sábado, 6 de junho de 2020

Capistrano de Abreu – O Sogro de Jesus


João Capistrano Honório de Abreu nasceu na cidade de Maranguape, em 25 de outubro de 1853. Fez seus primeiros estudos em rápidas passagens por várias escolas. Em 1869, viajou para Recife, onde cursou humanidades, retornando ao Ceará dois anos depois. Em Fortaleza, foi um dos fundadores da Academia Francesa, órgão de cultura e debates, progressista e anticlerical, que durou de 1872 a 1875.

Estátua de Capistrano de Abreu em Maranguape - foto IBGE

Neste último ano, viajou para o Rio de Janeiro e aí se fixou, tornando-se empregado da Editora Garnier. Em 1879, foi nomeado oficial da Biblioteca Nacional. Lecionou Corografia e História do Brasil no Colégio Pedro II, nomeado por concurso em que apresentou tese sobre O descobrimento do Brasil e o seu desenvolvimento no século XVI. Eleito para a Academia Brasileira de Letras, recusou-se a tomar posse.

Dedicou-se ao estudo da história colonial brasileira, elaborando uma teoria da literatura nacional, tendo por base os conceitos de clima, terra e raça, que reproduzia os clichês típicos do colonialismo europeu acerca dos trópicos, invertendo, todavia, o mito pré-romântico do “bom selvagem”. Morreu no Rio de Janeiro, aos 74 anos, em 13 de agosto de 1927.


Capistrano de Abreu era agnóstico de carteirinha, daqueles que não acreditava nas coisas do céu muito menos nas do inferno, mas também não negava, não era contra nem a favor, muito pelo contrário. Por uma dessas ironias do destino, sua filha Honorina, a mais velha dentre os cinco irmãos, optou por seguir a vida religiosa.

Honorina de Abreu nasceu no dia 18 de fevereiro de 1882, no Rio de Janeiro. Ficou órfã aos 9 anos de idade, quando perdeu a mãe, vítima de febre puerperal. Quanto estava na casa dos 20 anos,  passou pelo que o pai chamou de "crise religiosa", e decidiu entrar para o Convento de Santa Teresa, da Ordem das Carmelitas Descalças, localizado no bairro carioca de Santa Tereza. A decisão abalou o pai profundamente, comprovou-se inaceitável para ele e deixou-o amargurado para o resto da vida.

Honorina de Abreu

A partir de 10 de janeiro de 1911, quando Honorina aos 29 anos, vestida de noiva, foi admitida solenemente no convento, onde recebeu o nome de madre Maria José de Jesus, a comunicação entre pai e filha, rara, passou a ser feita exclusivamente por carta. No início, Capistrano revelava inconformidade, como escreveu ao amigo Mário de Alencar uma semana depois da consagração da nova serva de Deus:

Acho, porém, o caso dela pior que a morte:  a morte é fatal; chega a hora inadiável; em resoluções como a de agora há sempre a crença, certamente errônea, de que o desenlace podia ser outro, e é isto que dói. Só agora vejo como a queria. Passo os dias sem sair, pensando nela, joguete dos sentimentos mais contraditórios, desde a indignação até as lágrimas ".

No convento, as carmelitas descalças viviam em um ambiente de clausura estrita, distanciadas de contatos físicos com o mundo exterior e regidas por uma rigorosa normatização quanto as comunicações internas, com horários de absoluto isolamento, intercalados por momentos de pouca conversa. Não foi diferente para madre Maria José de Jesus.

Capistrano manteve-se inflexível: jamais iria ao convento no mesmo bairro de Santa Teresa onde Honorina nascera e viveria até a morte, em 1959. Foi ali, no Mosteiro que a monja se dedicou integralmente a Deus, sem jamais desistir de escrever ao pai na tentativa de convertê-lo. Inapelável e irônico na sua dor, desde o início ele prometia ao amigo Mário de Alencar em carta de 18 de março de 1910, quando ela já se recolhia às orações mas ainda não fizera os votos oficiais: “Não irei vê-la; as cartas suas só responderei se precisarem de resposta; correspondência não quero ter. Não pretendo repetir o herói da Encarnação”.

A família de Capistrano de Abreu em 1945: Madre Maria José de Jesus com a irmã Matilde, as sobrinhas Isa e Honorina, o irmão Adriano e a cunhada Amneris. 

Os anos se passaram sem que houvesse reconciliação entre pai e filha. Não se viam. Capistrano mantinha-se firme na decisão de não ir ao convento. Julgava-se traído. Para ele, a filha fora insensível e injusta ao deixá-los. Quanto a ela, não desistia de amá-lo, de lhe pedir perdão e de tentar convertê-lo: “Meu pai muito querido”, iniciava ela carta de 10 de janeiro de 1922, penitenciando-se sempre: “Foi hoje, há onze anos, que pela última vez lhe beijei as mãos pedindo-lhe perdão dos inumeráveis desgostos que lhe dei com minhas faltas”.

Não só em prosa, mas em versos a monja insistiu nos apelos. Por ocasião do último aniversário do historiador, em 23 de outubro de 1926, ela escreveu o soneto “A meu pai”, e depois soube que ele distribuíra cópias aos amigos. “Mas para quê?” – perguntava-lhe, em carta, a menos de um mês da morte dele. O importante, para ela, seria a conversão, e não a divulgação dos versos:

E, agora, dá-me a mão… É noite. Vem comigo!
Vem, que eu te levarei a Jesus, teu Amigo,
Que te espera saudoso… Oh! dize-me que sim!
Foste meu pai, e eu tua mãe serei agora…
Dar-te-ei a Eterna Luz de que me deste a aurora,
Dar-te-ei – por esta vida – a Vida que é sem fim…

A noite, anunciada no soneto, foi chegando. Quando o médico Felício dos Santos, católico fervoroso, ao constatar a fragilidade da saúde do amigo e paciente, teria lhe lembrado que chegava a hora da conversão, ele teria respondido: “Ora, Felício, eu sou mais amigo de Jesus do que você. Nós somos íntimos… pois se ele é meu genro…”.
Assim morreu o já velho historiador em 13 de agosto de 1927: agnóstico e inconformado com a separação da filha.


Honorina ingressou no Carmelo de Santa Teresa, aos 29 anos. Quatro anos após sua profissão solene, ela foi escolhida como mestra do noviciado. Já em 1917, com apenas 35 anos de idade e seis anos de vida religiosa, foi eleita priora por unanimidade de votos, função a qual exerceu durante 27 anos, durante nove mandatos, dentre os 48 anos que viveu no carmelo.

A religiosa que dominava sete idiomas, entre eles o latim, foi a responsável pela tradução das obras completas de Santa Teresa de Jesus, trabalho que realizou por 23 anos – desde maio de 1936 até o ano de sua morte, em 1959 –  sem deixar de cumprir suas obrigações quanto à regra, os ofícios comunitários e às exigências enquanto superiora e mestra.

imagem: O Globo

Tendo tido formação literária das melhores, deixou uma obra poética e escreveu livros. O nome de Madre Maria José de Jesus consta do Protocolo 1691, com Nihil Obstat datado de 26 de outubro de 1989, do Vaticano, como candidata a Beatificação.

O que diria o incrédulo Capistrano de Abreu sobre este assunto?


Fontes:




Um comentário:

Unknown disse...

Que história incrível viajei amo ler essas vidas passadas pena ele morrer sem abraçar a filha poxa.
Ela era linda como nosso tempo vence quando pensamos que não partimos é quem sabe viramos uma linda história....otma noite aos leitores.