sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Histórias não Contadas dos Americanos no Ceará


Decorridos 74 anos do fim da segunda Guerra Mundial (1939-1945) ainda permanecem em segredo alguns aspectos do conflito, embora a grande maioria de suas causas e efeitos sejam do conhecimento público, uma vez que os prazos para manutenção do sigilo estejam vencidos, mas nem tudo foi suficientemente esclarecido,  como por exemplo, a presença de uma guarnição americana em Fortaleza.

Base Aérea do Cocorote

Dados não oficiais indicam que passaram em operação pelo aeroporto do Cocorote durante a guerra, cerca de 50 mil aviões dos mais variados tipos e tamanhos e aproximadamente 250 mil soldados americanos. Os vestígios da passagem desse contingente são mínimos, quase nenhum, estando apenas na memória daqueles que de uma forma ou de outra, estiveram próximos das ações.

As provas documentais sobre o que faziam, o que fizeram, quando chegaram, quantos eram, quando saíram e o que deixaram, são igualmente desconhecidas. Não se sabe quem era seu comandante (ou comandantes), permitindo por isso, eventuais deslizes, versões deturpadas ou fantasiosas. Não se tem notícias, por mais breves que sejam, de documentação norte-americana. O pouco que sobrou como fontes primárias faz parte apenas da presença brasileira no conflito.

Festa dos soldados americanos no Estoril/USO - dançando com as Coca-Colas

De certeza, sabe-se apenas que os primeiros americanos que chegaram ao Ceará desembarcaram na pista da Base Aérea construída na década de 1930, entre março e abril de 1940, com o objetivo de encontrar uma área que lhes permitissem construir uma pista para pousos e decolagens.

Nos arquivos da antiga Rede de Viação Cearense existem registros indicando que o ramal Mucuripe-Parangaba foi construído entre fins de 1940, início de 1941 e inaugurado às 17 horas do dia 28 de janeiro de 1941, pelo interventor Menezes Pimentel, em plena guerra.

De concreto sobre a presença americana em Fortaleza no tempo da guerra sabe-se apenas que eles construíram duas bases aéreas, uma no Pici, e outra no Cocorote, para dar sustentação ao seu plano de vigilância e proteção aos navios civis e militares brasileiros e aos aliados nesta parte do Atlântico, uma vez que as forças do Eixo estavam posicionadas nesta direção.

Vista áerea do bairro do Pici em 1972 - imagem Prefeitura de Fortaleza

A base do Pici, construída no segundo semestre de 1941, em 45 dias, foi usada por pouco tempo porque era difícil a chegada de combustível para seus aviões e para os seus tanques. Do ponto de vista aeronáutico, não oferecia boas condições para pousos e decolagens. Foi transformada então, em base de estacionamento dos Blimps.

Para o funcionamento dessas duas bases, existiu uma terceira, uma base naval, uma área de apoio para recebimento de combustível e um cais, localizado no interior da enseada do Mucuripe. Contam os mais velhos que, além dos depósitos para acumular combustíveis, havia edificações administrativas para guardar armamentos e munições. Das duas bases existem alguns poucos resquícios, mas nem tudo que veio dos Estados Unidos para movimentá-las, retornou.

Há informações de centenas de máquinas de escrever e de aparelhos de comunicação (precursores do telex) enterrados até hoje, em fossas localizadas no interior da Base Aérea de Fortaleza. Do pacote enterrado, também faziam parte armamentos, motores e peças de reposição para aviões.  Em face da ausência de documentos comprobatórios, tais notícias ficam na conta das especulações, dos boatos não comprovados. Mas há quem assegure tais informações com extrema convicção.


Porto do Mucuripe no início dos anos 40 - Na área assinalada ficavam os galpões e os tanques de combustível para abastecer os veículos americanos 

Porto do Mucuripe anos 40/50 imagem IBGE

Em fins de 1940 o Porto do Mucuripe já contabilizava a presença sempre crescente de navios em seu cais comercial. Ao seu lado, apenas meia dúzia de casas de palhas e dunas de areias alvíssimas, muitos coqueiros e cajueiros. Seus poucos moradores, sobreviviam exclusivamente da pesca, que era farta e diversificada. Na atual avenida Beira-Mar já existiam algumas casas de pescadores, a igrejinha de São Pedro e uma grande quantidade de pedras na sua frente, onde os moradores se encontravam e se divertiam.

Mucuripe final dos anos 30

Enquanto isso, os soldados e oficiais americanos trabalhavam freneticamente na Ponta do Mucuripe, dando suporte às duas bases aéreas de apoio, localizadas no Pici e no Cocorote. Exerciam uma função estratégica: eram responsáveis pelo recebimento, armazenamento e distribuição de combustível para seus veículos e aviões nas duas unidades, cujo transporte se fazia em tambores lacrados de 200 litros, colocados nas carrocerias dos caminhões ou nos vagões da RVC - Rede de Viação Cearense, para o Cocorote.

Até o desembarque do primeiro americano em Fortaleza, os trens da RVC corriam apenas em duas direções: da Praça Castro Carreira em direção a pedreira da Monguba, em Pacatuba fazendo paradas em Otávio Bonfim, Couto Fernandes, Parangaba, Mondubim, Pajuçara e Maracanaú, e do Mucuripe, pela beira da praia. Existia até uma locomotiva para as “obras do porto do Mucuripe”.

Os americanos construíram em tempo recorde um pequeno cais medindo entre 80 e 100 m de comprimento, para receber material e combustível para abastecimento dos aviões. Os navios de maior porte ficavam ancorados no meio da enseada, de onde através de uma operação precisa, colocavam os tambores em chatas motorizadas, que os levavam até o cais. Os menores, os petroleiros, atracavam sem problemas. Testemunhas relatam que eles trabalhavam dia e noite, retirando tambores de óleo e gasolina, transportando-os para os tanques instalados na base onde depois foi instalado a Lubnor.

Ramal Ferroviário Parangaba-Mucuripe - imagem IBGE

Desse cais que hoje está soterrado, bem como da pequena estrada de asfalto que dava acesso aos depósitos, não existe mais nem sinal. Ambos eram vigiados por homens armados de metralhadoras. Depois da guerra esses tanques passaram para a Esso e esta para a Petrobrás.  Centenas de tambores ainda com gasolina foram distribuídos entre as empresas americanas instaladas no Mucuripe, visto que não era negócio levá-los de volta, para os Estados Unidos.

Um antigo funcionário da Lubnor e professor de História, relatou que a gasolina azul, que chegava para os americanos, era procedente de uma base americana instalada em Aruba. Sobre os vestígios dessa unidade, ele lembra de tê-los visto “próximos da bacia de decantação do tanque F-201 para o lado da estação, onde se fazia a mistura de diluente com asfalto. Se não as derrubaram, ainda estão lá”. 

No período da 2ª Guerra, o Brasil se encontrava sob a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945). Com o golpe do Estado Novo, as Casas Legislativas foram fechadas; o Governo Federal escolhia os governadores do Estado, e estes, nomeavam os prefeitos. No Ceará estavam no comando o Interventor Menezes Pimentel (1935-1945), e o chefe da municipalidade era o prefeito Raimundo de Alencar Araripe (1936-1945). Ambos foram eleitos pelo voto popular, e após o golpe de 1937, foram mantidos nos cargos por Getúlio Vargas.
   
O governo de Menezes Pimentel, seguindo uma tendência (orientação) do que ocorria a nível nacional, foi marcado pelo autoritarismo, perseguição aos adversários políticos, destituição de prefeitos e funcionários públicos que não apoiassem o seu grupo político. Cerca de duas mil pessoas foram presas em Fortaleza neste período. E a transparência não fazia parte desse governo.

É possível que as autoridades norte-americanas tenham prestado todas as informações cabíveis, acerca de suas operações na cidade; é possível que os governantes locais soubessem quem estava no comando das ações americanas; é possível até que interagissem com os estrangeiros. Mas, devido a natureza singular da situação – guerra mundial – ditadura local – pode ser que essas autoridades tenham julgado conveniente manter-se calados com relação aos detalhes, mesmo depois de passado o prazo para guarda do sigilo. Ou talvez não tenha mesmo documentação alguma, eles vieram e se foram sem se reportar a ninguém; Seja como for, ainda há muitas respostas que não foram dadas e muitas perguntas que não foram feitas.

Fontes: 
Caravelas, Jangadas e Navios, uma história portuária de Rodolfo Espínola
História do Ceará, de Airton de Farias
O Povo
Fotos do livro Caravelas, Jangadas e Navios


Um comentário:

Miguel disse...

Muito Obrigado por essa postagem. Sempre imaginei como teria sido esse período aqui em Fortaleza.