terça-feira, 26 de maio de 2015

Borós: Os títulos de crédito do Século XIX

Os borós, criação genuinamente cearense, nasceram e circularam nos tempos antigos, quando havia absoluta falta de troco. Eram vales de pequenos valores, aos quais eram atribuídos os mesmos valores das moedas, e que eram aceitos, como se fossem legais.


Encheram toda uma época e tiveram assim a sua história dentro da vida comercial da cidade. Foram emitidos a torto e a direito. Grassou como uma verdadeira epidemia, qualquer um se achava no direito de lança-los. E surgiram aos montes, de todos os formatos, de todas as cores, de todos os tamanhos, impressos ou escritos à mão, valendo ora 100 Réis, ora 200, e ensaiaram resolver a difícil questão da falta de troco. O museu Rocha, do professor Dias da Rocha, possuía para mais de 400 espécimes, em interessante coleção, os quais hoje, não são mais encontrados pelos colecionadores.

Os Borós que circularam com melhor aceitação foram os emitidos pela Câmara Municipal de Fortaleza, em 1896, quando era Intendente Guilherme Rocha. Foram lançados para custear a construção do Mercado de Ferro, desmontado em 1938. Dentro da urna, quando da colocação da pedra fundamental, Guilherme Rocha ajuntou um punhado desses vales, amarrou-os e escreveu por fora a seguinte frase: “com isto, fiz isto”.

Mercado de Ferro, construído pelo Intendente Guilherme Rocha utilizando Borós como meio de pagamento. 

Havia Borós muito curiosos, pitorescos, até. A propósito de tudo, e mesmo sem propósito algum, apareciam os vales, cujos dizeres eram mais ou menos os seguintes, às vezes escritos pelo próprio punho do emissor: “João Pinto, deve ao portador por falta de troco, quinhentos réis”. Ou ainda:  “A Comissão do Comércio abaixo assinada garante ao portador a quantia de 100 réis. Baturité, setembro de 1893: ou ainda com um simples carimbo, onde se lia “Fernando do Amaral. Devo 100 réis. Milagres – Ceará”. No mais das vezes o vale era desprovido de qualquer prolixidade: “vale um quilo de carne”, e com esses dizeres simples corria a praça, tendo o seu valor.Ainda emitiram borós, as companhias de bondes de burro: Empresa Ferro Carril do Ceará, Ferro Carril do Outeiro e Companhia de Bondes de Porangaba.

As empresas de transporte Ferro Carril também emitiram Borós, de modo que a passagem podia ser paga com esses vales

Conta-se que certa vez, um ambulante da feira de Fortaleza inventou, como toda gente, borós de sua emissão com a seguinte inscrição: “vale uma tigela de arroz doce”, e a coisa chegou aos ouvidos do Intendente, que proibiu a circulação dos mesmos e determinou seu recolhimento pelo negociante, pois só os da Câmara tinham, então, valor circulatório. Aquele, porém, à proporção que os resgatava, depositava-os na lata do lixo. A meninada esperta descobriu a mina e comeu muito arroz doce gratuitamente, com os vales que, por descuido do vendedor ambulante, voltaram a circular.

Muitos comerciantes foram à falência por emitir borós sem possuir o necessário lastro e o resultado era fatal: o resgate não se dava. O caso de um proprietário de um sítio em Baturité ficou famoso:  o homem, chamado Clementino, para facilitar o pagamento dos seus assalariados, emitiu borós o quanto pode. Em partidas mais que dobradas, quadruplicadas. Mais tarde, ou porque não fosse oportuna a época da quitação, ou porque o lastro não fosse suficiente, tal resgate não se deu. Veio o descrédito. Ninguém queria aceita-los. E os contratempos apareceram. Até um cego pedinte, que esmolava em Cangati, cantarolava ao som da viola: 

Eu peço por caridade
Pelo seu Senhor Divino
Eu só não quero boró
Que seja do Clementino

Aracati - os Borós foram largamente usados também em cidades do Interior do Estado 

Os borós tiveram sua época de ouro e depois, com o passar do tempo, ficaram desacreditados. Tendo sua origem no Ceará, todavia foram copiados por alguns Estados brasileiros, entre os quais o Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia e Minas Gerais, que também os emitiram, larga e profusamente.


Extraído do livro de Raimundo Menezes
Coisas que o Tempo Levou – crônicas históricas da Fortaleza antiga
fotos do Arquivo Nirez

  

Um comentário:

marta disse...

Muito interessante!