O cine São Luiz completou
50 anos no dia 26 de março de 2008. Estava com 15 anos quando o São Luiz abriu
suas portas. Grande expectativa. A construção durou 20 anos. Foi interrompida
por causa da guerra. A obra foi retomada em 1952 e concluída em 1958.
O cinema, criado pelo
arquiteto Humberto da Justa Menescal, surgiu no coração de Fortaleza todo em
mármore e com lustres tchecos iluminando a sala de espera. A imensa sala de
exibição, com mil e duzentas poltronas e uma decoração exuberante, ganhou logo
um apelido do “Ceará moleque”: Bolo Confeitado.
Fortaleza, na época com
500 mil habitantes, parou. As pessoas saíram de casa, lotaram os ônibus, foram
ver a festa de inauguração. O Pedão, no Abrigo Central, nunca vendeu tanto
sanduíche de carne moída e coentro com abacatada. O Pega-Pinto do Mundico teve
que colocar mais água no aluá para atender tanta gente. A Leão do Sul, do seu
Dimas, pai do Pedro Jorge, não parou de vender caldo de cana com pastel à noite
toda. Uma Banda de Música tocava em frente ao São Luiz. A rua, fechada para os
automóveis, foi ocupada por uma multidão que queria ver a chegada dos mil e
duzentos convidados. Era o sereno.
Na noite de gala foi exibido o filme "Anastácia, a Princesa Esquecida". Dirigido por Anatole Litvak, tinha como estrela a sueca Ingrid Bergman. O cinófilo Jose Augusto Lopes contou, em matéria no Diário do Nordeste, que o filme mostrava a história de uma sobrevivente do massacre de 1917 contra a família do Czar russo.
A praça do Ferreira, que
já era famosa pelo seu ventinho que levantava a saia das meninas, ganhava nova
atração graças a Luiz Severino Ribeiro. Este filho de Baturité era dono da
maior rede de cinemas do país. Só no centro de Fortaleza ele tinha o Diogo, o
Majestic, e o Moderno. Acho que o Rex, Nazaré e outros mais populares também
pertenciam a ele.
O Majestic era imenso.
Tinha o formato de um teatro, com vários andares e geral lá em cima. A entrada
para a geral, que tinha o preço mais barato, era por uma porta independente. O
pessoal era obrigado a deixar os tamancos na entrada para não fazer barulho no
piso de madeira. Na volta, os mais sabidos trocavam seus tamancos velhos por
pares mais novos. A grande confusão que se criava só parava com a chegada da
polícia. O Moderno, tinha a tela virada para a entrada. O Diogo, na Barão do
Rio Branco, até então era o melhor e passou a ser o segundo da cidade depois da
abertura do São Luiz.
O jornalista Lustosa da
Costa tinha por habito almoçar na Loja de Variedades, aquela que tinha entradas
pelas ruas Major Facundo e Barão do Rio Branco. Era o primeiro “self-service”
da cidade. Depois ia cochilar no cine Diogo, que tinha mil lugares. Muita gente
passou a fazer a mesma coisa no São Luiz, que tinha um sistema de ar
condicionado muito mais possante.
Geralmente, nos dias da
semana, à tarde, os 1.200 lugares do cinema nunca estavam ocupados. Muitos
jornalistas, que naquele tempo cobriam a Assembleia Legislativa, almoçavam no
restaurante do Alfredo, que ficava entre a AL e a praça do Ferreira, e depois
iam fazer a sesta no cinema. Alguns deputados também aderiam ao conforto das
poltronas e roncavam, embalados pela música do filme que estivesse em cartaz.
Com o paletó no braço,
gravata no bolso, eu costumava pegar o Circular 24 ou 25 da empresa São Jorge.
Naquele tempo, na minha rua, só o engenheiro José Lino da Silveira, o advogado
Aldy Mentor e o médico Mário Mamede tinham automóveis. O ônibus passava em
frente minha casa, na Avenida Padre Ibiapina e me deixava no Abrigo Central. Lá
mesmo colocava a gravata, vestia o paletó e ia, animadamente, pegar a fila. Ninguém reclama da
demora. Um dia, a namorada do Chico Moura, a Norma, desmaiou na fila.
Uma amiga ainda lembra a
tensão que vivia nas filas do São Luiz. Era uma coisa tão marcante que chegou a
ter pesadelos. Sonhava que estava na fila, sem calcinha maliciosa. Não era
difícil se ouvir o grito de uma mulher reclamando de algum engraçadinho que se
aproveitava da confusão da fila para tirar casquinha. Um dia prenderam um
tarado que se exibia para uma freira que enfrentava a fila para assistir
Marcelino, Pão e Vinho.
O Cine São Luiz tinha
algo além do conforto. As superproduções como "Trapézio", "Nunca é Tarde para
Esquecer", "Sansão e Dalila", eram exibidas em tela panorâmica. O som
estereofônico eletrizava o ambiente, aproximando os casais de namorados e
inspirando os gaiatos que faziam piadas em voz alta para alegria da galera. Faz
lembrar a Rita Lee com a sua música “No escurinho do cinema....”
A exigência de paletó fez
surgir um comércio de aluguel. Os caras guardavam o paletó no Café Cearazinho,
na Guilherme Rocha. Reza a lenda da Praça do Ferreira que ganharam muita grana
alugando paletó para quem decidia, de última hora, ir ao cinema.
Os lanterninhas do São
Luiz estavam atentos para evitar excessos. Um dia, o jornalista Silvio Leite,
assim que acabou o filme, resolveu tirar o paletó, os lanterninhas chegaram
junto para obrigá-lo a vestir. Silvio, irreverente, perguntou o que eles fariam
se ele não colocasse o paletó.
- Você será expulso do
cinema - vociferaram.
- Então, me expulsem.
Ora, como todo mundo já
estava de saída mesmo, teria sido apenas cômico se os lanternas não tivessem
partido para obrigar o jornalista a vestir o paletó. E ele acabou saindo, sem
vestir o paletó. Não esqueço a Polícia Estadual, na entrada do cinema, pedindo
documento para descobrir falso estudante pagando meia ou menor de idade
tentando ver filme impróprio. Sonhava em ser um deles para me exibir para as meninas.
O progresso sempre chega
acabando com o tradicional. Descentralizou o comércio. Os bairros ganharam
shoppings, os shoppings abriram praças de alimentação, salas de exibição. Ao
mesmo tempo, a televisão foi conquistando cada vez mais espaço e tempo das
pessoas, provocando uma mudança de habito que afetou a vida das cidades.
A sessão das 21h30, nas noites de domingo, verdadeiro desfile de moda parece coisa de ficção. Há cinquenta e oito anos, homens de terno, mulheres com os últimos lançamentos da moda, usavam a fila do São Luiz como passarela, O povão, em frente, elogiando, criticando, aplaudindo e vaiando. O São Luiz faz parte do patrimônio histórico do Ceará e suas histórias estão tombadas também, em nossa memória.
Memórias de autoria do
jornalista Wilson Ibiapina
Disponível em http://www.casadoceara.org.br/index.php?arquivo=pages/blog/perfil_wilson/e0508.php
fotos do arquivo Nirez e do Anuário do Ceará
fotos do arquivo Nirez e do Anuário do Ceará
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