sexta-feira, 19 de julho de 2024

Quando Fortaleza andava de Bonde


A Empresa Ferro Carril do Ceará foi fundada no dia 3 de fevereiro de 1877, pelo comendador Francisco Coelho da Fonseca e Alfredo Henrique Garcia. Entre a instalação da empresa e o início das operações, três anos se passaram, somente em 1879 são concretizadas as obras de construção da estação e sede da companhia, e a partir de novembro, foi cumprida a etapa de assentamento dos trilhos.

Na manhã de domingo do dia 25 de abril de 1880, a Ferro Carril do Ceará inaugura sua primeira linha, com 4.210 metros, da Estação na Estrada de Messejana (Boulevard Visconde do Rio Branco) até a rua São Bernardo (atual Rua Pedro Pereira) e a partir desta, interligando a Praça da Assembleia ao Matadouro Modelo, bairro do Prado. Os veículos tinham 4 ou 5 bancos, eram pequenos, modestos, providos de cortinas que protegiam do sol e da chuva, e dirigidos por um boleeiro quase sempre vestido de fraque. Mesmo assim serviram a muitos usuários que pagavam passagens de 100 réis, que possibilitaram a melhoria do serviço, com bondes ampliados em sua capacidade para até para sete bancos, comportando 28 passageiros.



Do período de funcionamento dos bondes movidos a tração animal em Fortaleza, restaram muitas histórias. Uma delas, atribuída a Quintino Cunha, notório advogado e humorista da terra. Contam que em viagem a Belém do Pará, Quintino se deslocava ao lado de um indivíduo que reclamava do mal funcionamento dos bondes, comparando aos do Ceará, com ares de troça. Ao que Quintino lhe respondeu: - meu caro, o senhor está redondamente enganado, há uma grande diferença: no Ceará os burros puxam o bonde, mas aqui se dá o contrário, os burros é que as vezes andam de bonde.

Em 6 de junho de 1912, deu-se a transferência, por compra, da empresa Carril do Ceará à The Ceará Tramway Light and Power Ltd. Para administrar a empresa em Fortaleza, foi contratado Hugh Mackeen. Ele seria o primeiro gerente local e teve papel decisivo na realização das obras iniciadas naquele mesmo ano. O primeiro bonde elétrico circulou às 4:30 da tarde, no dia 9 de outubro de 1913, sendo beneficiado o bairro da Estação, continuando as outras linhas com os bondes de burros. No dia da inauguração, além das autoridades, inclusive o intendente Ildefonso Albano e convidados, uma multidão de curiosos foi conferir a novidade, com gente que embarcava, e só abandonava o veículo quando acabava o dinheiro.


Os demais bairros foram pouco a pouco sendo beneficiados pela tração elétrica, porém, enquanto se instalavam os cabos, se estabeleceu uma espécie de tráfego provisório. Como a linha do bairro Soares Moreno, hoje Jacarecanga, foi uma das últimas eletrificadas, os enterros que demandavam o Cemitério São João Batista eram feitos em bondes de burros, que iam buscá-los em qualquer bairro, mesmo os que já estavam eletrificados.

Os engenheiros ingleses, encarregados de dirigir os trabalhos em Fortaleza, pouco afeitos ao ambiente e ao idioma, sofreram alguns dissabores. Certa vez, uma turma de trabalhadores abria o mato no então final da linha do Outeiro, procurando levar os trilhos para mais além, quando se depararam com enormes moitas de urtiga-cansanção; enquanto viam uma maneira de prosseguir, foram advertidos pelo técnico britânico, que para mostrar como se fazia, se pôs a arrancar as plantas com as mãos, dizendo entredentes “não pode arrancar com a mão? Vejam como eu fazer”. Minutos depois, porém os braços e mãos do mister ficaram seriamente afetados e, em consequência, levou um mês inteiro de cama.  

Em outra oportunidade, o mesmo engenheiro fazia a condução de trilhos e gritava “push”. Mas os trabalhadores, sem entenderem o idioma, em vez de empurrar, como solicitava o engenheiro, faziam era puxar.


O último bonde de burro que rodou pelas ruas de Fortaleza foi o de número 25, guiado por um certo Sr. Fialho, na linha do Alagadiço, a última a ser eletrificada. Quase todos foram vendidos à Empresa Teixeira Leite, do Maranhão, sendo embarcados para a capital. Quando os velhos bondes iam ser desembarcados, os catraieiros, indignados com o mau serviço da empresa, deixaram cair no mar alguns veículos, como forma de protesto, que São Luís não era a rampa de lixo do Ceará.

Por muito tempo, a Light ainda conservou dois daqueles burros dos antigos bondes, que mesmo velhos, foram usados para puxar o carro torre de consertos da rede aérea.

 

Extraído dos livros “Coisas que o Tempo Levou, crônicas históricas da Fortaleza antiga”/Raimundo de Menezes/Edições Demócrito Rocha/Fortaleza:2000. “História da Energia do Ceará/Ary Bezerra Leite/Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha,1996/Publicação FortalezaemFotos/Imagens Arquivo Nirez e Instituto Moreira Sales  



Um comentário:

VIVIANE disse...

amoooooooooo história do Ceará.