Corria o ano de 1932, e o Ceará passava por mais um
ano de estiagem. O Governo Federal, através do Ministério da Viação e Obras
Públicas, andava preocupado com a extensão da seca que atingia todo o Nordeste,
especialmente com o Ceará, onde cerca de 90% do seu território se encontrava em
situação crítica.
Não chovia desde o ano anterior. Faltava tudo,
alimentos, água, remédios, estradas e campos de pouso para acelerar o socorro.
Sobravam homens desesperançados, vagando pelas estradas e cidades, brigando
para sobreviver. Eram os flagelados. Getúlio Vargas, então presidente do
brasil, autorizou o início de dezenas de obras no Nordeste.
O Ministro da Viação e Obras Públicas, José Américo de
Almeida, era um paraibano extremamente identificado com os problemas da região.
Foi o responsável por uma série de ações para minimizar os efeitos da seca.
Dois anos antes, a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas – IFOCS – tinha definido
que seu foco de atuação seria nas obras de irrigação e açudagem, sendo excluídas
de sua competência a construção de ferrovias, rodovias e serviços portuários.
Homem de visão, o Ministro José Américo não costumava
tomar decisões dentro do gabinete, no Rio de Janeiro. Fazia questão de
acompanhar in loco, visitando as frentes de serviços, solucionando problemas na
hora. Numa dessas viagens sofreu grave acidente, quando perderam a vida dois
dos seus acompanhantes: Antenor Navarro, então interventor da Paraíba, e Artur
Fragoso de Lima Campos.
Exatos 30 dias após o acidente, o Ministro José
Américo nomeou o engenheiro paranaense Edgard de Souza Chermont, dos quadros do
Departamento Nacional de Portos e Navegação para assumir interinamente a
fiscalização do Porto do Mucuripe, cujas obras nem tinham sido iniciadas.
Por trás da nomeação, havia a decisão do governo de
dar prosseguimento aos estudos e instalar o processo licitatório para a
construção do Porto do Mucuripe, e na medida do possível, contratar flagelados
para trabalhar na obra. Em missão
anterior, Chermont tinha estudado a viabilidade da transposição das águas do
Rio São Francisco para irrigar áreas secas do Nordeste.
Chermont deveria, ainda, acompanhar a construção da
ferrovia Fortaleza-Mucuripe, a modificação e instalação das oficinas dentre
outras atribuições, como serviços de fixação das dunas do Mucuripe. O engenheiro
contratou 600 flagelados que perambulavam pelas ruas de Fortaleza, os quais,
com suas famílias, representavam aproximadamente 2.400 pessoas. Como sua
competência abrangia todos os portos do Ceará, igual medida foi tomada em
Camocim, onde contratou mais 400 flagelados, representando mais de 1.600
pessoas.
Todos os esforços empregados enfrentaram, no entanto,
dificuldades quase intransponíveis, como a incapacidade física da maioria dos
flagelados para execução de trabalhos pesados e o atraso no pagamento desses
trabalhadores que chegou a nove meses.
A construção da ferrovia Fortaleza-Mucuripe com 6.700
metros, mais um desvio de 700 metros, iniciada em julho de 1932 e concluída em
1933 foi o primeiro passo para garantir um mínimo de sustentabilidade às obras
do Porto do Mucuripe. É que não existiam opções para chegar ao porto as pedras
necessárias para sua construção. A RVC preparou uma locomotiva especial para
essas obras.
Os serviços de transporte para a construção dessa
linha foram extremamente onerosos, não só pela grande perda de tempo verificada
no percurso dos trens entre Monguba e Fortaleza, mas também pelas frequentes
panes das máquinas. O percurso entre a Estação João Felipe e o Mucuripe, que
geralmente levava duas horas, sempre era feito em quatro horas.
Essa linha saía da Estação Central, descia uma duna na
altura do Hotel Marina, tomando o rumo da Praia de Iracema, passava em frente
ao prédio da Alfândega, onde existia uma parada obrigatória para receber
mercadorias e os passageiros, e daí se arrastava quase pela beira da praia até
o Mucuripe.
A linha Fortaleza-Monguba (pedreira localizada em Pacatuba), passava pelas estações de
Otávio Bonfim, Couto Fernandes, Parangaba, Mondubim, Pajuçara e Maracanaú, num
total de 28.334 metros. Centenas de flagelados foram contratados para limpar a
área da pedreira e afim de garantir o acesso e a manobra dos trens. Faziam de
tudo, escavavam a terra, recolhiam as pedras pequenas, limpavam as áreas de
acesso, mantinham a vigilância do lugar e pintavam as suas poucas máquinas.
Extraído do livro Caravelas, Jangadas e Navios, uma
história portuária
De Rodolfo Espínola
fotos do arquivo Nirez, IBGE e do livro citado na fonte
2 comentários:
Fátima Garia, bom texto spbre o trajeto que deu origem a nossa avenida Beira-Mar. Só um adentro: a ferrovia Fortaleza-Mucuripe passava atrás do prédio da Alfandêga.
Muito interessante! A parte da ferrovia em frente ao Marina é incrível! Só duna e nada mais.
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