Prevista para acontecer em um
domingo, 8 de março, a partida da armada de Pedro Álvares Cabral, um fidalgo de origem nobre
de apenas 33 anos, foi adiada, por causa do mau tempo, para o dia seguinte. A
frota de Cabral era formada por nove naus, três caravelas e uma naveta de
mantimentos. Além do formato das velas, o que diferenciava uma embarcação da
outra era o tamanho: enquanto as caravelas mediam 22 metros de comprimento e
transportavam até 80 homens, as naus podiam chegar a 35 metros e tinham
capacidade para 150 tripulantes.
Com o tempo bom e o vento
favorável, Cabral e sua tripulação zarparam de Lisboa, rumo a Calicute, na
Índia, no dia 9 de março de 1500. Curiosamente, o homem a quem o então rei de
Portugal, Dom Manuel I, confiara a maior, a mais cara
e a mais poderosa armada portuguesa nunca tinha comandado uma esquadra antes.
A armada tinha como destino a
Índia e tocou a costa brasileira por acidente. É possível que Portugal já
suspeitasse da existência de terras naquela região, mas a verdade é que Cabral
e seus homens foram apanhados de surpresa. A chegada ao Brasil foi, portanto,
um acidente de percurso de uma jornada que tinha objetivos estratégicos bem
definidos. A Índia era a prioridade número um da coroa de Portugal.
Com apenas oito dias de
viagem, a frota enfrentou sua primeira tormenta. Tão forte que, próximo ao
arquipélago de Cabo Verde, a nau comandada por Vasco de Ataíde, que
transportava 150 homens, sumiu do mapa. A cada três navios que partiam de
Portugal, um desaparecia no mar.
Não à toa, o Atlântico era
conhecido como "Mar Tenebroso". Além de perder um de seus barcos,
Cabral teve de enfrentar, no primeiro trecho da viagem, 20 dias de calmaria. Quando
isso acontecia, por falta de ventos, o barco ficava quase totalmente parado no
meio do oceano. Isso aumentava o tédio e o calor a bordo.
Ao todo, os 13 navios
transportavam 1,5 mil homens, entre médicos, boticários, religiosos, calafates
e até degredados, isto é, condenados à morte que aceitavam trocar sua pena
capital pelo exílio em terras desconhecidas. Na maioria das vezes, eram os
primeiros a desembarcar. Se fossem atacados por selvagens, não fariam falta.
Do total de 1,5 mil homens,
apenas 500 conseguiram voltar, sãos e salvos, para casa. O restante morreu no
mar, vítima de naufrágios ou de doenças, como o escorbuto, que provocava
sangramento nas gengivas. Em algumas expedições, a proporção de médicos para
marinheiros era de um para três mil. Viajar era tão arriscado que, antes de
zarpar, muitos marujos já deixavam seus testamentos assinados.
A tripulação, em linhas
gerais, podia ser dividida em marinheiros, soldados e religiosos. Os
marinheiros executavam as tarefas náuticas, como içar velas, baixar âncoras ou
manejar instrumentos, como o astrolábio, usado para medir a altura do Sol ao
meio-dia e das demais estrelas à noite. Já os soldados, a maioria sem
formação militar, eram os responsáveis pela artilharia e munição. As
embarcações portuguesas, foram as primeiras a singrar os mares com artilharia
pesada a bordo. Os religiosos — em sua maioria, frades
franciscanos — eram incumbidos de rezar missas e ouvir confissões. Seu superior
era Dom Henrique Soares de Coimbra, que, no dia 26 de abril, na praia de Coroa
Vermelha, no litoral da Bahia, celebrou a primeira missa no Brasil, assistida
de perto pela tripulação e, ao longe, por cerca de 200 indígenas.
A presença de mulheres a bordo
não era permitida. Já crianças e adolescentes podiam embarcar. A maioria, de
nove a 15 anos, era alistada pelos pais que, em troca, embolsavam o soldo dos
filhos. Durante a viagem, desempenhavam as funções de grumetes e de pajens.
Alguns dos mais tarimbados
navegadores da época, como Bartolomeu Dias (1450-1500), participaram da
aventura. Doze anos antes, ele ficou famoso por ter sido o primeiro navegante a
contornar o cabo da Boa Esperança, ao sul da África.
Por uma trágica ironia, na
madrugada do dia 23 de março, uma tormenta desabou sobre a frota de Cabral e
afundou quatro dos 13 navios. Quatrocentos homens, incluindo Dias, foram
"engolidos pelo mar". Estavam próximos ao cabo da Boa Esperança,
chamado de Cabo das Tormentas antes da viagem bem-sucedida do próprio Dias.
Ao todo, a jornada durou 44
dias. No dia 21 de abril, os marinheiros começaram a avistar os primeiros
"sargaços" (um tapete flutuante de algas marinhas) nas águas e
"fura-bruxos" (um bando de pássaros semelhantes a gaivotas) nos céus.
No dia seguinte, a uns 60 quilômetros da costa, alguém gritou: "Terra à
vista!". Era o entardecer do dia 22 de abril de 1500.
Depois de ancorar sua nau a 35
quilômetros da costa, em frente a um monte batizado de Pascoal, o capitão
Nicolau Coelho foi o escolhido para fazer o reconhecimento do território. A
bordo de uma embarcação pequena, movida a remo, ele presenteou os nativos com
um gorro vermelho, uma carapuça de linho e um chapéu preto. Em troca, ganhou um
cocar de plumas e um colar de contas.
Estima-se que, na época da chegada
dos portugueses, havia entre 500 mil e um milhão de indígenas habitando o
litoral brasileiro. "Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes
cobrisse as vergonhas", descreveu Pero Vaz de Caminha (1450-1500), um dos
sete escrivães da frota, na famosa carta do "achamento do Brasil".
"Traziam nas mãos arcos e setas."
A naveta de mantimentos,
comandada por Gaspar de Lemos, foi mandada de volta a Portugal. Sua missão era
comunicar ao rei o "achamento" da nova terra. Até ganhar o nome de
Brasil, o território foi chamado de Ilha de Vera Cruz por Pedro Álvares Cabral
e de Terra de Santa Cruz pelo rei Dom Manuel I.
A segunda parte da viagem
durou pouco mais de cinco meses. No dia 13 de setembro de 1500, a frota de
Cabral, reduzida a seis navios, chegou ao seu destino: Calicute. Na Índia, a
esquadra sofreu novas baixas. Pero Vaz de Caminha, o autor da famosa
"certidão de nascimento" do Brasil, foi morto, no dia 16 de dezembro,
em um ataque de mercadores árabes.
De volta a Portugal, o que
restou da esquadra atracou no Porto do Restelo, no dia 21 de julho de 1501. Apesar
de ter sofrido perdas, a missão foi um sucesso. Depois de seu regresso, Cabral
recebeu várias honrarias, mas não voltou a ser nomeado para o comando de
qualquer expedição relevante.
Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/04/4919541-descobrimento-do-brasil-os-bastidores-da-viagem-de-44-dias-que-levou-pedro-alvares-cabral-ao-pais.html
fotos da Internet
Um comentário:
texto maravilhoso como sempre parabéns.
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