Rua Justiniano de Serpa, próximo à Domingos Olímpio. Ao fundo, à esquerda, o muro do convento dos Franciscanos. Anos 70 - Acervo particular
Um dos mais antigos de Fortaleza, o bairro que tem
nome oficial de Farias Brito – em homenagem ao filósofo nascido em São Benedito
– é mais conhecido pelo apelido: Otávio Bonfim, nome de um engenheiro que
trabalhou na estação ferroviária do bairro. Assim, a antiga Estação do Matadouro, recebeu
o nome do engenheiro, que segundo dizem, faleceu num acidente rodoviário. Como
naquela época a estação era o equipamento mais importante do bairro, acabou
virando Otávio Bonfim. A estação nem existe mais, contudo, o nome ficou para a
posteridade.
Sobre a estação, inaugurada em 1922, há uma crença
equivocada que a mesma recebeu retirantes da seca de 1915, história contada
pela própria Rachel de Queiroz, no seu romance best-seller “O Quinze”.
No mesmo atordoamento chegaram à Estação do Matadouro.
E, sem saber como, acharam-se empolgados pela onda que descia, e se viram
levados através da praça de areia, e andaram por um calçamento pedregoso, e
foram jogados a um curral de arame onde uma infinidade de gente se mexia,
falando, gritando, acendendo fogo. Só aos poucos se repuseram e se foram
orientando.
(Rachel de Queiroz - O Quinze, pág. 39)
Conforme o site “Estações Ferroviárias, até 1917 a
linha instalada pela antiga Estrada de Ferro Baturité passava por outro
trajeto, que corresponde hoje a Avenida Tristão Gonçalves, até a Estação
Central. A partir daí os trilhos foram arrancados e um novo trajeto foi
estabelecido mais a oeste do centro, cortando os bairros do Jacarecanga, Otávio
Bonfim e Porangabuçu, chegando até Couto Fernandes. Portanto, a Estação do Matadouro não teve esse protagonismo que lhe foi atribuído nesse período.
As principais diversões do bairro tinham origem em dois locais: a Igreja das Dores e o Cine Familiar. A Senhora das Dores estava
sempre no centro dos acontecimentos. Nos meses de Junho e Outubro, promovia as
trezenas de Santo Antônio e as novenas de São Francisco, respectivamente. No
último dia da festa, o dia do santo propriamente dito (13 de junho – Santo
Antônio; 4 de outubro – São Francisco), havia o encerramento em grande estilo: a
missa era campal, os sinos tocavam alegremente e se formava uma grande
procissão, que se arrastava pelas ruas do bairro.
Igreja de N. S. das Dores ainda sem o relógio na
torre,e sem o Salão Paroquial, construído ao lado da igreja em 1959. A Pracinha em frente recebeu o nome de Praça de Otávio Bonfim em 1941,
e na época da foto, quase não tinha arborização. No lugar da estátua de Farias
Brito, que hoje se encontra no centro da praça, existia esse busto do Almirante
Tamandaré, que tinha um pedestal que imitava uma proa de navio. A praça era bem menor em relação ao seu tamanho atual. Foto do Arquivo Nirez, dos anos 50
No cortejo, um andor ricamente enfeitado, o padre e os coroinhas todos paramentados, banda de música, uma chusma de anjinhos vestidos à caráter, e todas as irmandades, com estandartes, portando suas fitas coloridas num misto de fé e comemoração: fitas vermelhas do Apostolado da Oração, Fita azul das Mães Cristãs, fita amarela para os meninos da Cruzada, uma opa marrom para os membros da Ordem Terceira Secular.
Encerrada a parte religiosa, começava o
capítulo da arrecadação de recursos, quando no pátio externo era armado um
palanque de madeira para a realização de leilão. As prendas para o leilão eram
arrecadadas junto aos moradores, geralmente bolos, galinhas cheias (de quê?) e
outras guloseimas, e alguns objetos, tudo embalado em colorido papel de seda.
Cine Familiar, ficava vizinho à Igreja das Dores - foto do Arquivo Nirez
O leiloeiro era o Irapuan Lima, e acho que já era figura conhecida naquela época (anos 60), porque alguns se admiravam dele estar sempre lá, trabalhando de graça para engordar os cofres da igreja. Outro que vivia por ali no sereno dos leilões, sempre acompanhado de suas duas filhas, era o ainda hoje conhecido Vavá, atualmente proprietário do Cine Nazaré. Naquela época, Vavá era o responsável pelo funcionamento do Cine Familiar, e acho que ele ajudava (ou fazia tudo) na iluminação do pátio e instalação do som, onde se realizava o leilão. Outra tradição da Igreja, era a distribuição do pão de Santo Antônio, às 3as. Feiras. Vinha gente de longe, para receber o alimento.
Na esquina da praça de Otávio Bonfim com Rua Dom
Jerônimo, ficava a sede da SUMOV – Superintendência Municipal de Obras e
Viação, órgão da prefeitura encarregado das obras e embelezamento da cidade, e
que ocupava o terreno onde outrora funcionou o matadouro. A SUMOV foi extinta
em 1997 e deixou um clube de futsal na orfandade.
Na Rua Justiniano de Serpa, num larguinho no
cruzamento com a Rua Bela Cruz ficava a primitiva Capela de São Sebastião, desativada desde a
inauguração da Igreja das Dores, no início dos anos 30. Os moradores a chamavam
de “igrejinha”, e era bastante singela, erguida em uma calçada alta, com três
portas em arcos na fachada principal, uma porta lateral em cada lado, e uma
cruz no alto. No seu interior, alguns bancos de escola onde eram ministradas
aulas de catecismo para os meninos que estavam sendo preparados para a primeira
comunhão. E num nicho meio esquecido, uma pequena imagem (ou seria um quadro?) de
um São Sebastião com o corpo traspassado de flechas. Essa igrejinha,
antecessora das Dores, foi demolida por volta dos anos 80. No seu lugar,
construíram uma pequena praça que deram o nome de Praça Frei Teodoro, um frade franciscano alemão morador do convento, que militava nas causas sociais da
igreja, e tinha grande afinidade não só com os fiéis, mas com muitos moradores do
Otávio Bonfim.
Cruzamento das ruas Justiniano de Serpa e Bela Cruz, local da igrejinha demolida nos anos 80. Atual Praça Frei Teodoro. imagem google
Na mesma Rua Justiniano de Serpa, antiga Estrada do
Gado, havia várias bodegas, precursoras dos atuais supermercados, cujos
proprietários eram bastante populares em razão do seu ofício e por causa das facilidades
que ofereciam: cadernetas de fiado e vendas a retalhos, estavam sempre na ordem
do dia. Um dos mais antigos, atendia em uma casa com duas portas na fachada,
vendia carvão e outros artigos hoje totalmente obsoletos. O proprietário
faleceu junto com sua mulher num acidente automobilístico na Avenida João
Pessoa, engrossando a estatística da via que já era conhecida por “Avenida da
Morte”. O casal tinha alugado um carro
no Posto Onze, que funcionava na pracinha em frente à igreja das Dores, e se
dirigia para o aeroporto, quando aconteceu o acidente.
Mas, além dessa, que
algum tempo depois voltou a funcionar com outro proprietário, ainda havia
várias bodegas que quebravam o maior galho dos lisos da época. Havia a bodega
do "Seu" Antônio, famoso pela limpeza das instalações, que tinha umas prateleiras
que ocupavam uma parede inteira com garrafas de cachaça, todas iguais, com os
rótulos rigorosamente no mesmo ângulo, onde se lia “Aguardente de Cana Idealista”.
Seu
Antônio era casado com a dona Anísia (uma das mais fervorosas colaboradoras dos
leilões) a "galinha cheia ofertada pela dona Anííísia" conforme
anunciava o leiloeiro, era uma das prendas mais cobiçadas, tanto que ficava
quase sempre, para o final do leilão.
Havia ainda a Bodega de "Seu Batista", esse sim
bodegueiro raiz. Vendia de fumo de rolo à meia barra de sabão.
Passava o dia de pijama e sapato e vivia com Dona Judite, a esposa, que era um poço de
antipatia. A bodega dos dois ficava justamente na esquina da igrejinha.
A Avenida Bezerra de Menezes já existia, mas não
chegava até o nosso bairro. Na época o trecho entre o Mercado São Sebastião até
o então Grupo Escolar Presidente Roosevelt, atual E.E.E.P. Presidente
Roosevelt, chamava-se Rua Juvenal Galeno. Logo no início da Juvenal Galeno alguém construiu um pequeno açude, formado pelo represamento das águas do riacho
Jacarecanga. O açudinho, como era chamado, assumia ares de grande reservatório,
ganhava corpo e força quando no período de chuvas. Era bastante frequentado
pelos meninos da vizinhança e alguns afogamentos foram registrados lá. Ficava
no local onde hoje está a empresa Aço Cearense, quase em frente ao Mercado São Sebastião.
Em seguida, vinham os jardins
Japonês e São José, que eram atravessados por um filete de água corrente,
imagino que proveniente do sangradouro do açudinho. Esses dois jardins ocupavam
todo o quarteirão onde hoje se encontra o supermercado Assaí, no início da
Bezerra de Menezes.
Havia outros estabelecimentos comerciais na Rua
Juvenal Galeno, como a Fábrica Siqueira Gurgel/Usina Ceará, na esquina com a
Avenida José Bastos, e na outra esquina, em frente a fábrica, estava a farmácia
da Dona Rosélia, acho que a única do bairro. Em 1967, inauguraram a nova
avenida Bezerra de Menezes, e o piso rústico e irregular daquele trecho, sumiu junto com a Rua Juvenal Galeno, e a nova avenida revista e ampliada, passou a
ter início no Mercado São Sebastião. Deve ter sido por essa época que o
açudinho foi aterrado.
início da Avenida Bezerra de Menezes. à esquerda da foto, onde estão as palmeiras, ficava o Jardim Japonês. O jardim ficava abaixo do nível da via. Foto do Arquivo Nirez
Depois da inauguração da Avenida Bezerra de Menezes, não
sei se foi o Otávio Bonfim que, pouco a pouco começou a perder sua identidade,
ou se fui eu que, como diria Milton Nascimento, “partiu por outros assuntos”. O
fato é que muita gente se mudou, muito comércio novo apareceu, os jardins
fecharam e deram lugar ao primeiro supermercado da área – o Mercantil São José
– a Siqueira Gurgel também virou supermercado, a Renovadora de Pneus Batista, que
ficava na esquina da Justiniano de Serpa com a Rua Larga, ardeu numa monumental
fogueira de fumaça preta, que chegou a clarear a noite do bairro, e causou
enorme apreensão por causa da proximidade com o posto de gasolina, localizado em
frente, do outro lado da avenida. O Cine Familiar deixou de exibir as
chanchadas da Atlântida nas manhãs de domingo, e por isso, virou colégio, o
Padre Champagnat. O discreto piso de mosaico da Igreja das Dores foi substituído por um
espalhafatoso porcelanato branco, que deixou o templo com cara de shopping center.
Hoje, andando por lá, não reconheço quase
nada e apenas algumas poucas pessoas. O Otávio Bonfim que eu conheci, perdeu-se nas
brumas do passado.
(redigido por Fátima Garcia com o precioso auxílio de alguns dos seus inúmeros irmãos)
16 comentários:
Amei mora neste bairro muito divertidos as festas religiosas e as pessoas das vizinhanças.
Nasci e me criei no Otávio bomfim. Tenho boas recordações da minha infancii e amei rever as fotos de origem desse tão renomado bairro. Parabéns .....
Morava perto da igreja de São Raimundo e revive a minha infância lendo a postagem. As histórias se misturam e encantam
É o local mais gostoso de Fortaleza, prá se viver.
Morei na Rua Justiniano de Serpa. Que prazer poder reviver lembranças tão especiais. Obrigada!
Cresci entre as ruas José Bastos e D. Jeronimo, entre as décadas de 60 e 70. Rever o querido Otávio Bonfim de antigamente bateu saudade.
Saudades da minha infância. Faltou falar do colégio padre champgnat
Plena e grata por ter vivido essa época. infelizmente, hoje, essas praças são redutos de vagabundos; traficantes e usuários de drogas. Decadência com "elegância".
Gostei muito das referências do Bairro, senti falta de uma citação ao 'cajueiro'que existia no término da Rua Juvenal Galeno, onde hoje existe a caixa d'água da foto. Era referência das pessoas que iam apanhar o ônibus já que era local de parada, tanto na ida quanto na volta.
Você teria fotos antigas da rua Dom Jerônimo?
Nasci, me criei e vivi no otávio Bonfim até meus 16 anos, e até hj eu amo esse bairro, amo a minha Igreja das Dores, onde fui batizada e fiz a Primeira Eucaristia, aliás eu passava mais tempo no Convento dos Franciscanos do que na minha casa, os frades eram muito amáveis e os jovens tinham muita liberdade nas dependências do convento, onde podíamos brincar, praticar esportes, tocar instrumentos, participar de grupos, etc. O melhor era participar da quadrilha junina, comandada por Frei Carlos, era bom demais... muita saudade.
Muito bom! Como é bom recordar.
Vivo aqui até hoje e amo esse bairro
Meus pãis morovam na rua Otávio Bonfim na antiga cercado Zé padre, Meu pai trabalhava no mercado São Sebastião e meu avô , Minha infância foi nessa bairro, Eu morava perto do jardim japonês,Eu me lembro que tinha um mercantil na época mercantil 12, Eu era muito criançaEu fiz a primeira comunhão nessa ingeja nossa senhora das Dores, Minha mãe chama-se Maria das Doris,e conhecida como Dorinha ela trabalhou na antiga Siqueira Gurgel, Quantas saudades.
Cheguei no Otávio bom fim en dezembro de 1971 tinha 9 anos ainda hoje moro no bairro sai daqui não ficaria bem até tentei mais fiquei muito triste então voltei jkkk! E essa moça que comenta Fátima Garcia acho que é filha filha do seu Garcia dona neuma acho que é uma família do bem entre eles Tarcísio Edson Eugênia só gente boa
olá anônimo (a), sou sim a filha de Dona Neusa e seu Garcia, diga ai seu nome para que eu possa falar pro Tarcísio e a Eugênia e demais irmãos sobre você. Um grande abraço
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