Em fins do século XIX, início do XX, a crescente proliferação de
pobres em Fortaleza – em geral fruto do êxodo rural e das tantas secas que
assolaram o Ceará no período – preocupou
intensamente o aparelho policial cearense. Identificando-os como
propensos ao vício, furto e roubo, a polícia redobrava a vigilância sobre estes
grupos, à medida que se multiplicavam no espaço urbano.
prédio do 1° quartel da força policial. Concluído
no fim do ano de 1891, foi inaugurado no dia 1º de setembro
de 1893 com a presença do então Governador do Estado
Dr. José Freire Bezerril Fontenele. Estava localizado na
esquina das ruas Guilherme Rocha com Floriano Peixoto, na atual
Praça do Ferreira, onde hoje se encontra o Sobrado do Pastor. (arquivo Nirez)
A preocupação em estabelecer uma segurança pública mais regular em
Fortaleza já transparece no começo do período republicano, com a reorganização
do aparelho policial em 1892: das 5 companhias de 501 soldados e 25 oficiais
então criadas, uma destinou-se exclusivamente ao policiamento de Fortaleza, com
a recomendação de que deveria ser composta por guardas que soubessem ler e
tivessem melhor conduta.
Prédio do Batalhão de Segurança, construído na Praça Marquês de Herval (atual Praça José de Alencar). Ficava no mesmo local onde hoje está o jardim do Teatro José de Alencar. A sede do Batalhão de Segurança funcionou ali de 1893 a 1908 (Arquivo Nirez)
No ano seguinte um novo quartel
foi construído no segundo maior logradouro da cidade, a Praça Marquês de
Herval, resolvendo, assim, o problema da falta de edifício próprio para a
corporação. A nova sede fora criada no governo Freire Bezerril que, por sua
vez, insistia na tecla da necessidade de se formar um corpo de agentes menos
militar e mais adequado ao policiamento especial da cidade, serviço realizado a
época por apenas 80 soldados, contingente considerado pelo governante como
muito reduzido. Em 1894, a companhia específica para o policiamento da capital
ganhava a denominação de Guarda Cívica
de Fortaleza, e passava a contar com 3 oficiais e 120 policiais.
Prédio do Batalhão de Segurança, visto por outro ângulo (Arquivo Nirez)
Em 1902, porém, o então chefe de
polícia constatava que aquele número de soldados já se encontrava muito aquém
do que seria suficiente para o tamanho da cidade. A sobrecarga de trabalho era
tanta que estava provocando a evasão de policiais por doenças ou fugas do
serviço. A preocupação policial sobre a
questão do contingente de pobres em expansão na capital foi intensificada com o
recrudescimento do êxodo rural e provocado pela seca de 1915. Os relatórios da
Secretaria de Justiça e dos chefes de policia, foram pródigos em registrar o
crescente número de prisões e delitos
pelo aumento do que qualificavam como vadiagem urbana.
As praças reformadas e monumentos eram guardados pela polícia para evitar depredações e aglomeração de desocupados.
O ano de 1918 foi o marco
inaugural dessa tentativa de transformar o conceito e a prática policiais,
pautadas no poder da disciplinarização moral e social como meio para se atingir
uma sociedade segura e ordenada. Seu
articulador foi a maior autoridade policial da época, o chefe de polícia e
bacharel José Eduardo Torres Câmara. Segundo aquela autoridade, o serviço
policial não deveria ser visível e ostensivo, mas subterrâneo e invisível, baseado
no modelo panóptico de vigilância – o olhar
do poder disciplinar que a tudo vê sem ser visto.
Praça do Ferreira com o prédio do Cine-teatro Majestic-Palace, que abrigava um cassino clandestino, fechado pela polícia de Torres Câmara (Arquivo Nirez)
Pra tanto o poder policial
deveria ser, antes de qualquer ato de força, praticado com proporcionalidade,
vigiar, condescender, persuadir, rogar eram processos que deveriam ser usados e
aconselhados a todos. Para disciplinar os outros, tal polícia precisava
disciplinar em primeiro lugar, aquele que representava o poder nas ruas: o
guarda da esquina. Nessa perspectiva o
bacharel esclarece que a nova prática policial só seria possível com a formação de policiais bem instruídos,
firmes, mas persuasivos o bastante para exercerem o freio que protege os
disciplinados. Citando o exemplo de um policial inglês que em 17 anos de
serviço nunca precisou usar sua arma, Torres Câmara sonhava em formar um novo
tipo de policial, que conquistaria confiabilidade e simpatia públicas, como o
policial londrino.
Na esquina das Ruas Guilherme Rocha com Barão do Rio Branco, um guarda conversa com um transeunte (Arquivo Nirez)
Sua conceituada polícia
procurou vigiar e corrigir tudo o que ferisse as normas de segurança e
civilidade. Nesse sentido não se descuidou nem do comportamento e da aparência dos chauffeures de praça e seus ajudantes:
estes foram obrigados a usarem uniformes, de acordo com o modelo indicado pela
inspetoria de policia.
Demonstrando firmeza na questão
da moralização dos costumes da cidade, o novo chefe policial mandou fechar um
luxuoso cassino, que funcionava clandestinamente no recém-inaugurado
Majestic-Palace (1917), o primeiro grande cinema da capital.
A antiga Praça dos Coelhos, atual José Bonifácio, para onde se mudou, em 1927, o quartel da Policia Militar. (Arquivo Nirez)
O alcoolismo era encarado como
uma das principais causas da periculosidade representada pelos ociosos,
mendigos e gatunos, tidos como os maiores portadores do vício. Para conter o
hábito popular e dificultar o consumo principalmente da aguardente – bebida barata
e ao alcance de todos – o inspetor policial sugeria medidas como a oneração de
taxas para sua venda, proibição do consumo em festas populares, multas para
estabelecimentos que a vendessem para indivíduos já alcoolizados e criação de
ligas contra o consumo do álcool.
Extraído do livro de Sebastião
Rogério Ponte
Fortaleza Belle Epoque – reformas
urbanas e controle social – 180-1930
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