A chegada dos bondes elétricos em 1913 foi considerada um grande progresso, que contribuiu decisivamente para a expansão e para o desenvolvimento de Fortaleza. Os chamados Tramways que vieram para substituir os bondes de tração animal no transporte coletivo, encurtaram distâncias, facilitaram o acesso a bairros distantes e favoreceram a locomoção de moradores e trabalhadores que antes cumpriam longos percursos a pé. A concessionária era empresa inglesa “The Ceará Tramway Light and Power Co. Ltd”, e a equipe dirigente era formada quase que exclusivamente por cidadãos ingleses. O representante local da diretoria inglesa era o engenheiro Francis Reginald Hull e o gerente geral, o Dr. E.M. Scott.
O serviço foi inaugurado em 9 de outubro de
1913, com a presença do Intendente Municipal e outras autoridades, com a
instalação da linha Estação Joaquim Távora. No dia 12 de janeiro de 1914 é
inaugurada a linha entre a Travessa Morada Nova e a Praia de Iracema, denominada
de Linha da Praia. No mês seguinte, em 14 de fevereiro, começava a funcionar a
Linha do Outeiro (Santos Dumont-Aldeota). O transporte de tração animal
continuou funcionando e foi sendo desativado à medida em que se inaugurava
novas linhas. Para o serviço de tramways foram adquiridos inicialmente, 30
bondes e um carroção para transporte de cargas.
Nos primeiros anos de funcionamento, foi tudo
às mil maravilhas; mas as primeiras reclamações sobre as deficiências dos
serviços, não demoraram a aparecer; primeiro com a quantidade de veículos em
circulação que eram insuficientes para o número de passageiros; depois com o grande número de bondes parados
nas linhas, ou por falta de energia elétrica ou por quebra de peças que impossibilitavam
a circulação; mais tarde evoluíram para a reivindicação de um serviço mais organizado,
descumprimento de horário, reajustes nos preços das passagens e protesto pelo estado
de conservação dos bondes, desconfortáveis
e sucateados. Além das reclamações dos usuários, havia também a revolta dos
empregados, que giravam em torno de aumentos salariais e redução da carga de
trabalho.
Em 1923 o jornal “A Tribuna” reclamava do
serviço prestado pela Light, destacando que os bondes eram sujos, sem conforto
e que em dias de chuva os passageiros sofriam bastante. Reclamavam ainda da
atuação das autoridades municipais que não tomavam nenhuma providência nem
exigiam a melhoria do serviço da companhia inglesa.
No ano de 1925 os protestos explodiram de vez e a insatisfação levou intranquilidade e conflitos para as ruas de Fortaleza. Em setembro desse ano, a Light instituiu classes diferentes no transporte, haveria bondes de 1ª classe e de 2ª. classe, definidos pelas cores: verdes; os horários seriam alterados e haveria elevação de preços para os bondes de primeira classe. Mas a disponibilidade dos bondes de 2ª. classe, mais baratos, era muito menor do que os de 1ª. classe, mais caros. Além do mais, os horários eram considerados inadequados, pois não contemplavam os horários de pico.
A companhia não esperava uma resistência tão
incisiva às modificações apresentadas, que começou com os alunos do Liceu, recebeu
adesão de outros colégios e se espalhou pelo público em geral. Uma multidão se
aglomerou na Praça do Ferreira, local de partida da maioria das linhas onde
teve início uma série de atos de vandalismo: teve quebra-quebra, depredação,
agressão e gente que invadia os bondes que conseguiam sair, sem pagar a
passagem.
À certa altura a Polícia resolveu intervir para
dispersar os mais exaltados, mas de acordo com notícias do jornal do Commercio,
a ação policial foi violenta e desproporcional e servindo apenas para acirrar
ainda mais os ânimos. Durante todo o dia aconteceram distúrbios tanto na Praça
do Ferreira quanto nos outros locais de parada dos bondes, e até mesmo o
gerente da Light, Mr. Scott, que compareceu ao posto de bondes para tentar
alguma solução para o impasse, viu-se ameaçado pela multidão, e só saiu do
local com escolta policial.
Os tumultos se repetiram por quase uma semana,
enquanto autoridades, imprensa e representantes de várias instituições propunham
acordos e soluções a fim de resolver o impasse. Por outro lado, o aumento da
repressão policial contribuiu para inibir as ações populares, apesar de
continuarem os atos contra a Light e a abstenção de usuários de utilizar os
veículos de 2ª. classe.
Mas uma ação considerada violenta, foi
determinante para que o movimento perdesse parte do apoio popular. Na madrugada
um grupo não identificado colocou uma pequena carga de dinamite na linha do bonde
Alagadiço, que explodiu durante a passagem de um bonde de 2ª. classe. Os danos
ao veículo foram pequenos e nenhum passageiro ficou ferido, mas o discurso da
concessionária mudou para além dos prejuízos da empresa, alegando que agora, o
que estava em risco era a integridade física dos usuários do transporte. No mesmo
dia foi encontrado um petardo pesando quase um quilo, na linha Praia de
Iracema, que não chegou a ser detonado. As forças de repressão debelaram os
atos públicos de protesto; os mais exaltados, identificados como líderes
eventuais desses atos, foram agredidos pela polícia ou presos; a forma mais
violenta de atuação comprometeu a legitimidade dos protestos. Esses
acontecimentos aliados a outras ações determinaram o fim do movimento de
protesto.
Em 1935 os bondes mantinham uma disputa acirrada com os ônibus, que já serviam a quase todos os bairros - imagem uwm libraries |
O resultado prático de tudo, em termos de
funcionamento do transporte, foi mínimo: a Light não revogou suas decisões e os
dois tipos de veículos com suas respectivas tarifas continuaram a circular de
forma alternada; somente nos horários de maior fluxo – ao meio-dia e no início
da noite – circulariam bondes de 1ª. e 2ª. classe simultaneamente. Em
contrapartida a empresa passou a ser cobrada sistematicamente pela má prestação
dos serviços, tanto por parte da população quanto pelas instituições atuantes à
época (a Fênix Caixeiral, a Associação Comercial, o Centro Artístico Cearense, o
Centro dos Importadores, e outros), e as
autoridades, pela omissão com os prejuízos causados pela deficiência do
transporte, e pela tolerância com a péssima atuação da Ceará Light and Power. O bondes elétricos funcionaram até o dia 19 de maio de 1947, substituídos definitivamente pelos ônibus como transporte coletivo de massas.
Fontes: O povo em fúria: a revolta urbana de 1925
em Fortaleza, autor Eduardo Oliveira Parente. Disponível em file:///C:/Users/mfati/Downloads/administrador,+Se%C3%83%C2%A7%C3%83%C2%A3oLivre_3EduardoParente%20(5).pdf
Menezes, Raimundo de. Coisas que o Tempo Levou:
crônicas históricas da Fortaleza antiga. Introdução Sebastião Rogério Ponte.
Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000. 208 p – (Clássicos cearenses:2)/publicação
Fortaleza em Fotos. Imagens do Arquivo Nirez
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