segunda-feira, 27 de agosto de 2018

A Origem da Água Potável em Fortaleza

Em 1904, 0 sanitarista Rodolfo Teófilo denunciava: a cidade era abastecida por fontes de procedência duvidosa, onde burricos e carregadores atentavam contra higiene pública.




É difícil encontrar-se uma cidade mais infestada de pedintes do que Fortaleza. A razão da estupenda mendicidade está nas secas. Cada flagelo que passa, deixa na Capital algumas centenas de inválidos, a aumentar a cifra já bastante crescida de inúteis. Recordo-me perfeitamente de Fortaleza antes de 1877. Havia pedintes a esmolar pelas ruas. Eram poucos, então.

Hoje, nos dias de sábado, vê-se uma procissão de esmoleres, rua abaixo e rua acima, e tão crescida que espanta. A falta de brio da arraia miúda em Fortaleza, chegou ao ponto de santificarem o sábado. Reservam este dia para as esmolas... As lavadeiras, por exemplo, não trabalham nos sábados, pedem esmolas. Posso afirmar isso de visu porquanto as lavadeiras são poços à flor da terra disseminados pelas areias de Fortaleza, e todas as vezes que por eles passei no mencionado dia, não vi uma lavadeira sequer.

É de buracos também nessa área suburbana que a população da Capital se abastece de água. Sabia que a água que se bebe em Fortaleza vinha das areias, mas nunca imaginei que fosse tirada de semelhantes fontes. Fiquei escandalizado quando vi um desses pequeninos pântanos, abertos naquela areia sáfara, exposta totalmente ao sol, cercado de aguadeiros e seus burricos.

E como é colhida a água? O animal, ordinariamente um jumento, é levado para a beira do poço, e enquanto ele se farta de água, se lhe enchem os canecos (barris de madeira). O focinho do animal lavado ali, causa menos nojo e é menos repugnante do que as cabeludas pernas dos aguadeiros que às vezes na fonte entram até meia canela. Porcos por índole e por educação, mui naturalmente pisam na água e nela lavam o rosto e depois levam-na a vender aos habitantes da capital, que imprevidentes como o aborígene, deixam de construir cisternas para recolher as águas das chuvas, esperando que o poder público melhore as aguadas.

Este, em sua habitual despreocupação, esquece por completo o lado utilitário dos negócios públicos e cuida de embelezar a cidade, ornando-a de avenidas e jardins. Quem nos visita sabe que temos bons logradouros, vê as nossas avenidas, mas não sabe de onde vem a água que bebemos. Quando será que os homens que nos governam tomarão mais a sério a saúde pública do que o embelezamento da cidade?

O abastecimento de água fora objeto de concessão dada pelo governo em 1862, por 50 anos, a José Paulino Hooholtz, a fim de fazer o encanamento de água potável do seu sítio no Benfica, para chafarizes espalhados pela cidade, tendo sido celebrado o contrato a 27 de maio de 1863. Além da exclusividade da venda de água, o contrato previa que a empresa deveria vender água em carroças por toda a cidade, pelo dobro do preço cobrado nos chafarizes.

O Chafariz da então Praça José de Alencar (atual Waldemar Falcão) foi instalado em 1836, no Largo do Palácio, pelo presidente da Província José Martiniano de Alencar

Em 1866 a concessão foi transferida para a empresa inglesa Ceará Water Works Co, que tentou organizar o serviço de abastecimento por meio de uma pequena rede distribuidora de água apanhada em cacimbas, de onde era captada por meio de bombas para dois reservatórios instalados no Benfica. Dali a água era canalizada para o centro da cidade, aproveitando-se o declive do terreno que facilitava o escoamento. Com a seca de 1877-79, as cacimbas e as demais fontes secaram e o abastecimento foi suspenso. 

Barragem do Açude Acarape 

Passado o período mais agudo da escassez de água com a volta das chuvas, e não contando a cidade com um concessionário oficial, a distribuição voltou aos padrões anteriores a 1862, onde a água potável era obtida em chafarizes, riachos ou aguadas. A localização desses mananciais não é precisa, alguns são localizados genericamente como “nas areias”. 

Sabe-se que não havia nenhum tipo de controle ou preocupação com a higiene. Água para tomar banho, lavar roupas, cozinhar, beber, e para outras atividades, provinha da mesma fonte, assim, não era de se estranhar a forte presença de lavadeiras e banhistas nos riachos, açudes e lagoas. Os documentos existentes descrevem essas aguadas como locais marcados pelas brigas e falta de asseio. Como figura central no abastecimento de água principalmente em residências, estava o aguadeiro, primeiro em burricos, mais tarde em carroças. E foi esse o cenário visitado e descrito por Rodolfo Teófilo. 

Os logradouros públicos dispunham de cacimbas e cataventos para manutenção dos jardins - Praça Marquês de Herval - atual Praça José de Alencar - 1912

Sorte de quem tinha uma cacimba no quintal. Mas construir um reservatório como este, custava caro, e poucos podiam pagar. Por conta do solo arenoso da cidade, era imprescindível o forro interno para evitar desmoronamento e assoreamento.

Somente em 1911, no governo Nogueira Accioly, o Dr. João Felipe elaborou um projeto que não foi concretizado de imediato em razão da deposição do governador. Mesmo assim haviam sido construídos dois reservatórios na então Praça Visconde de Pelotas, atual Praça Clóvis Beviláqua, com capacidade de 760.000 cada uma, além do estabelecimento de 42 km de canos pelas ruas. 

O prosseguimento dos trabalhos ocorreu em 1923, quando Ildefonso Albano contratou uma empresa americana, e o serviço foi inaugurado oficialmente no dia 3 de maio de 1926.
ao lado, a Praça Clóvis Beviláqua com os canos que seriam utilizados no sistema de abastecimento de água
Praça Clóvis Beviláqua já com os reservatórios em funcionamento - década de 1930

Até a data da inauguração do sistema de água do Açude Acarape, a distribuição de água ainda era feita em lombos de jumentos com depósitos de madeira. Algumas fontes dedicaram-se a esse comércio tornando-se conhecidas no mercado, por terem ampliado a oferta através de um grande número de vendedores avulsos que se lançaram no comércio ambulante.

O fornecimento voltou a ser alterado em 1975, com a inauguração em 30 de setembro, do primeiro reservatório do sistema Pacoti, o Açude Gavião.   


Fontes:
Fortaleza e a Crônica Histórica, de Raimundo Girão
História Urbana e Imobiliária de Fortaleza, de Lira Neto
O Abastecimento de Água em Fortaleza - CE (1813-1867), de Emy Falcão Maia Neto - Revista Espacialidades [online] 2014.v.7. n° 1
fotos do Arquivo Nirez



Um comentário:

Francy Pimentel Gomes Guttierrez disse...

Já vivi em Fortaleza e Sobral e sou apaixonada pelo Ceará e
Tudo que diz respeito a esse Estado.
Ontem ouvi um vídeo sobre uma linda casa na General Sampaio,
1406 e fiquei encantada.
Gostei demais de ler o teu relato.