Até o final do século XVIII, Fortaleza, apesar de ser
a capital da Capitania, não se destacava em relação a outras vilas cearenses.
Poucas ruas eram pavimentadas, as edificações residenciais eram de uma
singeleza que se ofuscavam diante das casas assobradadas de Aracati, ou quando
comparadas com a qualidade dos materiais utilizados nas construções de Icó.
Com a separação de capitania de Pernambuco, em 1799,
Fortaleza, por sua localização e pela qualidade do seu porto, rivalizou com
outras vilas a possibilidade de centralizar a exportação de algodão e couro,
como também de se destacar enquanto centro importador. Esse período assistiu à
mudança do significado político da cidade, que passou a ser a capital econômica
da província.
Ocorreram mudanças em algumas residências que ganhavam
sobrados, no estabelecimento de construção destinados à inspeção do algodão
exportado e no porto, que recebia um volume cada vez maior de embarcações
portuguesas e inglesas. O comércio e a arquitetura começaram a se diferenciar
em comparação com outras localidades cearenses. A partir de 1840, uma série de
empresas europeias se instalaram, e intensificaram o comércio com a América com
a exportação de produtos agropecuários.
A lenta transformação pela qual a cidade passava, era
indicada por um crescimento arquitetônico registrado em 1841, pelo viajante
americano Daniel Kidder. Em sua fala o americano não deixava de ressaltar que a
população ainda preferia construções mais simples e rápidas de serem erguidas,
não sendo usual a edificação de casas mais caras e trabalhosas. As ruas
continuavam sem pavimentação até 1857, quando foi efetivado o projeto de
calçamento que contou com a contratação de “calceteiros” das Ilhas de Açores.
O sobrado erguido em 1825 por Francisco José Pacheco de Medeiros foi o primeiro imóvel de tijolo e telha a levantar-se em Fortaleza. Em 1831 a Câmara comprou o prédio mudou-se para a nova sede em 1833, dividindo o sobrado com a cadeia pública. Mais tarde, com a saída da Casa de Correção, o prédio foi ocupado pela Intendência Municipal. Foi demolido em agosto de 1941
A explosão comercial, o aumento da presença de
estrangeiros na cidade, o incremento da circulação de produtos e hábitos
europeus, poderiam ser considerados alguns dos fatores que contribuíram para
uma tímida mudança na arquitetura interna e nos significados dos domicílios de
Fortaleza. Essas transformações não alcançavam toda a sociedade, era restrita a
um grupo social mais abastado.
Um cronista da época, o conhecido Boticário Ferreira,
em 1843 deixava claro que segmento social estava relacionado diretamente com
essas transformações: a elite. A cidade era quase toda de casebres. Na maioria das ruas
só se encontravam casas baixas e estreitas, de porta e janela, sem rótulas ou
persianas. O material empregado era a taipa e a palha (paredes de taipa de
sopapo e cobertas de folha de palmeiras eram amplamente utilizadas pela
população mais pobre), sendo este o tipo mais comum de edificação.
De beira e bica, a primitiva residência dos governadores, estava localizada na Rua Direita dos Mercadores, atual Sena Madureira. Construção despojada, dos primórdios da cidade, quando ainda não se arrematam os beirais com platibandas.
O desenvolvimento da cidade e o surgimento de famílias com mais recursos financeiros, permitiram um novo padrão de moradia; e entre as simplórias
casas de taipa e palha, foram sendo erguidas residências de maior porte, de
alvenaria, edificadas com materiais mais duradouros, com o uso de tijolos,
assentados com argamassa de cal de ostras e areia e cobertas com telhas. Tudo
sem requintes, sem ornamentos nas fachadas, sem platibandas, todas de beira e
bica. Aos poucos, a lenta evolução da província ia permitindo aqui e ali,
alguma construção de maior vulto, até atingir o período em que senhores de
vastas posses, muitas deles detentores de títulos e brasões, traziam da Europa,
os projetos para suas moradias.
Mais tarde, a cidade começou a ser dividida em
bairros, onde se destacavam casas de grande porte, palacetes e mansões. Alguns
desses ricos proprietários até se permitiam o luxo de trazer do Velho Mundo os
materiais necessários às suas construções, sem falar nos acabamentos. Foi
quando as rústicas telhas de barro, produzidas nos arredores da cidade, foram
substituídas pelas delicadas telhas de Marselha e até por ardósia importada da
Franca, para as construções mais suntuosas.
Palácio Guarani construído em 1908, cópia de um imóvel europeu. Foi modificado algum tempo depois para retirada do telhado de ardósia. Era de propriedade do Barão de Camocim. O imóvel bastante modificado, fica na Rua Barão do Rio Branco esquina com Senador Alencar.
E os telhados ganharam status de obra-de-arte, motivo
de admiração de uma população desacostumada a essas novidades. Da Inglaterra
vinham as louças sanitárias (os vasos, as banheiras, os lavatórios). Portugal
mandava as pinhas, os jarrões, as estátuas e os ladrilhos de faiança. Algumas
casas utilizavam madeiras europeias e o agora raro pinho de riga. Era usado em
assoalhos, portas, janelas e bandeirolas. Em muitos casos, até o cimento era
importado.
conhecida por "Casa da Normandia", foi construída em 1920, copiada de uma revista francesa. Permanece praticamente inalterada. Fica na Avenida Filomeno Gomes, no bairro Jacarecanga.
Outro ponto que distinguia as casas dos mais
abastados, era a mobília. Em geral, em casas de pobres, nas vilas, nas cidades
e nas zonas rurais, as mobílias das casas eram sintetizadas na presença de
redes, malas, algumas cadeiras e mesas rústicas. Já em Fortaleza, começavam a
aparecer as mobílias mais pesadas, caras, com o claro objetivo de proporcionar
conforto e requinte.
Sofás, cadeiras, mesa de centro, castiçais, lanternas,
jarras, cômodas, foram alguns dos itens anunciados pelo leiloeiro Victoriano
Borges, objetos oferecidos em leilão por uma família de mudança para o Pará. No
armazém de Rocha Junior, eram vendidos canapés com assento de palhinha, mesa de
sala, cômodas grandes e pequenas, lavatórios, camas e oratórios.
O requinte da mobília cresceu proporcionalmente ao
luxo dos casarões. Tapetes, jarros, pratarias, lustres, quadros, móveis e
outros elementos de decoração, passaram a ser importados da Europa.
Fontes:
Entre Paredes e Bacamartes – de A. Otaviano Vieira Jr
Mansões, Palacetes, Solares e Bangalôs de Fortaleza –
de Marciano Lopes
fotos Arquivo Nirez
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