quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Juventude Roubada


Ta lá o corpo estendido no chão
Em vez de rosto uma foto de um gol
Em vez de reza uma praga de alguém
E um silêncio servindo de amém
O bar mais perto depressa lotou
Malandro junto com trabalhador
Um homem subiu na mesa do bar
E fez discurso pra vereador
Veio camelô vender anel, cordão, perfume barato
Baiana pra fazer pastel e um bom churrasco de gato
Quatro horas da manhã baixou o santo na porta-bandeira
E a moçada resolveu parar e então...
Ta lá o corpo estendido no chão
Em vez de rosto uma foto de um gol
Em vez de reza uma praga de alguém
E um silêncio servindo de amém
Sem pressa foi cada um pro seu lado
Pensando numa mulher ou num time
Olhei o corpo no chão e fechei
Minha janela de frente pro crime

De frente pro crime
João Bosco e Aldir Blanc

A cena acontece todos os dias em Fortaleza e é mostrada para quem quiser ver, naqueles programas policiais que passam na TV, bem na hora do almoço.As vítimas são cada vez mais jovens: 16, 14, 13, 12 anos.
O perfil é o mesmo: meninos, moradores de bairros periféricos, membros de gang, usuários de crack, autores de grandes e pequenos delitos, que no intuito de conseguir recursos para o sustento do vício, matam e morrem, literalmente.
Os assassinos maioria das vezes são tão jovens quanto os assassinados, mesmo perfil, participante de uma gang rival ou contratado por traficantes maiores e invisíveis para tirar de circulação os inadimplentes do tráfico.
A repetição é tamanha, que ninguém mais fica chocado ou lamenta o fato de alguém tão jovem, ser abatido a tiros, no meio da rua:Nem os repórteres que cobrem a noticias; nem os funcionários que fazem a pericia; nem policiais que registram a ocorrência, nem os vizinhos, que indiferentes, fazem festa ao redor do corpo e saúdam as câmeras de TV exibindo caras e bocas, acostumados que estão à realidade do lugar em que vivem; nem a família, que à exceção da mãe, fala da morte do parente, de olhos secos, na voz um alívio mal disfarçado e um conformismo de quem sabe que o fim da história nunca poderia ser diferente, e nem os senhores telespectadores, que só pensam no desconforto de ter de tomar conhecimento desses fatos desagradáveis justo na hora do almoço.
Mas a maior insensibilidade para o problema vem do poder público. E não me venham com o velho discurso, que a sociedade tem sua parcela de responsabilidade, que se cada um fizer sua parte
Política pública é dever do Estado, que recolhe altos impostos, portanto, dispõe de recursos para contratar profissionais qualificados; para equipar clinicas ou espaços alternativos; para patrocinar tratamentos de desintoxicação; para disponibilizar escolas de boa qualidade;para cumprir as disposições quanto a apreensão de jovens delinquentes do Estatuto da Criança e do Adolescente.
É o Estado quem reúne todas as condições para oferecer alternativas que deem aos jovens moradores da periferia a oportunidade de se inserir na sociedade com dignidade e segurança.
Sem essas providências continuaremos a assistir impávidos, deitados em berço esplêndido o auto-extermínio de meninos, que mal chegaram à puberdade, que por falta de perspectivas, veem como única saída, o caminho que leva à destruição e à morte.
Mas quem se importa? 

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