Quem tem boa memória
decerto haverá de se lembrar do Curral das Éguas – na Praia Formosa – no bairro
então denominado Arraial Moura Brasil, nos anos de 1920 a 1960. Quem descia
aquela ladeira da Rua General Sampaio, ao lado da Estação Central e da Casa de
Detenção em direção à praia, sabia, sem dúvida, que perderia a castidade e a
inibição.
Rua General Sampaio, a parte final da rua desapareceu em função da construção da Avenida Leste-Oeste
À primeira vista de quem
olhava do alto da ladeira, tinha-se a visão de um arraial feericamente
iluminado. As casas, estilo chalés, situadas do lado esquerdo de quem descia a
rua inclinada, guardavam os ninhos do amor vendido a granel, onde as moças
escondiam seus tesouros. Lá predominava a mancebia entre jovens que se
acautelavam das doenças venéreas, comuns na mocidade, e para uns, principal
sinal de virilidade.
No Curral do Arraial Moura Brasil tinha de tudo e mulher para todo gosto. A variedade de tipos, vindas de todo o interior do Ceará e até de outros Estados, com o ar, costumes, trajes e sotaque caipira, mas com a brejeirice sertaneja, atendia às mais diversas simpatias e preferências que exigiam o rigor do amor.
Era um mundo diferente para as moças simples, chegadas do interior, que ali se apresentavam para fazer o seu meio de vida assumindo a profissionalização. Na pensão, onde fixavam residência, a primeira providência da madame – a dona da pensão - era apresentar a hóspede na Chefatura de Polícia, para abrir uma ficha e receber a carteira, registrando-a com prontuário de ocorrência sanitária. A burocracia obrigava a rapariga a comparecer mensalmente, para revalidar o documento e passar por exames para saber se tinha pegado “coruba” ou “doença do mundo”, muito comuns naquela época.Era a juventude que comandava os dias daquelas mulheres, desfrutando o que a vida proporcionava, e se deixando dominar pela lascívia e o prazer de viver num mundo de fantasias e ilusões.
No Curral do Arraial Moura Brasil tinha de tudo e mulher para todo gosto. A variedade de tipos, vindas de todo o interior do Ceará e até de outros Estados, com o ar, costumes, trajes e sotaque caipira, mas com a brejeirice sertaneja, atendia às mais diversas simpatias e preferências que exigiam o rigor do amor.
Era um mundo diferente para as moças simples, chegadas do interior, que ali se apresentavam para fazer o seu meio de vida assumindo a profissionalização. Na pensão, onde fixavam residência, a primeira providência da madame – a dona da pensão - era apresentar a hóspede na Chefatura de Polícia, para abrir uma ficha e receber a carteira, registrando-a com prontuário de ocorrência sanitária. A burocracia obrigava a rapariga a comparecer mensalmente, para revalidar o documento e passar por exames para saber se tinha pegado “coruba” ou “doença do mundo”, muito comuns naquela época.Era a juventude que comandava os dias daquelas mulheres, desfrutando o que a vida proporcionava, e se deixando dominar pela lascívia e o prazer de viver num mundo de fantasias e ilusões.
A Subdelegacia de Polícia da Rua Franco Rabelo (que também desapareceu) atendia ocorrências na zona de prostituição
No local destinado a
dança – Salão Bola Preta, dancing de primeira classe, com verdadeira orquestra,
aconteciam animadas noitadas, passando pelos mais variados ritmos e contando com a
presença de representantes masculinos da fina flor da sociedade, que compareciam às escondidas das
mulheres e namoradas.
Com o passar do tempo vieram outros salões em épocas diferentes, como o “Rancho Fundo”, “Salão Azul” e o popular “Salão da Farinhada”, cuja iluminação era a base de gás carbureto, onde os frequentadores usavam tamancos por pertencerem à classe proletária, embora a alegria fosse a mesma de um salão grã-fino.
Um dos pontos altos da noite no Curral era o clássico trottoir: as damas da noite vestiam roupas de seda, subiam e desciam os dois primeiros quarteirões da Rua General Sampaio, a fim de atrair os fregueses que se postavam na parte mais alta da rua, ou sentados nos botequins da ladeira, a soltar galanteios para iniciar o rápido romance, que as vezes terminava na alcova.
Com trocas de olhares, nesse vai-e-vem subindo e descendo a ladeira, o jovem se aproximava da dama e logo se envolviam num ligeiro diálogo, para adentrar o pequeno quarto do lupanar reservado para o encontro, que não durava mais que meia hora. Terminada a função e recebido o pagamento, separavam-se com atenciosa despedida ou promessa de novos encontros em dia aprazado. A mulher já saía do quarto com traje diferente do que usara antes, para não ser reconhecida pelos circunstantes, porque precisava reiniciar sua batalha em busca de novo freguês.
Fora do trabalho, seu mundo se resumia a um pequeno dormitório da pensão alegre, pagando diária para ter direito ao almoço, jantar, guarda-roupa, e uma penteadeira repleta de adornos, bibelôs, perfumes, objetos de toucador, e um pequeno lavatório num tripé de ferro, acoplando bacia, jarra de ágata e saboneteira com o infalível sabonete Eucalol, pequena toalha, e “caxeiro” para os rapazes, que as mulheres faziam assepsia.
Não se falava de AIDS nem de preservativos. A rapaziada se curava nas prodigiosas mãos dos enfermeiros Mundico, Dr. França, Almeida e Varejão, que tinham seus ambulatórios no Centro, faziam ligeiras intervenções cirúrgicas, e de certa forma, praticavam a medicina profilática da juventude que se iniciava sexualmente. Eram os doutores das “doenças do mundo”, como eram popularmente conhecidos. Os casos mais graves iam para o Dr. Olavo Rodrigues ou Dr. José Oswaldo Soares – os grandes urologistas do Ceará, tudo em segredo, evitando que o assunto chegasse ao conhecimento da família – das namoradas, nem sonhar, acabava-se até casamento, se fosse noivo.
trecho do bairro Moura Brasil que desapareceu com a construção da Avenida Leste-Oeste
Ao lado do Curral das Éguas havia
outras pensões – o conhecido Oitão Preto e a Pensão da Olímpia, que por ser de
outra categoria, não se misturava com a plebe do Curral. Assim, nesse ambiente
de atmosfera pesada, havia também os tipos folclóricos, que preenchiam lacunas
de excentricidade. Iniciava a lista uma doida de pedra chamada de “Barra Azul”,
que ao ouvir o apelido, “soltava os cachorros”; "Siri", "Ferrugem" e "Tristeza",
afora as doidivanas que compareciam para dançar e aproveitar o tempo.
A ordem era mantida por um delegado de polícia muito rigoroso – Rodrigues, assessorado pelos policiais Pedro Moura e Chico da Usina e um destacamento de cavalaria que assegurava a tranquilidade na área. Havia muitos bares e botequins que serviam refeições ligeiras e bebidas alcoólicas até as 22 horas, abastecendo o território mundano do velho Curral, que no final dos tempos nada legou à posteridade.
A ordem era mantida por um delegado de polícia muito rigoroso – Rodrigues, assessorado pelos policiais Pedro Moura e Chico da Usina e um destacamento de cavalaria que assegurava a tranquilidade na área. Havia muitos bares e botequins que serviam refeições ligeiras e bebidas alcoólicas até as 22 horas, abastecendo o território mundano do velho Curral, que no final dos tempos nada legou à posteridade.
Avenida Leste-Oeste, postal dos anos 70
De lembrança, ficou a
igrejinha de Santa Teresinha, ali, ao lado da Leste-Oeste, para remir os
pecados dos endiabrados frequentadores da zona que virou cinza, e o tempo levou
deixando apenas recordações.
Extraído do artigo
Histórias da Fortaleza Antiga, de Zenilo Almada
publicado na Revista do
Instituto do Ceará - 2004
fotos do arquivo Nirez
fotos do arquivo Nirez
7 comentários:
Gosto muito de ler esses textos. É como uma viagem no tempo!
Gosto muito de olhar para a memória de Fortaleza. É uma viagem. Triste, mas agradável viagem. Agradável pelas recordações da infância, da juventude. Triste pela mutilação da paisagem.
Amo ler a história antiga de Fortaleza e principalmente quando vem acompanhada de fotografias. Publiquem mais sobre a nossa cidade.
Aqui de longe, onde estou, mato saudades da minha terra querida Fortaleza.
Maravilhosa essa história.....
Muito legal essas historias
Minha tia avó viveu essa época ela falava muito sobre esse curral
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