segunda-feira, 21 de julho de 2014

A Aldeota Pobre

Conta onde passeia hoje esse teu olhar... 
Quantas fronteiras ele já cruzou, no mundo inteiro de uma só cidade?
(Eduardo Gudin , Costa Netto)

O crescimento desordenado dos grandes centros urbanos, aliados a processos de urbanização diferenciados acabaram mostrando as diversas faces que uma mesma cidade pode apresentar, dependendo do bairro e da classe social da população que o ocupa. A face mais visível é a existência de duas cidades dentro da cidade, que convivem e coexistem pacificamente, lado a lado: de um lado a cidade legal onde se encontra presentes todos os serviços e infraestrutura urbana, e de outro, a cidade ilegal ou clandestina, que se caracteriza pela ausência de normas legais e urbanísticas.
Em Fortaleza essa convivência entre os social e economicamente desiguais se verifica em quase todos os bairros, mas o processo é mais visível em bairros considerados de classe média e alta, como a Aldeota e o Meireles, por exemplo, onde o contraste é gritante.  

 em frente à comunidade das Quadras o altíssimo muro do tradicional Colégio Santa Cecília demarca o limite espacial entre duas realidades, que convivem mas não se comunicam 

A ocupação da Aldeota começou por volta dos anos 40, quando as famílias detentoras de recursos mudaram do Centro para os bairros do Benfica Jacarecanga, e mais tarde, para a Aldeota, até então uma região quase desabitada, conhecida por sua flora abundante. O Meireles foi só um prolongamento da Aldeota, a origem é a mesma. 
Mas o antigo bairro do Outeiro já possuía os seus moradores, constituídos principalmente de famílias de pescadores, que viviam da pesca em jangadas, e outros trabalhadores de baixa renda, de ocupações variadas. Todos moravam em casas simples, à beira-mar, na região hoje conhecida como Meireles e Mucuripe. Com a construção da Avenida Beira-Mar, no início da década de 1960, esses moradores foram expulsos para outras partes da cidade, dada a súbita valorização da área, e a descoberta do potencial econômico daquele trecho da orla marítima.

Avenida Santos Dumont na década de 1950 - foto do IBGE

Rua José Villar

Com a chegada dos ricos, que começaram a ocupação pela Avenida Santos Dumont, foram construídas mansões e mais tarde, edifícios luxuosos; o Capital e a especulação imobiliária transformaram a orla marítima da zona leste de Fortaleza no metro quadrado mais caro da cidade, e atraíram para aquela região hotéis, restaurantes, muito investimento por parte do poder público, serviços de toda espécie, muitos visitantes, muitos turistas.
E a partir daí esse passou a ser o perfil conhecido da Aldeota e seus vizinhos: imóveis caros, local de boas moradias, muitas opções de lazer, grande oferta de bens e serviços, a zona nobre da cidade.
Mas alguns dos moradores antigos, menos abonados, resolveram ficar por lá, num aglomerado de casas simples, que  por não acompanharem o padrão das construções recentes, viraram “comunidades”.
  

Um desses espaços de resistência, localizado no Meireles, entre as Ruas José Villar e Nunes Valente  é a Comunidade do Campo do América, onde residem cerca de 4 mil famílias. O local existe, segundo moradores mais antigos,  há mais de 100 anos, e as casas foram construídas em torno de um antigo campo de futebol que teria pertencido ao América Futebol Clube. Medindo 4.378 metros quadrados, o chamado Campo do América, que deu nome ao lugar, foi apropriado pela comunidade, e passou a receber diversos eventos.  

Campo do América, em 2013 e atualmente 

No início de 2014 o Campo do América foi urbanizado e entregue à comunidade, encerrando uma longa disputa pela posse do terreno, entre prefeitura e INSS que alegava ser o proprietário daquela área.
Outro gueto localizado na Aldeota é A Comunidade Santa Cecília conhecida por “Comunidade das Quadras”, localizado entre a Avenida Virgílio Távora, e as Ruas Beni de Carvalho, General Tertuliano Potiguara e Vicente Leite. A comunidade surgiu por volta de 1956, quando os  primeiros moradores se fixaram no local, dentro dos conceitos de cidade ilegal, sem infraestrutura, sem serviços básicos, e invisível aos olhos do poder público. 

  
Os casebres foram construídos de forma irregular, sem alinhamento, invadindo calçadas e terrenos alheios. Havia casas até junto ao muro do Colégio Santa Cecília. A proposta de urbanização foi feita pela então primeira dama do estado, Dona Luiza Távora, a partir de uma visita realizada na comunidade, após ter recebido uma carta de um líder comunitário da época. Naquela ocasião, fins dos anos 70, o governo do Estado (Virgílio Távora – 1979-1982),  instituía o PROAFA – Programa de Assistência às favelas da Região Metropolitana, que visava não a remoção de favelas, mas a sua urbanização e a manutenção das famílias na área. 
Foram construídas inicialmente cerca de 100 residências num terreno de esquina das ruas Beni de Carvalho com José Bonifácio, de propriedade da justiça. Depois construíram mais cem até se completar a urbanização do local. As residências eram todas iguais, construção de boa qualidade. A urbanização serviu para reordenar o espaço urbano naquela região, além de delimitar a área da comunidade, e inibir seu crescimento.


Com o crescimento da cidade, a gradativa diminuição de áreas disponíveis para novos empreendimentos, a supervalorização e o consequente recrudescimento da especulação imobiliária na Aldeota, é provável que essas comunidades venham a ser desalojadas de seu espaço de moradia e convivência. Apesar da vigência do Estatuto da Cidade (que a prevê a legalização da posse nos assentamentos urbanos  irregulares através de mecanismos legais), as áreas ocupadas pelas comunidades nunca deixarão de ser lembradas como alternativas para novas habitações com o padrão Aldeota de ser.


Sites consultados:

Medeiros, Moíza Sibéria Silva de Primeiro damismo no Ceará: Luiza Távora na gestão do social. / Moíza Sibéria Silva de Medeiros Dissertação (Mestrado) Universidade Estadual do Ceará,Disponível em http://www.uece.br/politicasuece/dmdocuments/dissertacao_moiza_siberia.pdf
Estatuto da Cidade - para compreender  


6 comentários:

Nathalia disse...

Olá gente! Parabéns pelo artigo! Queria saber se vocês poderiam me enviar as fotos originais, sem a marca d'água. Vou apresentar um trabalho sobre Percepções Urbanas de Fortaleza em um mestrado na Suécia e essas fotos seriam perfeitas para ilustrar alguns itens. Faço referência ao site de vocês na bibliografia. Desde já agradeço pela atenção! Qualquer coisa meu e-mail é nathiveras@hotmail.com.

Fátima Garcia disse...

olá Nathalia, obrigada pela visita, enviei as fotos para seu email.
abs

Anônimo disse...

Bom dia Fatima
Você sabe qual foi o órgão da prefeitura que absorveu o serviço do PROAFA?
na época meu pai pagou algumas taxas para ter a liberação do documento do imóvel e eu gostaria de saber se eles tem esses documentos

Heliana Querino disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cissa Duarte disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

isso e uma ato de preconceito, isso nao e uma favela sim uma comunidade FAVELA e a rocinha e outros.....