Decorridos 74 anos do fim
da segunda Guerra Mundial (1939-1945) ainda permanecem em segredo alguns
aspectos do conflito, embora a grande maioria de suas causas e efeitos sejam do
conhecimento público, uma vez que os prazos para manutenção do sigilo estejam
vencidos, mas nem tudo foi suficientemente esclarecido, como por exemplo, a presença de uma guarnição
americana em Fortaleza.
Dados não oficiais
indicam que passaram em operação pelo aeroporto do Cocorote durante a guerra,
cerca de 50 mil aviões dos mais variados tipos e tamanhos e aproximadamente 250
mil soldados americanos. Os vestígios da passagem desse contingente são
mínimos, quase nenhum, estando apenas na memória daqueles que de uma forma ou
de outra, estiveram próximos das ações.
As provas documentais
sobre o que faziam, o que fizeram, quando chegaram, quantos eram, quando saíram
e o que deixaram, são igualmente desconhecidas. Não se sabe quem era seu
comandante (ou comandantes), permitindo por isso, eventuais deslizes, versões
deturpadas ou fantasiosas. Não se tem notícias, por mais breves que sejam, de
documentação norte-americana. O pouco que sobrou como fontes primárias faz
parte apenas da presença brasileira no conflito.
De certeza, sabe-se
apenas que os primeiros americanos que chegaram ao Ceará desembarcaram na pista
da Base Aérea construída na década de 1930, entre março e abril de 1940, com o
objetivo de encontrar uma área que lhes permitissem construir uma pista para
pousos e decolagens.
Nos arquivos da antiga
Rede de Viação Cearense existem registros indicando que o ramal
Mucuripe-Parangaba foi construído entre fins de 1940, início de 1941 e inaugurado
às 17 horas do dia 28 de janeiro de 1941, pelo interventor Menezes Pimentel, em
plena guerra.
De concreto sobre a
presença americana em Fortaleza no tempo da guerra sabe-se apenas que eles
construíram duas bases aéreas, uma no Pici, e outra no Cocorote, para dar
sustentação ao seu plano de vigilância e proteção aos navios civis e militares brasileiros
e aos aliados nesta parte do Atlântico, uma vez que as forças do Eixo estavam
posicionadas nesta direção.
A base do Pici,
construída no segundo semestre de 1941, em 45 dias, foi usada por pouco tempo
porque era difícil a chegada de combustível para seus aviões e para os seus tanques.
Do ponto de vista aeronáutico, não oferecia boas condições para pousos e
decolagens. Foi transformada então, em base de estacionamento dos Blimps.
Para o funcionamento
dessas duas bases, existiu uma terceira, uma base naval, uma área de apoio para
recebimento de combustível e um cais, localizado no interior da enseada do
Mucuripe. Contam os mais velhos que, além dos depósitos para acumular
combustíveis, havia edificações administrativas para guardar armamentos e
munições. Das duas bases existem alguns poucos resquícios, mas nem tudo que
veio dos Estados Unidos para movimentá-las, retornou.
Há informações de
centenas de máquinas de escrever e de aparelhos de comunicação (precursores do
telex) enterrados até hoje, em fossas localizadas no interior da Base Aérea de
Fortaleza. Do pacote enterrado, também faziam parte armamentos, motores e peças
de reposição para aviões. Em face da
ausência de documentos comprobatórios, tais notícias ficam na conta das
especulações, dos boatos não comprovados. Mas há quem assegure tais informações
com extrema convicção.
Porto do Mucuripe no início dos anos 40 - Na área assinalada ficavam os galpões e os tanques de combustível para abastecer os veículos americanos
Em fins de 1940 o Porto
do Mucuripe já contabilizava a presença sempre crescente de navios em seu cais
comercial. Ao seu lado, apenas meia dúzia de casas de palhas e dunas de areias
alvíssimas, muitos coqueiros e cajueiros. Seus poucos moradores, sobreviviam
exclusivamente da pesca, que era farta e diversificada. Na atual avenida
Beira-Mar já existiam algumas casas de pescadores, a igrejinha de São Pedro e
uma grande quantidade de pedras na sua frente, onde os moradores se encontravam e
se divertiam.
Enquanto isso, os
soldados e oficiais americanos trabalhavam freneticamente na Ponta do Mucuripe,
dando suporte às duas bases aéreas de apoio, localizadas no Pici e no Cocorote.
Exerciam uma função estratégica: eram responsáveis pelo recebimento,
armazenamento e distribuição de combustível para seus veículos e aviões nas
duas unidades, cujo transporte se fazia em tambores lacrados de 200 litros,
colocados nas carrocerias dos caminhões ou nos vagões da RVC - Rede de Viação Cearense, para o Cocorote.
Até o desembarque do
primeiro americano em Fortaleza, os trens da RVC corriam apenas em duas
direções: da Praça Castro Carreira em direção a pedreira da Monguba, em
Pacatuba fazendo paradas em Otávio Bonfim, Couto Fernandes, Parangaba,
Mondubim, Pajuçara e Maracanaú, e do Mucuripe, pela beira da praia. Existia até
uma locomotiva para as “obras do porto do Mucuripe”.
Os americanos construíram
em tempo recorde um pequeno cais medindo entre 80 e 100 m de comprimento, para
receber material e combustível para abastecimento dos aviões. Os navios de
maior porte ficavam ancorados no meio da enseada, de onde através de uma
operação precisa, colocavam os tambores em chatas motorizadas, que os levavam
até o cais. Os menores, os petroleiros, atracavam sem problemas. Testemunhas
relatam que eles trabalhavam dia e noite, retirando tambores de óleo e
gasolina, transportando-os para os tanques instalados na base onde depois foi
instalado a Lubnor.
Desse cais que hoje está
soterrado, bem como da pequena estrada de asfalto que dava acesso aos
depósitos, não existe mais nem sinal. Ambos eram vigiados por homens armados de
metralhadoras. Depois da guerra esses tanques passaram para a Esso e esta para
a Petrobrás. Centenas de tambores ainda
com gasolina foram distribuídos entre as empresas americanas instaladas no
Mucuripe, visto que não era negócio levá-los de volta, para os Estados Unidos.
Um antigo funcionário da
Lubnor e professor de História, relatou que a gasolina azul, que chegava para
os americanos, era procedente de uma base americana instalada em Aruba. Sobre
os vestígios dessa unidade, ele lembra de tê-los visto “próximos da bacia de
decantação do tanque F-201 para o lado da estação, onde se fazia a mistura de
diluente com asfalto. Se não as derrubaram, ainda estão lá”.
No período da 2ª Guerra,
o Brasil se encontrava sob a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945). Com o
golpe do Estado Novo, as Casas Legislativas foram fechadas; o Governo Federal
escolhia os governadores do Estado, e estes, nomeavam os prefeitos. No Ceará estavam
no comando o Interventor Menezes Pimentel (1935-1945), e o chefe da
municipalidade era o prefeito Raimundo de Alencar Araripe (1936-1945). Ambos foram
eleitos pelo voto popular, e após o golpe de 1937, foram mantidos nos cargos
por Getúlio Vargas.
O governo de Menezes
Pimentel, seguindo uma tendência (orientação) do que ocorria a nível nacional, foi marcado pelo
autoritarismo, perseguição aos adversários políticos, destituição de
prefeitos e funcionários públicos que não apoiassem o seu grupo político. Cerca
de duas mil pessoas foram presas em Fortaleza neste período. E a transparência
não fazia parte desse governo.
É possível que as
autoridades norte-americanas tenham prestado todas as informações cabíveis, acerca de suas operações
na cidade; é possível que os governantes locais soubessem quem estava no comando das
ações americanas; é possível até que interagissem com os estrangeiros. Mas, devido
a natureza singular da situação – guerra mundial – ditadura local – pode ser
que essas autoridades tenham julgado conveniente manter-se calados com
relação aos detalhes, mesmo depois de passado o prazo para guarda do sigilo. Ou
talvez não tenha mesmo documentação alguma, eles vieram e se foram sem se
reportar a ninguém; Seja como for, ainda há muitas respostas que não foram dadas
e muitas perguntas que não foram feitas.
Fontes:
Caravelas, Jangadas e Navios, uma história portuária de Rodolfo Espínola
História do Ceará, de Airton de Farias
O Povo
Fotos do livro Caravelas, Jangadas e Navios
Um comentário:
Muito Obrigado por essa postagem. Sempre imaginei como teria sido esse período aqui em Fortaleza.
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