quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A Ilha


Uma certa sociedade de humanos vivia numa ilha, sem nenhum tipo de contato com outras populações de humanos. A ilha oferecia todas as condições para sua sobrevivência.
A alimentação era à base de carne de porco crua. Esse hábito milenar era praticado sem nenhuma contestação. Um dia, por acidente, os porcos escaparam do curral e fugiram para o interior da floresta. Ali, um incêndio, também acidental, terminou matando-os queimados. Horas depois do incêndio, um humano adentrou a floresta e encontrou os porcos. Ao sentir cheiro de carne assada, achou agradável e experimentou.

A partir desse dia esses humanos passaram a consumir carne de porco assada. Para tanto, reuniam os porcos em currais no interior da floresta e ateavam fogo. Assim, durante muito tempo aquela população se alimentou de porcos assados à custa da queima e destruição das florestas.

Mais tarde, alguns problemas começaram a surgir. Os porcos fugiam durante os incêndios. Passaram então a construir currais cada vez mais eficientes. Surgiu até uma escola técnica de aperfeiçoamento de construção de currais à prova de fugas durante incêndios florestais induzidos
Um dia alguém observou: estamos errados. O problema é outro. Ocorre que este tipo de árvore demora muito a ser incendiada! Resultados de pesquisas avançadas indicavam que o problema poderia ser solucionado com um novo tipo de árvore, melhorada geneticamente, que apresentasse maior eficiência de combustão em suas folhas, galhos e troncos e, assim, pudesse assar os porcos mais rapidamente, retirando-lhes as chances de fuga.

Passado algum tempo, outro grupo de pesquisadores argumentou que todos estavam errados. Surgia um novo paradigma, uma nova escola de pensamento e ação. O problema residia no fato de os porcos terem pernas compridas, por isso fugiam com facilidade!

Experimentos genéticos levaram à criação de porcos com pernas mais curtas e com reduzida capacidade de percepção ao aumento de temperatura ambiente. As pesquisas foram se tornando cada vez mais sofisticadas, e com o tempo foram escritos livros, tratados e complexas descrições do processo. Foram criadas escolas, faculdades, universidades, cursos de pós-graduação e até uma fundação que apoiava as pesquisas que visavam a eficiência daquele modo de assar porcos na floresta.

Ocorre que a população humana dos ilhéus aumentou, e com ela aumentou a necessidade de assar mais porcos, queimar mais florestas, criar novos empregos, incentivar mais pesquisas, novas especializações, novos cargos, novas empresas, que juntos deveriam crescer e fomentar o progresso.

Mas um dia, alguém resolveu contestar: não seria mais fácil assar o porco sobre algumas brasas, fora da floresta? As reações foram violentas. A indignação geral: quem é você para contestar o sistema? Essa solução já não teria sido proposta pelos especialistas se ela fosse viável, plausível? E o que faríamos com as centenas de instituições, e os milhares de empregos?

E o sistema continua até hoje, apesar de todos já terem percebido que algo está errado, pois as florestas estão acabando, os recursos da ilha se tornaram escassos, o clima está cada vez mais hostil, as pessoas estão angustiadas pela competição, miséria, violência e insegurança que se estabeleceram na ilha, junto com o desrespeito permanente à dignidade humana.
Algumas delas, entretanto, acreditam que deve existir outra forma mais coerente de existência, um estilo de vida mais inteligente.

Extraído do livro Pegada Ecológica e Sustentabilidade Humana
De Genebaldo Freire Dias

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