terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

As moradas dos Ricos de Fortaleza (Século XIX/Início do Século XX)


Até o final do século XVIII, Fortaleza, apesar de ser a capital da Capitania, não se destacava em relação a outras vilas cearenses. Poucas ruas eram pavimentadas, as edificações residenciais eram de uma singeleza que se ofuscavam diante das casas assobradadas de Aracati, ou quando comparadas com a qualidade dos materiais utilizados nas construções de Icó.

Com a separação de capitania de Pernambuco, em 1799, Fortaleza, por sua localização e pela qualidade do seu porto, rivalizou com outras vilas a possibilidade de centralizar a exportação de algodão e couro, como também de se destacar enquanto centro importador. Esse período assistiu à mudança do significado político da cidade, que passou a ser a capital econômica da província.

Porto de Fortaleza - década de 1910

Ocorreram mudanças em algumas residências que ganhavam sobrados, no estabelecimento de construção destinados à inspeção do algodão exportado e no porto, que recebia um volume cada vez maior de embarcações portuguesas e inglesas. O comércio e a arquitetura começaram a se diferenciar em comparação com outras localidades cearenses. A partir de 1840, uma série de empresas europeias se instalaram, e intensificaram o comércio com a América com a exportação de produtos agropecuários.

A lenta transformação pela qual a cidade passava, era indicada por um crescimento arquitetônico registrado em 1841, pelo viajante americano Daniel Kidder. Em sua fala o americano não deixava de ressaltar que a população ainda preferia construções mais simples e rápidas de serem erguidas, não sendo usual a edificação de casas mais caras e trabalhosas. As ruas continuavam sem pavimentação até 1857, quando foi efetivado o projeto de calçamento que contou com a contratação de “calceteiros” das Ilhas de Açores.

O sobrado erguido em 1825 por Francisco José Pacheco de Medeiros foi o primeiro imóvel de tijolo e telha a levantar-se em Fortaleza. Em 1831 a Câmara comprou o prédio mudou-se para a nova sede em 1833, dividindo o sobrado com a cadeia pública. Mais tarde, com a saída da Casa de Correção, o prédio foi ocupado pela Intendência Municipal. Foi demolido em agosto de 1941 

A explosão comercial, o aumento da presença de estrangeiros na cidade, o incremento da circulação de produtos e hábitos europeus, poderiam ser considerados alguns dos fatores que contribuíram para uma tímida mudança na arquitetura interna e nos significados dos domicílios de Fortaleza. Essas transformações não alcançavam toda a sociedade, era restrita a um grupo social mais abastado.

Um cronista da época, o conhecido Boticário Ferreira, em 1843 deixava claro que segmento social estava relacionado diretamente com essas transformações: a elite. A cidade era quase toda de casebres. Na maioria das ruas só se encontravam casas baixas e estreitas, de porta e janela, sem rótulas ou persianas. O material empregado era a taipa e a palha (paredes de taipa de sopapo e cobertas de folha de palmeiras eram amplamente utilizadas pela população mais pobre), sendo este o tipo mais comum de edificação.

De beira e bica, a primitiva residência dos governadores, estava localizada na Rua Direita dos Mercadores, atual Sena Madureira. Construção despojada, dos primórdios da cidade, quando ainda não se arrematam os beirais com platibandas.

O desenvolvimento da cidade e o surgimento de famílias com mais recursos financeiros, permitiram um novo padrão de moradia; e entre as simplórias casas de taipa e palha, foram sendo erguidas residências de maior porte, de alvenaria, edificadas com materiais mais duradouros, com o uso de tijolos, assentados com argamassa de cal de ostras e areia e cobertas com telhas. Tudo sem requintes, sem ornamentos nas fachadas, sem platibandas, todas de beira e bica. Aos poucos, a lenta evolução da província ia permitindo aqui e ali, alguma construção de maior vulto, até atingir o período em que senhores de vastas posses, muitas deles detentores de títulos e brasões, traziam da Europa, os projetos para suas moradias.

Mais tarde, a cidade começou a ser dividida em bairros, onde se destacavam casas de grande porte, palacetes e mansões. Alguns desses ricos proprietários até se permitiam o luxo de trazer do Velho Mundo os materiais necessários às suas construções, sem falar nos acabamentos. Foi quando as rústicas telhas de barro, produzidas nos arredores da cidade, foram substituídas pelas delicadas telhas de Marselha e até por ardósia importada da Franca, para as construções mais suntuosas.

Palácio Guarani construído em 1908, cópia de um imóvel europeu. Foi modificado algum tempo depois para retirada do telhado de ardósia. Era de propriedade do Barão de Camocim. O imóvel bastante modificado, fica na Rua Barão do Rio Branco esquina com Senador Alencar.

E os telhados ganharam status de obra-de-arte, motivo de admiração de uma população desacostumada a essas novidades. Da Inglaterra vinham as louças sanitárias (os vasos, as banheiras, os lavatórios). Portugal mandava as pinhas, os jarrões, as estátuas e os ladrilhos de faiança. Algumas casas utilizavam madeiras europeias e o agora raro pinho de riga. Era usado em assoalhos, portas, janelas e bandeirolas. Em muitos casos, até o cimento era importado.    
conhecida por "Casa da Normandia", foi construída em 1920, copiada de uma revista francesa. Permanece praticamente inalterada. Fica na Avenida Filomeno Gomes, no bairro Jacarecanga. 

Outro ponto que distinguia as casas dos mais abastados, era a mobília. Em geral, em casas de pobres, nas vilas, nas cidades e nas zonas rurais, as mobílias das casas eram sintetizadas na presença de redes, malas, algumas cadeiras e mesas rústicas. Já em Fortaleza, começavam a aparecer as mobílias mais pesadas, caras, com o claro objetivo de proporcionar conforto e requinte.

Sofás, cadeiras, mesa de centro, castiçais, lanternas, jarras, cômodas, foram alguns dos itens anunciados pelo leiloeiro Victoriano Borges, objetos oferecidos em leilão por uma família de mudança para o Pará. No armazém de Rocha Junior, eram vendidos canapés com assento de palhinha, mesa de sala, cômodas grandes e pequenas, lavatórios, camas e oratórios.


O requinte da mobília cresceu proporcionalmente ao luxo dos casarões. Tapetes, jarros, pratarias, lustres, quadros, móveis e outros elementos de decoração, passaram a ser importados da Europa.

Fontes:
Entre Paredes e Bacamartes – de A. Otaviano Vieira Jr 
Mansões, Palacetes, Solares e Bangalôs de Fortaleza – de Marciano Lopes 
fotos Arquivo Nirez


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