A única forma de chegar àquele local até meados dos
anos 50, era de jipe. Todos os dias o engenheiro Waldir Diogo de Siqueira,
fundador da FIEC (Federação das Indústrias do Estado do Ceará), subia no
veículo com capota de lona e desbravava as dunas que davam acesso à faixa de
litoral que, mais tarde ficaria conhecida por Praia do Futuro.
Lançamento do loteamento na Praia do Futuro: na foto, José Coelho Guimarães, Murilo Mota, governador Faustino Albuquerque (de roupa escura), Waldir Diogo Vital de Siqueira, Adahil Barreto e Paulo Cabral de Araújo - abril de 1950 (foto Arquivo Nirez).
Em princípio, o interesse comercial naquelas terras do
chamado Sitio Cocó, de propriedade do industrial Antônio Diogo – pai de Waldir
Diogo – resumia-se a extração do sal marinho e à criação de gado para salga da
carne, com vistas à exportação pelo Porto do Mucuripe.
Por isso, quando Waldir Diogo resolveu lançar um
loteamento no local, em abril de 1950, foi difícil encontrar compradores. O
acesso à ampla faixa de terra loteada que se estendia por 7 quilômetros de
costa, do Farol do Mucuripe à foz do Rio Cocó, exigia dos eventuais
interessados uma boa dose de espírito aventureiro.
Para nivelar o terreno e dar uniformidade aos lotes, Waldir
Diogo recorreu a maquinário pesado, aplainando uma série de dunas naturais. Em
meados da década de 1960, surgiram ali, ainda timidamente, os primeiros
estabelecimentos de lazer: o restaurante Chez Pierre e o Fortune Drive-in,
precursores das atuais barracas.
Em 1973, quando a Praia do Futuro continuava sendo um
local ermo e distante, o engenheiro civil Cornélio Diógenes resolveu fazer ali
um novo loteamento. Negociou uma gleba de 12 hectares com a família Diogo.
Apressou-se em dotar o terreno de água, calçamento e energia. Construiu dez
casas, a fim de definir o padrão do loteamento, batizado com o nome de “Vereda
Atlântica”.
Loteamento Vereda Atlântica, o primeiro residencial localizado na Praia do Futuro, construído na década de 1970 - foto O Povo - 1977
Em 1975 o engenheiro foi um dos primeiros a se mudar
com a família para “aquele fim de mundo”, como definiam os amigos
escandalizados com sua decisão. Cornélio, que em 1978 faria o loteamento Lago
Jacarey, morou durante 7 anos no Vereda Atlântica, de onde saiu por questões
pessoais; avalia que “A Praia do Futuro continua sendo a praia do futuro”. Hoje
acredita que tomaria decisões diferentes: “ – é uma trabalheira fazer um
loteamento. Se fosse agora não faria nenhum dos dois. No caso do Vereda
procurei preservar, mas tive que mexer com as dunas. No Jacarey o problema foi
o lago, cavamos para aprofundar ao mesmo tempo que aterramos uma parte do
entorno. Na época nós não tínhamos tanta consciência ambiental, reconhece.”
Logo depois do Vereda, o ex deputado Jeová Costa Lima fez outro grande loteamento, por trás da Igreja Nossa Senhora de Lourdes, indo da Avenida Trajano de Medeiros à Dolor Barreira.
O loteamento do ex deputado, todo construído no alto de dunas remanescentes, vendeu bastante, e com o passar do tempo acabou se transformando num novo bairro: Lourdes (ou Dunas), apartado da Praia do Futuro. Foto de 2012 - Fortaleza em Fotos
Com a ampliação da Santos Dumont, em 1976,
estabeleceram-se dois tipos de fluxos simultâneos para o local. A população de
baixa renda residente nas adjacências do Farol, iniciou um processo de migração
para a Praia do Futuro, fixando-se no Vicente Pinzon e em outras regiões
circunvizinhas. As classes média e alta também se sentiram atraídas pela nova
faixa de praia virgem aberta pela expansão imobiliária, a partir da conclusão
da Avenida Zezé Diogo, em 1984, e pela urbanização do calçadão, em 1993.
Avenida Dioguinho, construída em 1969, reformada e melhorada nos anos 70. E uma Praia do Futuro quase vazia - Foto Anuário do Ceará
Contudo, o projeto de tornar a Praia do Futuro uma
versão cearense da Barra da Tijuca – bairro de classe alta do Rio de Janeiro,
caracterizado pela presença de mansões e condomínios de luxo – esbarrou na salinidade
típica da área. A chamada “maresia”, que corrói estruturas metálicas, eletrodomésticos
e automóveis, foi um empecilho à efetiva consolidação do uso residencial do local.
Segundo especialistas, a ausência de arborização, só agravou o problema.
A despeito do notório revés, a zona das dunas
remanescentes foi ocupada por residências de alto padrão. E o trecho de praia
após o cruzamento da Zezé Diogo com a Avenida Santos Dumont, apesar da polêmica
sobre a pertinência e a legalidade da instalação das tradicionais barracas de
praia (na verdade, grandes complexos de lazer com playgrounds, restaurantes, piscinas,
chuveiros, lojas, banheiros e gramados), firmou-se como área de recreação preferencial
da cidade.
Interior de uma barraca na Praia do Futuro - Fortaleza em Fotos
panorâmica da Praia do Futuro - foto Diário do Nordeste
Há anos uma disputa judicial remexe as areias de tais
complexos, que oferecem infraestrutura, mas limitam a circulação democrática,
impondo uma ocupação elitista ao espaço que deveria ser de livre acesso. Em sua
defesa, os donos dos empreendimentos apontam a atração de turistas, os empregos
gerados e a oferta de opção segura de lazer – que já faz parte da cidade de
Fortaleza.
Em 2005 o Ministério Público Federal moveu uma ação
tratando de irregularidades graves cometidas pelos empresários – apropriação clandestina
de trechos da praia, ocupação de áreas que excedem os limites determinados e
instalação de obstáculos para banhistas que não são clientes. Na época, o MPF
recomendou que 60 barracas abandonadas ou em precárias condições fossem
demolidas, enquanto a Advocacia Geral da União (AGU) definiu todos os 154
equipamentos como irregulares, pedindo a limpeza da área.
De lá para cá, debates, campanhas e mobilizações se
sucederam, até que, em 6 de agosto de 2013, o Tribunal Regional Federal da 5ª.
Região decidiu que os obstáculos de acesso a praia devem ser retirados, mas as
barracas podem permanecer onde estão, já que não foram construídas na área de praia,
mas na chamada berma (pós praia). Como
parte da defesa, foi invocada a “Lei de Mercado”, sob alegação que, se o
negócio imobiliário não pode desenvolver-se a contento, a vocação turística se
impôs com vigor na Praia do Futuro.
Extraído do livro
História Urbana e Imobiliária de Fortaleza
de Lira Neto
13 comentários:
Amo esse blog! Por favor, não pare nunca.
Incrível trabalho! Parabéns!
Parabéns. Sensacional. E que riqueza de detalhes.
Infelizmente a PF não evoluiu qto a construcao civil devido seu altissimo grau de salinidade, perdendo apenas para o mar morto.
Gostei da historia lembrava de pouco
Parabéns. Excelente reportagem.
A Praia do Futuro tem muitas outras estórias inesquecíveis, as quais fazem parte de sua história. Nos anos 1960 e até meados dos anos 1970 suas areias eram testemunhas de muitos encontros românticos noturnos, pois ainda não existiam motéis na cidade.
As barracas da moda na época eram a Carnaúba, a Balanço do Mar e a Barcelona, as quais promoveram a migração dos banhistas que antes frequentavam as praias dos Diários, AABB e Náutico. Os caranguejos e a cerveja gelada da Barcelona eram sem pares. À noite, a concentração maior era na Carnaúba, onde dancávamos ao som das músicas de Billy Paul e de tantas outras bandas famosas. Foi aí que pela primeira vez ouvi a impagável My Sweet Lord, do George Harrison.
Incrível a recordação proporcionada pelo artigo. Parabéns aos comentários que nos remete às boas fases de nossas juventudes naquelas areias.
Maravilhosa reportagem sobre a Praia do Futuro,moramos quase trinta anos em uma casa maravilhosa,projetada pelo meu tio Humberto Caminha engenheiro,procurando atender todos os nossos sonhos para uma casa para a família.Pena que não seja feito um projeto para melhorar algumas coisas pois é um local lindíssimo !
Perfeito vim aqui saber de onde se originou o nome da avenida Zezé Diogo e não ficou claro pra mim, mas muito lindo o blog acredito que feito com muito amor.
Que viagem ao passado,lendo a reportagem lembrei muito da minha juventude,que saudade!👏👏👏👏
Zezé diogo era filho primogênito de Antonio diogo de siqueira ( proprietario das terras da praia do futuro).
Mito. Não existe nenhum estudo que comprove sua afirmação, apesar d existir um teor elevado de salinidade, essa afirmação é uma falácia.
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