravos. A iluminação pública se iniciou
em março de 1848, trocando-se a luz de velas pelo azeite de peixe. E firmando-se
um contrato com a lua: os 44 lampiões eram acesos das 6 horas da tarde ou até
que viesse a lua. Desde a ave-maria, Chico Lampião aparecia com a escada nos
ombros, fósforos à boca, ziguezagueando pela cidade, acendendo os lampiões. Foi
assim até setembro de 1866 (67, segundo alguns autores), quando chegou a
iluminação a gás carbônico. O contrato com a lua foi renovado até 1934/35, data
da luz elétrica, favorecendo serestas e namoros.
Estoril
Nasceu Vila Morena em 1915. De residência virou cassino, coisa
dos americanos, na II Guerra, que improvisaram a diversão com jogos, Coca-Cola
e moças alheias. Durante a guerra havia os zepelins que patrulhavam a costa
cearense um busca de submarinos alemães. Se encontrassem algum, a ordem eram
bombardear.
Cafés e Tabuleiros
Pão d’água enrolado em papel de embrulho, beijus de Aquiraz
envoltos em folhas de coaçu, tapiocas vendidas na calçada. Costumes do fim de
tarde. Na esquina do Banco Frota Gentil tinha um "pirão frio" de estimação. Era uma
mulher que fazia doces e tinha um tabuleiro. Um dia, um camarada pediu: dona fulana, me empresta 5 cruzeiros. A mulher
respondeu: "não posso porque eu e o Coronel Zé Gentil temos um contrato: nem ele
vende bolo, nem eu empresto dinheiro".
Passeio Público
Um sítio, em 1824. Ali ergueram uma forca, que ficou de pé
até 1831 e se fuzilaram os presos da Confederação do Equador. Largo do Paiol,
Campo da Pólvora, Praça dos Mártires, ainda era ponto dos tabuleiros de doces e
roletes de cana. Antes do aformoseamento, havia um assento de alvenaria que
corria de um extremo ao outro. Era nesse banco que velhos e moços iam pela
tarde comentar as poucas novidades de uma cidade absolutamente pacata. O Passeio
toma forma a partir de 1879: coreto, esculturas clássicas, jardins, patinação,
quermesses, as cadeirinhas de ferro do Barão de Camocim, (a 100 réis o assento)
e os planos ou avenidas.
Cidade do Interior
O hábito de tomar uma fresca, cadeiras na calçada, remonta
ao tempo em que as casas eram conjugadas, como no interior, umas escorando as
outras. Pequenas e quentes, levavam à calçada, onde costumava passear o vento
que vinha do mar. O comércio era de tipo misto: também era moradia. A sala se
adaptava em venda, bodega, armazém. Então, calçadas e ruas ampliavam a casa; as
visitas eram recebidas, primeiro na praça. Quando as residências passaram para
a periferia, o Passeio Público deixou de servir às famílias.
fotos do Arquivo Nirez
extraído da Revista Fortaleza, fascículo 9, de 4 de junho de 2006
extraído da Revista Fortaleza, fascículo 9, de 4 de junho de 2006
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