quinta-feira, 6 de junho de 2013

A Ação Policial na Fortaleza Antiga

Em fins do século XIX, início do XX, a crescente proliferação de pobres em Fortaleza – em geral fruto do êxodo rural e das tantas secas que assolaram o Ceará no período – preocupou  intensamente o aparelho policial cearense. Identificando-os como propensos ao vício, furto e roubo, a polícia redobrava a vigilância sobre estes grupos, à medida que se multiplicavam no espaço urbano. 

 prédio do 1° quartel da força policial. Concluído no fim do ano de 1891, foi inaugurado no dia 1º de setembro de 1893 com a presença do então Governador do Estado Dr. José Freire Bezerril Fontenele. Estava localizado na esquina das ruas Guilherme Rocha com Floriano Peixoto, na atual Praça do Ferreira, onde hoje se encontra o Sobrado do Pastor. (arquivo Nirez) 

A preocupação em estabelecer  uma segurança pública mais regular em Fortaleza já transparece no começo do período republicano, com a reorganização do aparelho policial em 1892: das 5 companhias de 501 soldados e 25 oficiais então criadas, uma destinou-se exclusivamente ao policiamento de Fortaleza, com a recomendação de que deveria ser composta por guardas que soubessem ler e tivessem melhor conduta. 

 Prédio do Batalhão de Segurança, construído na Praça Marquês de Herval (atual Praça José de Alencar). Ficava no mesmo local onde hoje está o jardim do Teatro José de Alencar.  A sede do Batalhão de Segurança funcionou ali de 1893 a 1908 (Arquivo Nirez) 

No ano seguinte um novo quartel foi construído no segundo maior logradouro da cidade, a Praça Marquês de Herval, resolvendo, assim, o problema da falta de edifício próprio para a corporação. A nova sede fora criada no governo Freire Bezerril que, por sua vez, insistia na tecla da necessidade de se formar um corpo de agentes menos militar e mais adequado ao policiamento especial da cidade, serviço realizado a época por apenas 80 soldados, contingente considerado pelo governante como muito reduzido. Em 1894, a companhia específica para o policiamento da capital ganhava a  denominação de Guarda Cívica de Fortaleza, e passava a contar com 3 oficiais e 120 policiais.

 Prédio do Batalhão de Segurança, visto por outro ângulo (Arquivo Nirez)

Em 1902, porém, o então chefe de polícia constatava que aquele número de soldados já se encontrava muito aquém do que seria suficiente para o tamanho da cidade. A sobrecarga de trabalho era tanta que estava provocando a evasão de policiais por doenças ou fugas do serviço.  A preocupação policial sobre a questão do contingente de pobres em expansão na capital foi intensificada com o recrudescimento do êxodo rural e provocado pela seca de 1915. Os relatórios da Secretaria de Justiça e dos chefes de policia, foram pródigos em registrar o crescente  número de prisões e delitos pelo aumento do que qualificavam como vadiagem urbana. 

 As praças reformadas e monumentos eram guardados pela polícia para evitar depredações e aglomeração de desocupados. 

O ano de 1918 foi o marco inaugural dessa tentativa de transformar o conceito e a prática policiais, pautadas no poder da disciplinarização moral e social como meio para se atingir uma sociedade segura e ordenada.  Seu articulador foi a maior autoridade policial da época, o chefe de polícia e bacharel José Eduardo Torres Câmara. Segundo aquela autoridade, o serviço policial não deveria ser visível e ostensivo, mas subterrâneo e invisível, baseado no modelo panóptico de vigilância – o olhar do poder disciplinar que a tudo vê sem ser visto. 

 Praça do Ferreira com o prédio do Cine-teatro Majestic-Palace, que abrigava um cassino clandestino,  fechado pela polícia de Torres Câmara (Arquivo Nirez)

Pra tanto o poder policial deveria ser, antes de qualquer ato de força, praticado com proporcionalidade, vigiar, condescender, persuadir, rogar eram processos que deveriam ser usados e aconselhados a todos. Para disciplinar os outros, tal polícia precisava disciplinar em primeiro lugar, aquele que representava o poder nas ruas: o guarda da esquina.  Nessa perspectiva o bacharel esclarece que a nova prática policial só seria possível  com a formação de policiais bem instruídos, firmes, mas persuasivos o bastante para exercerem o freio que protege os disciplinados. Citando o exemplo de um policial inglês que em 17 anos de serviço nunca precisou usar sua arma, Torres Câmara sonhava em formar um novo tipo de policial, que conquistaria confiabilidade e simpatia públicas, como o policial londrino. 

Na esquina das Ruas Guilherme Rocha com Barão do Rio Branco, um guarda conversa com um transeunte (Arquivo Nirez)

Sua conceituada polícia procurou vigiar e corrigir tudo o que ferisse as normas de segurança e civilidade. Nesse sentido não se descuidou nem do comportamento e da aparência  dos chauffeures de praça e seus ajudantes: estes foram obrigados a usarem uniformes, de acordo com o modelo indicado pela inspetoria de policia.
Demonstrando firmeza na questão da moralização dos costumes da cidade, o novo chefe policial mandou fechar um luxuoso cassino, que funcionava clandestinamente no recém-inaugurado Majestic-Palace (1917), o primeiro grande cinema da capital.

 A antiga Praça dos Coelhos, atual José Bonifácio, para onde se mudou, em 1927, o quartel da Policia Militar. (Arquivo Nirez)

O alcoolismo era encarado como uma das principais causas da periculosidade representada pelos ociosos, mendigos e gatunos, tidos como os maiores portadores do vício. Para conter o hábito popular e dificultar o consumo principalmente da aguardente – bebida barata e ao alcance de todos – o inspetor policial sugeria medidas como a oneração de taxas para sua venda, proibição do consumo em festas populares, multas para estabelecimentos que a vendessem para indivíduos já alcoolizados e criação de ligas contra o consumo do álcool.


Extraído do livro de Sebastião Rogério Ponte
Fortaleza Belle Epoque – reformas urbanas e controle social – 180-1930


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