quinta-feira, 30 de julho de 2015

A Fortaleza do tempo da "A Normalista" 1/2

No romance publicado em 1893, a normalista Maria do Carmo é o pretexto para Adolfo Caminha apresentar aos leitores sua visão de Fortaleza de fins do século XIX. De um lado, o povinho miúdo: o pequeno funcionário público, a mulher que vendia rendas, o barbeiro, o guarda-livros, etc. de outro lado, o governador da província, o coronel Sousa Nunes, seu filho Zuza – estudante de direito – o jornalista José Pereira, o diretor e os professores da escola Normal. É a propósito da vida da normalista que o autor vai delineando quadros da vida da capital: uma aula na Escola Normal, o footing no Passeio Público, uma festa de casamento, um enterro, etc.

a então Praça Marquês de Herval (atual José de Alencar) com o prédio da Escola Normal

Neste painel de costumes o autor quer mostrar toda a mesquinha sordidez da vida social na Fortaleza do seu tempo. O mau humor para com a cidade é evidente e costuma ser apontado pelos críticos de Adolfo Caminha como uma espécie de vingança: o autor jamais teria perdoado seus conterrâneos pelas críticas aos seus amores adúlteros com a mulher de um colega. 

Os Lugares da Normalista 

“João Maciel da Mata Gadelha, conhecido em Fortaleza por João da Mata, habitava, há anos, no Trilho, uma casinhola de porta e janela, cor de açafrão, com a frente encardida pela fuligem das locomotivas que diariamente cruzavam defronte, e donde se avistava a Estação da linha férrea de Baturité”. p.11

João Maciel morava com sua companheira D. Teresinha e sua afilhada Maria do Carmo, aluna da Escola Normal. O Trilho, forma abreviada de Rua do Trilho de Ferro, é hoje a Avenida Tristão Gonçalves. Pela descrição feita, João da Mata residia no lado oeste da rua (lado da sombra) próximo à Praça Castro Carreira, pois de sua casa se avistava o prédio da Estação da linha férrea de Baturité. 

“Davam nove horas na quando todos se ergueram”. p.14 


A Sé em questão era a antiga Igreja de São José, que por volta de 1854 inaugurou o primeiro relógio público de Fortaleza. Seus ponteiros decretavam a hora oficial, e por eles, as fábricas, o comércio, as escolas e os habitantes, ajustavam  seus relógios. A Igreja de São José foi demolida em 1938. No mesmo local foi construída a atual Catedral da Sé.

“A noite estava escura e calma as estrelas tinham um brilho particular, altas minúsculas como cabeças d’alfinete em papel de seda. Ouvia-se distintamente, como por um tubo acústico, a toada dos soldados rezando à Virgem da Conceição no quartel de linha...” p.15

O quartel de linha ficava onde hoje se encontra a 10ª RM. O antigo quartel do 11° Batalhão de Infantaria teve sua construção iniciada na administração do coronel Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca, governador da Capitania no período de 1765 a 1781, em terreno de propriedade do padre José Rodrigues, que o oferecera ao governo juntamente com a capela de Nossa Senhora da Assunção, edificada por ele.

“Desde a saída de Maria do Colégio das Irmãs de Caridade tinha se operado uma mudança admirável nos hábitos de João da Mata... Aquela Maria do Carmo do Imaculada Conceição, toda santidade...” p.16


Antes da Escola Normal, Maria do Carmo fora aluna interna do Colégio da Imaculada Conceição. O Imaculada Conceição foi fundado em 1865 como escola para menores órfãos e abandonados. Dirigido pelas freiras francesas da Ordem das Filhas de Caridade de São Vicente de Paula, chegadas em Fortaleza naquele ano. A partir de 1867 o colégio funcionou num prédio construído para abrigar um hospital. Ocupava a área equivalente a um quarteirão quadrado, na parte setentrional da Praça Filgueiras de Melo, o mesmo local que ocupa até os dias atuais. 

Havia meses Maria do Carmo cursava a Escola Normal.” P.17


Tanto João da Mata quanto D. Terezinha, padrinhos e tutores de Maria do Carmo eram de opinião que o Colégio da Imaculada Conceição não era o lugar ideal para uma menina inteligente como Maria. “Não compreendia  como pudesse instruir-se na prática indispensável da vida social uma criatura educada a toques de sineta, no silêncio e na sensaboria de uma casa conventual entre paredes sombrias, com quadros  alegóricos das almas do purgatório e das penas do inferno.”
A Escola Normal Pedro II, inaugurada em 1884 na Praça Marquês de Herval destinava-se a formação de professores para as  escolas do Estado.  O surgimento da Escola Normal provocou uma grande polêmica na sociedade, por causa da proposta de formar professoras profissionais, numa época em que as mulheres eram destinadas ao casamento e a criação de filhos. O antigo prédio da Escola Normal atualmente é ocupado pelo IPHAN, localizado na Praça José de Alencar. 

Até a Praça do Patrocínio, como uma grande senhora independente” p.17.

Até 1870 a atual Praça José de Alencar , onde estava localizado o prédio da Escola Normal, chamava-se Praça do Patrocínio, por causa da igreja de N. S. do Patrocínio, construída  no largo e inaugurada em 1852. Em 1893, data em que o romance foi publicado, a Praça já se chamava Marquês de Herval.

A fama da normalista encheu depressa toda a capital. Não se compreendia como uma retirante saída a pouco das Irmãs de Caridade fosse tão bem feita de corpo, tão desenvolta e insinuante ....Nas reuniões do Club Iracema era ela a preferida dos rapazes...” p.17
 
O Clube Iracema foi fundado no dia 28 de junho de 1884, pelos recusados do Clube Cearense, que se formava à margem do mundo aristocrático de então,  um ascendente grupo social médio-alto, constituído por comerciários, despachantes e guarda-livros, muitos deles, já na década de 1870, participantes de atividades  literárias e jornalísticas, e ativos militantes abolicionistas. No início funcionou em prédio na esquina das Ruas Senador Pompeu e Guilherme Rocha. Depois se mudou para a Rua Barão do Rio Branco, onde mais tarde se instalou a Faculdade de Farmácia e odontologia. Hoje, no local, tem uma agência do Banco do Brasil.  

“João da Mata inflava. Certo não a entregaria por preço algum a qualquer rapazola como o filho do coronel Souza Nunes. Entretanto, o Zuza era um rapaz da moda. Montava a cavalo, fazia versos, assinava a Gazeta Jurídica, frequentava o palácio do presidente...” p.17


O Palácio do presidente era o Palácio da Luz, à época a residência oficial do presidente da Província do Ceará, localizado na Praça General Tibúrcio. Foi construído no final do Século XVIII, com auxilio de mão-de-obra indígena, para servir de residência do capitão-mor Antônio de Castro Viana. O primeiro presidente a ocupar o imóvel foi o governador Luís Barba Alado de Menezes, em 1809.

“Sobre a cômoda, ao pé do oratório, ardia uma lamparina de azeite” p.18

No final do século XIX, onde se situa temporalmente o romance, as casas eram iluminadas por candeeiros, lamparinas e velas, enquanto que nas ruas, praças e demais espaços públicos já havia iluminação a gás carbônico. O material para instalação do gasômetro de Fortaleza chegou em 9 de outubro de 1866, sendo concessionária do serviço a empresa Ceará Gás Company, com sede em Londres.

”O capitão Bernardino de Mendonça chegou a Fortaleza pela estrada nova de Messejana” p. 18 

A Estrada de Messejana ou Calçamento de Messejana é o antigo nome da Avenida Visconde do Rio Branco. 

“Ao cabo de 12 longos dias em que paravam para repousar à sombra d’alguma árvore que ainda verdejava ou nalguma palhoça abandonada, avistaram o campanário branco e alegre do Coração de Jesus” p.21


A descrição se refere à viagem feita pelos pais de Maria do Carmo quando se retiraram do interior de Campo Alegre em direção a Fortaleza fugindo da seca de 1877. Mas a igreja do Coração de Jesus não existia nessa época, visto que só foi inaugurada em 1886, aproveitando justamente a mão-de-obra de retirantes da seca, que vagavam pela capital em busca de trabalho.



“Maria lembrava-se de tudo. Depois ela ficara sozinha em companhia dos padrinhos. Nesse tempo moravam na Rua de Baixo” p. 23  


A antiga Rua de Baixo é a atual Rua Conde d’Eu



“ o certo, porém é que o procedimento de D. Amanda não escandalizava a sociedade. Vivia na sua modesta casa do Trilho, muito concentrada, num respeitoso isolamento, saindo à rua poucas vezes em companhia da filha, não frequentando bailes nem o Passeio Público” (26)






D. Amanda era viúva, morava em frente a casa de João da Mata, em companhia de sua filha Lídia, colega de Maria do Carmo na Escola Normal. Apesar da vida reservada, mãe e filha eram vítimas da maledicência popular. 

Inaugurado em 1880 o Passeio Público era um espaço ajardinado, arejado, reservado para a fruição daqueles belos tempos, onde o footing (passeio a pé), o meeting (encontro entre pessoas) e o flert (paquera) eram praticados regularmente. Sobranceiro ao mar e bem arborizado, o logradouro foi murado e decorado com estátuas representando divindades mitológicas gregas, além de canteiros, coreto, café, passarelas pavimentadas e longos bancos. Atração imperdível  às quintas e domingos o Passeio lotava-se de gente elegante exibindo as últimas novidades trazidas pelos navios vindos da Europa. A banda municipal embalava os namoros, os flertes e o passeio dos frequentadores. 



“ Era hora do almoço. O amanuense estava apressado porque tinha de ir à praia ao embarque do conselheiro Castro e Silva que seguia para o Rio de Janeiro... No porto havia grande lufa-lufa de gente que embarcava e desembarcava simultaneamente, bracejando, falando alto... ” p.31




Na época o porto de Fortaleza era o da Prainha, situado entre o Centro e a Praia de Iracema. A Ponte Metálica, que funcionou como local de embarque e desembarque durante muitos anos, só foi construída em 1906.  



“Um carro parou à porta da Escola de Aprendizes Marinheiros: era o conselheiro, metido numa sobrecasaca muito comprida, cheio de atenções” p.32


A Escola de Aprendizes Marinheiros foi instalada em 31 de março de 1865 na Rua da Praia (atual Avenida Pessoa Anta), perto do porto, portanto, em casas pertencentes ao barão de Ibiapaba; em 1908 mudou-se para o Jacarecanga.

continua.....

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Origem e Urbanização do Benfica

Ao longo da segunda metade do século XIX, a província de Fortaleza foi assolada por sucessivas epidemias de cólera e febre amarela. Em 1862 foi constatada a presença de um surto de cólera-morbus que se propagou para Maranguape e Pacatuba. A falta de controle sobre os doentes gerou o temor que a água consumida pela população estivesse contaminada.

Estrada do Arronches (atual Parangaba) em 1919 - foto Brasiliana Fotográfica 

O sitio Benfica estava localizado na Estrada de Arronches, fora dos limites urbanos de Fortaleza. Começou a ser valorizado quando a epidemia de cólera-morbus assolou a cidade. Devido a distância do núcleo urbano, as terras do sítio foram consideradas aptas para resolver o problema de abastecimento de água, por estarem distantes de qualquer foco de contaminação dos cemitérios e por contar com inúmeras fontes de águas limpas.

Pela resolução n° 1023, de 27 de novembro de 1862, foi concedido ao proprietário do Sítio Benfica, José Paulino Hoonholtz, o privilégio de explorar  por 50 anos o fornecimento de água. O documento obrigava a instalação de no mínimo quatro chafarizes em diferentes pontos da cidade, e ordenava o fechamento de todas as cacimbas residenciais. No ano seguinte Hoonholtz transferiu a concessão do abastecimento para a empresa Ceará Water Company Ltd., que explorou o serviço até 1877, quando foi paralisado por falta de água e a companhia foi à falência. A seca de 1877 perdurou até 1879.

Igreja de N. S. dos Remédios 

Em 1878 foi iniciada a construção da primeira igreja do bairro, a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Era desejo de um certo Antônio do Amaral  construir uma capela em terreno de sua propriedade no Benfica, com a denominação de Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, por ser esta a padroeira de freguesia onde nascera, numa das ilhas Açores. Vindo, porém, a falecer sem realizar seu intento, coube à sua mulher dar execução ao desejo do marido. Obtida a competente autorização, começaram os trabalhos, levantando-se as paredes do edifício, mas faltaram recursos e as obras ficaram paralisadas por cerca de 15 anos.

Então, alguns moradores mais abastados do Benfica, tendo a frente o Coronel João Gentil de Carvalho e sua família, fizeram vultosos donativos, que somados a outros recursos de fontes diversas, permitiram a conclusão e inauguração do templo, em agosto de 1910. Após a inauguração, a igreja passou a ocupar lugar de destaque na vida do bairro: tudo que se concretizasse no campo cultural, social ou religioso, tinha origem na igreja. Segundo historiadores, a Igreja dos Remédios é um legado da família Gentil aos moradores do Benfica: durante muitos anos eles foram responsáveis pelas despesas de manutenção e conservação do templo.

Anexa a Igreja dos Remédios foi erguida a Casa das Missões, inaugurada em 1927, também com recursos provenientes de doações, que passou a abrigar os padres lazaristas.  Mais tarde esse prédio abrigou o Hospital Mira Y Lopez, e foi demolido em março de 2013.

residência do empresário José Gentil, hoje Reitoria da UFC 

Em 1909, a chácara localizada na Avenida Visconde de Cauípe (atual Avenida da Universidade) foi adquirida pelo empresário José Gentil, que ergueu no local, em 1918, um palacete para sua moradia. Em torno da casa construiu vilas e ruas com residências de vários tamanhos e estilos, praças e áreas verdes, lugar que ficou conhecido como Gentilândia.

A Gentilândia tornou-se uma verdadeira cidade modelo que serviu de padrão às novas construções e vilas da cidade. Até meados da década de 1940, o bairro esteve em evidência com a execução das obras da Gentilândia, até que o plano de edificação da Imobiliária José Gentil começou a ser gradativamente desativado.

ônibus que fazia a linha do Prado 

No início da década de 1950, o lugar começou a entrar em decadência; antigos moradores começaram a deixar o bairro em busca de novos espaços, esvaziamento acentuado em razão da tendência de crescimento  da cidade para a Aldeota e para o litoral. Com a debandada dos ricos, o palacete de José Gentil foi posto à venda e adquirido pelo reitor da Universidade Federal do Ceará, em 1956. Posteriormente em 1959, foi construída a Concha Acústica, o maior auditório ao ar livre do Ceará, com capacidade para 3.000 pessoas. 

Avenida Visconde de Cauípe

Ao longo dos anos a vila de casas construída em 1931, sempre foi enquadrada pelos mapas da cidade como parte do Benfica. No entanto, em julho de 2000 foi aprovada a Lei Municipal n° 8480, criando o bairro da Gentilândia, englobando o quadrilátero urbano compreendido entre as Avenidas da Universidade, Treze de Maio, Expedicionários e Eduardo Girão, se constituindo no menor bairro de Fortaleza. Mas o nome Gentilândia não foi reconhecido pela população, e as ruas que estariam dentro da área do bairro, são consideradas como pertencentes ao Benfica. O CEP (código de endereçamento postal) assinala o bairro como sendo o Benfica.
  
Estádio Presidente Vargas na década de 1940 

O Benfica acolheu a primeira universidade e os primeiros estádios de futebol da cidade, o Campo do Prado e mais tarde o Presidente Vargas, inaugurado em 21 de setembro de 1941. O Presidente Vargas é o único estádio da capital para jogos de médio porte (capacidade para pouco mais de 20 mil pessoas). Conforme depoimento de moradores, em dias de jogos a maior parte do bairro se transforma em campo de batalha: gangues, bêbados,  agressões a transeuntes e moradores, poluição sonora, acúmulo de lixo, vandalismo, roubos e assaltos, patrocinados por parte do público que frequenta o estádio, são comuns nessas ocasiões.

 
Foto atual do Benfica, com o Shopping Benfica e a Estação do Metrofor 

O Benfica (incluindo a Gentilândia) está localizado na porção centro-oeste de Fortaleza, ocupando uma área de 143,1 hectares. Limita-se ao Norte pela Rua Antônio Pompeu; a Leste pela Rua Senador Pompeu e Avenida dos Expedicionários; ao sul, pela Avenida Eduardo Girão e a Oeste, pela Avenida do Imperador, Rua Carapinima e Avenida José Bastos. 

Fonte: Subsídios a Elaboração a Agenda 21 Local - Diagnóstico Participativo do Bairro do Benfica - Dissertação de Mestrado - autora: Fátima Garcia
fotos do arquivo Nirez

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Orson Welles e a Filmagem no Ceará

Em 10 de setembro de 1941 um grupo de quatro pescadores  cearenses empreendeu um “raid” de jangadas, saindo de Fortaleza em direção ao Rio de janeiro. Manoel Olímpio Meira, o Jacaré, presidente da Colônia de Pescadores; Manoel Pereira da Silva, o Manoel Preto; Jerônimo André de Souza e Raimundo Correia Lima, o Tatá. Os navegantes pretendiam com esse feito, levar uma mensagem de apelo ao então presidente Getúlio Vargas, alertando para as precárias condições de trabalho dos jangadeiros.

 Em 16 de novembro de 1941, a Gazeta de Notícias estampou manchete com o título “apoteótica recepção no Rio”, ressaltando o bom êxito da missão dos 4 jangadeiros. Jacaré, ao saber que voltaria ao Ceará, de avião, respondeu com o bom humor de homem simples: vim feito peixe e vou voltar que nem urubu...

Essa façanha dos cearenses foi publicada na Revista Time, no final de 1941, e chamou a atenção do ator norte-americano Orson Welles, que incluiria o episódio em seu filme “It’s All True”, uma trilogia baseada em histórias reais, rodado no Brasil. A história daquela heroica travessia de 1941, quando num frágil embarcação, foram percorridos 2.500 quilômetros da costa brasileira, seria em parte, rodado no Ceará. Para atores deste tema do filme, foram contratados os próprios jangadeiros.

Casa do pescador Jerônimo, no Meireles 

Orson Welles virou celebridade mundial com seu noticiário radiofônico, quando em 1938 provocou pânico em milhares de ouvintes desavisados. Baseado no filme “Guerra dos Mundos”, Orson Welles anunciou, pelo rádio, um hipotético ataque de marcianos à cidade de New Jersey.  Em 1940, escreveu, dirigiu, produziu e atuou em Cidadão Kane, uma biografia disfarçada do poderoso magnata da imprensa americana Randolph Hearst.

Orson Welles, sentado durante as filmagens no Mucuripe 

No Brasil, onde permaneceu por cerca de 6 meses, Welles iniciou a filmagem de “It’s All True”, encomendado pelos estúdios da RKO. O filme fazia parte da política de boa vizinhança desenvolvida pelo governo dos Estados Unidos. Preocupados com a indecisão ideológica dos países latino-americanos diante da guerra, os norte-americanos – que ingressaram na guerra em 1941 – tentavam construir uma identidade comum com seus vizinhos sul americanos, visando a adesão destes à causa americana.

Em 1942 Welles desembarcou no Rio de janeiro para rodar It’s All True. Para melhor se inteirar sobre o que seria o terceiro tema do filme (os outros temas eram o Rio de Janeiro e a Bahia), Orson Welles fez sua primeira viagem a Fortaleza, visitando a terra e conhecendo os costumes de seus protagonistas. A filmagem começou em maio e Orson Welles intitulou-o de “four men on a raft” (quatro homens numa jangada).

prédio do Jangada Clube, local utilizado por Orson Welles como ponto de apoio em sua estada em Fortaleza 

Durante as filmagens no Rio de Janeiro, Jacaré, um dos personagens do filme, perdeu a vida acidentalmente, no primeiro dia de filmagem, quando se reconstituía a chegada dos jangadeiros ao Rio de Janeiro.Com isso, o filme de Orson Welles ficou inacabado. Pressionado pelo estúdio, o diretor recebeu ordem de regressar o quanto antes aos Estados Unidos. Welles indenizou a família de Jacaré e empenhou-se em concluir o filme utilizando um dublê. Pressionado por todos os lados, com produtores descontentes com a extensão das filmagens e com a ênfase na pobreza e na negritude do episódio sobre o carnaval, Welles deixou o Brasil para nunca mais voltar, sem ter a oportunidade de finalizar o “It’s All True”, editado parcialmente sete anos depois de sua morte.

Vários fatores contribuíram para a interrupção do filme. Entre esses, o rumo da mensagem que ele passaria, diferente daquela orientação da política da boa vizinhança, que desejava enfatizar uma visão paradisíaca do Brasil. O que deveria ser um documentário turístico, com a imagem de um país exótico e alegre, transmitido no exterior pela atriz e cantora Carmem Miranda e pelos desenhos animados do Zé Carioca, havia se transformado num libelo social, mostrando o lado real do Brasil, pela câmara de Orson Welles. 

A Tragédia que tirou a vida de Jacaré 

Em 19 de maio de 1942, durante as filmagens na praia do Juá no Rio, aconteceu o acidente. A mesma jangada usada na viagem ao Rio de Janeiro foi atingida por uma forte onda, e virou, num dia de mar revolto, jogando os quatro homens na água. Jacaré submergiu, voltou à tona, pediu socorro, nadou desorientado mar adentro e desapareceu. Seu corpo nunca foi encontrado. Muitas lendas e especulações surgiram com a morte do jangadeiro. Nenhum amigo próximo acreditava que o mar pudesse vencer Jacaré: era tempo de pesada censura e ele falava demais, daí ficou a suspeita de que o acidente pudesse ter sido provocado.
 
fontes:
Ideal Clube - história de uma sociedade, de Vanius Meton Gadelha Vieira
fotos do Arquivo Nirez e do site Skyscrapercity.com

  

terça-feira, 23 de junho de 2015

Os antigos hotéis de Fortaleza

Os antigos hotéis de Fortaleza ficavam todos no centro da cidade. Era no centro que se concentravam todas as atividades comerciais, e os meios de hospedagem estavam ligados ao comércio, aos negócios. Não havia  em Fortaleza nenhuma atividade voltada para o turismo nem havia perspectiva para tal. Os donos de hotéis compartilhavam dessa visão. Dentre os pioneiros os maiores, como o Excelsior e o Palace Hotel, recebiam personalidades importantes, como artistas, políticos e autoridades. 


Os menores hospedavam vendedores, caixeiros-viajantes, responsáveis pelo abastecimento da cidade. As pensões acolhiam estudantes vindos do interior para estudar na capital, e visitantes mais modestos.  Alguns dos hotéis que acolheram os visitantes de Fortaleza: 

Sede do Grande Hotel do Norte, atualmente, Museu da Indústria do Ceará
 
Grande Hotel do Norte – foi um dos primeiros hotéis de Fortaleza, instalado em novembro de 1882, no sobrado na esquina das Ruas Floriano Peixoto com Dr. João Moreira. No ano de sua inauguração recebeu como hóspede ilustre D. Maria do Patrocínio, esposa do libertador José do Patrocínio. O hotel pertenceu a Silvestre Rendall, que mais tarde o vendeu  para o francês Norberto Golignac. Alguns anos depois o prédio do Grande Hotel do Norte foi vendido ao Correio que em 1935 o vendeu para a Light, a então concessionária de luz e força para a Cidade. Atualmente o prédio abriga o Museu da Indústria do Ceará. 

 Na antiga sede do Clube Cearense, funcionaram o Hotel de France e o Palace Hotel. Hoje é a sede da Associação Comercial do Ceará. 

Hotel de France – O hotel de France, de propriedade de Isidor Brown foi inaugurado nos tempos áureos da belle epoque, quando Paris era o modelo a ser seguido, e o idioma francês era quase a linguagem corrente na cidade entre as elites. Funcionou na luxuosa sede do Clube Cearense, na Rua Floriano Peixoto esquina com a Rua Dr. João Moreira, em frente ao Passeio Público. 

Palace Hotel – Depois que o Hotel de France desocupou o prédio, O Palace Hotel se instalou na mesma antiga sede do Clube Cearense, na esquina da Rua Floriano Peixoto com a rua Dr. João Moreira, no Passeio Público. O Palace Hotel funcionou entre 1927 e 1971. Hoje o edifício abriga a sede da Associação Comercial do Ceará. 

o que restou do prédio do Hotel Avenida depois do incêndio 
  
Hotel Avenida – O Hotel Avenida funcionava na Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco), esquina com a Rua da Municipalidade (atual Guilherme Rocha), de propriedade de um comerciante chamado Abílio, que morava lá com a mulher. Eram três andares: o térreo, mais dois, onde ficavam os quartos e um mirante.  Apesar do nome, o prédio não tinha nada de hotel, era na verdade uma casa de cômodos. Não servia nem café, e os quartos que acolhia os hóspedes – estudantes, em sua maioria – eram separados por tabiques de madeira. Em setembro de 1929, irrompeu um grande incêndio a partir do térreo. O fogo começou de baixo para cima e rapidamente tomou conta de todo o prédio. O incêndio começou de madrugada, enquanto todos dormiam e o proprietário saiu batendo de porta em porta, alertando os hóspedes. O incêndio do Hotel Avenida foi o maior incêndio que houve até então em Fortaleza, e não havia corpo de bombeiros na época, que só foi criado depois, e por causa desse incêndio.  Além do Hotel Avenida foram atingidas a Casa Primor, a Fascinadora, a Alfaiataria Job e a Relojoaria Cancão, deixando anda grandes prejuízos na Casa Zenith e em A Samaritana. O local é onde hoje funciona a Loja A Esmeralda. 

Hotel Brasil – inaugurado no dia 17 de março de 1945, no Palacete Brasil, na esquina da Rua General Bezerril com Travessa Morada Nova, na Praça General Tibúrcio. O hotel pertencia a firma Alexandre e Quintana, e foi construído por Rodolfo F. da Silva e Filho. 


Excelsior Hotel – O Excelsior Hotel – o maior e mais luxuoso do seu tempo – foi inaugurado no último dia do ano de 1931, na Praça do Ferreira, numa iniciativa de Plácido de Carvalho. O hotel foi erguido na Rua Guilherme Rocha n° 172, esquina com a Rua Major Facundo, no local antes ocupado pelo sobrado do Comendador Machado, onde funcionou o Hotel Central e o Café Riche.  O projeto do hotel, de autor desconhecido, foi inspirado num edifício de Milão e construído pelo arquiteto Natali Rossi. A decoração interna foi feita por Pierina Rossi, utilizando material de primeira linha, importado da Europa. Em estilo eclético, foi o primeiro arranha-céu da cidade construído em alvenaria – pilares, vigas e lajes feitos com a utilização de trilhos de trem comprados da Santa Casa de Misericórdia. O Excelsior encerrou suas atividades no dia 1° de outubro de 1964, após 33 anos de funcionamento. 

Hotel Bitu – Iniciou suas atividades na categoria “Pensão”, propriedade de Bartolomeu de Oliveira (Bitu), depois passou a ser chamado Hotel Bitu, com os sócios Manuel Dias Branco e Tomás Pereira. Ficava localizado a Praça da Sé nº 88. 

San Pedro Hotel, na Rua Castro e Silva. No local atualmente funciona o CREA-CE

San Pedro Hotel – Instalado na esquina das Ruas Castro e Silva com Floriano Peixoto, o San Pedro Hotel foi inaugurado no dia 29 de maio de 1959, com dois restaurantes, um no primeiro, outro no sétimo andar. Pertencia ao empresário Pedro Lazar. 

Astoria Hotel – propriedade de Pedro Philomeno Gomes foi inaugurado no dia 7 de agosto de 1941, na esquina das Ruas Barão do Rio Branco com Liberato Barroso, n° 171. O prédio do hotel construído em 1937, foi demolido em abril de 1962. 

Fortaleza Hotel – o dia 16 de julho de 1938 marca a inauguração do Fortaleza Hotel, na Rua Senador Pompeu n° 706, da empresa Fortaleza Hotéis Ltda., de Francisco Pires Holanda e Zaide Ramos Holanda. 

Lord Hotel – Inaugurado em 1956, num prédio de 8 andares, com cerca de 120 apartamentos. Considerado um exemplar da arquitetura moderna cearense, o Lord Hotel teve seu auge nas décadas de 60 e 70, período em que recebeu artistas famosos,  personalidades da cena brasileira e até a Seleção Brasileira de Futebol. Em 1992 foi fechado e transformado em apart hotel. Nos últimos anos, estava praticamente abandonado, sendo desapropriado em 2001 pelo Governo do Estado, e tombado pela Prefeitura de Fortaleza em 2006. Desde então, passa por reformas. 

Hotel Savanah, na Praça do Ferreira. prédio está desocupado

Hotel Savanah – O Savanah foi o último hotel de grande porte a ser inaugurado no centro, em 12 de abril de 1964, iniciativa de Pedro Lazar, instalado no Edifício Jereissati. Localizado na esquina da Rua Major Facundo com Travessa Pará, no térreo funcionava a Lojas Brasileira, que inaugurou a primeira escada rolante de Fortaleza. Em 1992, foi à falência, vítima do esvaziamento do centro e das mudanças urbanas que levaram negócios, lazer, e turistas para a orla marítima. O prédio de propriedade da família Jereissati, está abandonado, exceto o térreo ocupado por uma grande loja de departamentos. 

Iracema Plaza Hotel – Foi a primeira edificação da orla de Iracema, com a fachada inspirada em hotéis de Miami. No térreo funcionou o restaurante “Panela”, que durante muito tempo, serviu como ponto de encontro da elite local e de personalidades que visitavam a cidade. O edifício não foi concebido para abrigar um hotel, a transformação decorreu de um encontro realizado em Fortaleza, promovido pela junta comercial, que não contava com uma rede hoteleira capaz de atender as necessidades. O hotel que deu início ao ciclo de construção de hotéis na orla marítima, foi desativado na década de 1970, encerrando um ciclo de luxo e requinte nos tempos áureos da Praia de Iracema. 

O Prédio do Esplanada Hotel está em processo de demolição

Hotel Esplanada – Inaugurado em 1978, o Hotel Esplanada era naquela época o edifício mais alto da Praia de Iracema, com 18 andares, 2.724 metros quadrados de área e 230 apartamentos. Foi o primeiro hotel 5 estrelas de Fortaleza. Em 2004, o hotel foi vendido ao grupo português Dorisol Hotels, que fechou o hotel temporariamente para uma grande reforma. Com o grupo proprietário endividado, a data de reinauguração foi sendo adiada, e o hotel jamais foi reaberto. Em 2014 o que restou do edifício foi adquirido por um grupo local, que pretende demolir a edificação. 

fotos: Arquivo Nirez, IBGE