É difícil
encontrar-se uma cidade mais infestada de pedintes do que Fortaleza. A razão da
estupenda mendicidade está nas secas. Cada flagelo que passa, deixa na Capital
algumas centenas de inválidos, a aumentar a cifra já bastante crescida de
inúteis. Recordo-me perfeitamente de Fortaleza antes de 1877. Havia pedintes a
esmolar pelas ruas. Eram poucos, então.
Hoje, nos dias de
sábado, vê-se uma procissão de esmoleres, rua abaixo e rua acima, e tão
crescida que espanta. A falta de brio da arraia miúda em Fortaleza, chegou ao
ponto de santificarem o sábado. Reservam este dia para as esmolas... As
lavadeiras, por exemplo, não trabalham nos sábados, pedem esmolas. Posso
afirmar isso de visu porquanto as lavadeiras são poços à flor da terra
disseminados pelas areias de Fortaleza, e todas as vezes que por eles passei no
mencionado dia, não vi uma lavadeira sequer.
É de buracos também
nessa área suburbana que a população da Capital se abastece de água. Sabia que
a água que se bebe em Fortaleza vinha das areias, mas nunca imaginei que fosse
tirada de semelhantes fontes. Fiquei escandalizado quando vi um desses
pequeninos pântanos, abertos naquela areia sáfara, exposta totalmente ao sol,
cercado de aguadeiros e seus burricos.
E como é colhida a
água? O animal, ordinariamente um jumento, é levado para a beira do poço, e
enquanto ele se farta de água, se lhe enchem os canecos (barris de madeira). O
focinho do animal lavado ali, causa menos nojo e é menos repugnante do que as
cabeludas pernas dos aguadeiros que às vezes na fonte entram até meia canela.
Porcos por índole e por educação, mui naturalmente pisam na água e nela lavam o
rosto e depois levam-na a vender aos habitantes da capital, que imprevidentes
como o aborígene, deixam de construir cisternas para recolher as águas das
chuvas, esperando que o poder público melhore as aguadas.
Este, em sua
habitual despreocupação, esquece por completo o lado utilitário dos negócios
públicos e cuida de embelezar a cidade, ornando-a de avenidas e jardins. Quem
nos visita sabe que temos bons logradouros, vê as nossas avenidas, mas não sabe
de onde vem a água que bebemos. Quando será que os
homens que nos governam tomarão mais a sério a saúde pública do que o
embelezamento da cidade?
O abastecimento de
água fora objeto de concessão dada pelo governo em 1862, por 50 anos, a José
Paulino Hooholtz, a fim de fazer o encanamento de água potável do seu sítio no
Benfica, para chafarizes espalhados pela cidade, tendo sido celebrado o
contrato a 27 de maio de 1863. Além da exclusividade da venda de água, o contrato
previa que a empresa deveria vender água em carroças por toda a cidade, pelo
dobro do preço cobrado nos chafarizes.
O Chafariz da então Praça José de Alencar (atual Waldemar Falcão) foi instalado em 1836, no Largo do Palácio, pelo presidente da Província José Martiniano de Alencar
Em 1866 a
concessão foi transferida para a empresa inglesa Ceará Water Works Co, que tentou
organizar o serviço de abastecimento por meio de uma pequena rede distribuidora
de água apanhada em cacimbas, de onde era captada por meio de bombas para dois
reservatórios instalados no Benfica. Dali a água era canalizada para o centro
da cidade, aproveitando-se o declive do terreno que facilitava o escoamento. Com
a seca de 1877-79, as cacimbas e as demais fontes secaram e o abastecimento foi
suspenso.
Passado o período mais agudo da escassez de água com a volta das chuvas, e não contando a cidade com um concessionário oficial, a distribuição voltou aos padrões anteriores a 1862, onde a água potável era obtida em chafarizes, riachos ou aguadas. A localização desses mananciais não é precisa, alguns são localizados genericamente como “nas areias”.
Sabe-se que não havia nenhum tipo de controle
ou preocupação com a higiene. Água para tomar banho, lavar roupas, cozinhar,
beber, e para outras atividades, provinha da mesma fonte, assim, não era de se
estranhar a forte presença de lavadeiras e banhistas nos riachos, açudes e
lagoas. Os documentos existentes descrevem essas aguadas como locais marcados
pelas brigas e falta de asseio. Como figura central no abastecimento de água
principalmente em residências, estava o aguadeiro, primeiro em burricos, mais
tarde em carroças. E foi esse o cenário visitado e descrito por Rodolfo Teófilo.
Os logradouros públicos dispunham de cacimbas e cataventos para manutenção dos jardins - Praça Marquês de Herval - atual Praça José de Alencar - 1912
Sorte de quem
tinha uma cacimba no quintal. Mas construir um reservatório como este, custava caro, e poucos
podiam pagar. Por conta do solo arenoso da cidade, era imprescindível o forro
interno para evitar desmoronamento e assoreamento.
Somente em 1911,
no governo Nogueira Accioly, o Dr. João Felipe elaborou um projeto que não foi
concretizado de imediato em razão da deposição do governador. Mesmo assim
haviam sido construídos dois reservatórios na então Praça Visconde de Pelotas,
atual Praça Clóvis Beviláqua, com capacidade de 760.000 cada uma, além do
estabelecimento de 42 km de canos pelas ruas.
O prosseguimento dos trabalhos
ocorreu em 1923, quando Ildefonso Albano contratou uma empresa americana, e o
serviço foi inaugurado oficialmente no dia 3 de maio de 1926.
ao lado, a Praça Clóvis Beviláqua com os canos que seriam utilizados no sistema de abastecimento de água
ao lado, a Praça Clóvis Beviláqua com os canos que seriam utilizados no sistema de abastecimento de água
Até a data da
inauguração do sistema de água do Açude Acarape, a distribuição de água ainda era
feita em lombos de jumentos com depósitos de madeira. Algumas fontes
dedicaram-se a esse comércio tornando-se conhecidas no mercado, por terem
ampliado a oferta através de um grande número de vendedores avulsos que se
lançaram no comércio ambulante.
O fornecimento
voltou a ser alterado em 1975, com a inauguração em 30 de setembro, do primeiro
reservatório do sistema Pacoti, o Açude Gavião.
Fontes:
Fortaleza e a
Crônica Histórica, de Raimundo Girão
História Urbana e Imobiliária de Fortaleza, de Lira Neto
O Abastecimento de Água em Fortaleza - CE (1813-1867), de Emy Falcão Maia Neto - Revista Espacialidades [online] 2014.v.7. n° 1
fotos do Arquivo Nirez
História Urbana e Imobiliária de Fortaleza, de Lira Neto
O Abastecimento de Água em Fortaleza - CE (1813-1867), de Emy Falcão Maia Neto - Revista Espacialidades [online] 2014.v.7. n° 1
fotos do Arquivo Nirez
Um comentário:
Já vivi em Fortaleza e Sobral e sou apaixonada pelo Ceará e
Tudo que diz respeito a esse Estado.
Ontem ouvi um vídeo sobre uma linda casa na General Sampaio,
1406 e fiquei encantada.
Gostei demais de ler o teu relato.
Postar um comentário