quinta-feira, 23 de abril de 2015

Vivendo em tempos de Guerra

Em 14 de fevereiro de 1942 o navio brasileiro Cabedelo havia sido torpedeado em águas do Atlântico por submarinos alemães, o que provocou a morte de 54 tripulantes. Outras embarcações de bandeira brasileira também foram afundadas, a exemplo do Baependi, Buarque, Olinda, Atabutã, Cairu, Parnaíba, Tamandaré, totalizando 36 navios afundados. O torpedeamento desses navios mercantes brasileiros, em costa brasileira, fez com que o governo de Getúlio Vargas desse o primeiro passo para a declaração de guerra aos países do Eixo – Alemanha, Itália e Japão. 


Desfile dos integrantes da Força Expedicionária Brasileira, antes do embarque para a Itália

Em 22 de agosto de 1942, Getúlio Vargas reunido com vários de seus ministros, declarou ao término da reunião que “diante da comprovação dos atos de guerra contra a nossa soberania, foi reconhecida a situação de beligerância entre o Brasil e as nações agressoras”.

O Brasil foi compelido, moralmente, a participar da 2ª. Guerra Mundial, em desagravo à soberania ultrajada, à neutralidade desrespeitada, ao afundamento dos navios mercantes desarmados e para preservar a democracia ameaçada. O governo criou a Força Expedicionária Brasileira que seria enviada à Europa, contribuindo com a causa dos aliados.

manifestantes no Centro de Fortaleza depredaram e incendiaram a Loja A Pernambucana, cujos dirigentes eram austríacos e foram confundidos com alemães

Após a notícia de novos afundamentos de navios brasileiros por submarinos do Eixo, mesmo antes da declaração de guerra feita pelo governo brasileiro, em todo o país, ocorreram ataques e depredações a estabelecimentos comerciais que supostamente pertenciam a estrangeiros nascidos nos países inimigos.  Em Fortaleza não foi diferente: Empresas como A Pernambucana, Casa Veneza, Bar Antárctica, Café Iris, o escritório de Marino Cunto e outros foram invadidos e depredados aos gritos de “Morra a Itália” e “Morra a Alemanha”. 

A Casa Veneza foi saqueada e encerrou as atividades; anos mais tarde reabriu e fechou novamente 
Foto de Nelson Bezerra - Série Fortaleza anos 70/80

As empresas passaram a publicar notas nos jornais, declarando-se brasileiras ou compostas em sua diretoria por reservistas do Exército e da Marinha. O Jornal “O Estado” registrou algumas dessas notas. Em 20 de agosto de 1942, em primeira página, a Companhia Ítalo  Brasileira de Seguro Gerais, destacava: 

“A Cia Ítalo Brasileira de Seguros Gerais é genuinamente brasileira. Os seus acionistas e Diretores são brasileiros industriais e banqueiros de São Paulo, srs. Dr. Edgardo de Azevedo Soares, Dr. Alfredo Egydio de Souza Aranha, Dr. José da Silva Gordo, e Dr. José Hermínio de Morais. A Filial do Ceará também é constituída de brasileiros, reservistas do Exército e da Marinha e dirigidas pelos srs Artur Vieira de Almeida, e Edílson Nogueira Mota.”

Restaurante Ramon
O famoso proprietário de restaurante, Ramon Romero, também encomendou uma nota à imprensa, no mesmo dia e no mesmo jornal: 

“Ramon Romero de Castro, proprietário do popular e conhecido Restaurant Ramon e arrendatário do Excelsior Hotel, torna público que, sendo de nacionalidade espanhola, se acha, no entanto, há 42 anos no Brasil. Este grandioso país é assim, sua segunda pátria e os atentados torpes e covardes contra bens e vidas brasileiras, levados a cabo pelos nazistas, só lhe causam profunda indignação, motivo porque exprime toda a simpatia e solidariedade irrestrita, ao ínclito Presidente Vargas e às altas autoridades incumbidas de reprimir a ação nefasta dos vândalos do Eixo. O Restaurant Ramon e o Excelsior Hotel não têm em seus quadros de empregados qualquer elemento nascido nos países que ora hostilizam o Brasil”. 

Outras empresas como Lojas Brasileiras, Sambra, Sapataria Belém, Casa Raia, Loja “O Gabriel” e muitas outras, destacavam em notas impressas sua solidariedade ao governo brasileiro.

Os europeus de origem judaica, por seu sobrenome marcantemente estrangeiro, também foram perseguidos. Em 25 de agosto de 1942, o jornal “ O Estado”, publicava:

“Izaías Kligman, proprietário da Relojoaria Izaías à Rua Pará, 10 – avisa ao público que, além de ser polonês, reside no Brasil há mais de vinte anos, tendo-o como sua segunda pátria e que é uma vítima das atrocidades do Eixo, pois sua família, inclusive irmãos, foi dizimada pelos bárbaros nazistas". 

Passeata de agosto de 1942, manifestantes cobram um posicionamento do governo brasileiro

Nesse mesmo ano de 1942, foi realizado o primeiro blackout absoluto em Fortaleza, apagando-se todas as luzes da cidade, num exercício de comportamento a ser seguido, simulando um ataque aéreo à cidade. A “Gazeta de Noticias” publicou uma nota da Secretaria do Serviço de Defesa Passiva Antiaérea de Fortaleza, onde se estipulava que, em função do Estado de Guerra, o movimento nas ruas deveria ser encerrado às 22 horas; a iluminação pública não seria permitida a partir desse horário, principalmente na praia e no centro da cidade. Dentre estas normas do blackout, por tempo indeterminado, as que se referiam às residências, recomendavam: 

“todas as vidraças, venezianas, etc, externas, deverão ser cobertas com papel ou fazenda preta, ou reforçadas com madeira, de modo que não haja filtração da luz”. 

Na noite de Natal desse ano, a “Missa do Galo” deixou de acontecer à meia-noite, em função das regras rígidas de iluminação noturna. Em 21 de dezembro de 1942, o “Correio do Ceará” anunciou:

“em consequência do blackout adotado na cidade pelo Serviço de Defesa Passiva antiaérea, Fortaleza quebrará este ano, uma tradição, não realizando suas missas das 24 horas, no Natal, tão a gosto do povo católico e sempre concorridíssima. A providência, porém, não prejudicará o povo católico que no dia 25 poderá acorrer em massa para as igrejas, comemorando liturgicamente a data do nascimento de Cristo.” 

A obrigatoriedade de cumprimento das leis do blackout permaneceu em vigência até 1° de dezembro de 1943.

Extraído do livro de Vanius Meton Gadelha Vieira
Ideal Clube – história de uma sociedade
fotos do arquivo Nirez e do livro Ah, Fortaleza!


Um comentário:

Diego Alves disse...

Os prédios das lojas da antiga Casa Veneza há anos só servem como cracolândia a exemplo de qualquer outro prédio quando abandonado pelo proprietário e também foco para o mosquito Aedes Aegypti transmissor da dengue e depósito de lixo fora que a estrutura de suas marquises ameaça cair devido às infiltrações causadas pelas últimas chuvas e a falta de manutenção, será que esses prédios tem alguma questão na justiça que até agora não foram demolidos?Fica a pergunta de um leitor que anda pelo Centro e vê esse descaso.