quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Margeando o Pajeú – O Berço Holandês de Fortaleza

A formação da cidade de Fortaleza teve seu início retardado em relação às outras capitais do país. Mais de um século já havia se passado, desde o descobrimento do Brasil quando se ensaiaram as primeiras conquistas e fixação de colonos na Capitania do Siará Grande. Essa demora se deveu entre outros fatores, às dificuldades de acesso às terras cearenses. 

Mapa do holandês Mathias Beck: planta do Forte Schoonenborch, da enseada do Mucuripe e do Monte Itarema - 1649 

A orla marítima, o mais antigo caminho de comunicação, por onde adentravam os pioneiros da civilização, apresentava praias estreitas e cheias de dunas migratórias. Suas areias soltas, fustigadas pelos ventos e marés, formavam e aterravam constantemente, lagamares à beira-mar, modificando seus contornos e obstruindo passagens. Nas terras chãs dos tabuleiros mais afastados do mar, as trilhas mal definidas estavam sempre expostas às emboscadas das hordas selvagens. Os inúmeros baixios que cortam a costa, os ventos e as correntezas das águas faziam da navegação costeira uma das mais dificultosas navegações de todo o oceano, conforme testemunho do padre Antônio Vieira.
Além disso, a própria terra não favorecia o desenvolvimento econômico. Aquela solitária capitania – a mais inútil do Brasil, só abundante de muitas salinas – permaneceu estagnada devido a pobreza de suas exportações. Até 1799, conservou-se abandonada, sem autonomia administrativa, governada à distância pelo Maranhão e depois por Pernambuco.
 O pequeno riacho Pajeú com suas águas potáveis demarcou o sítio onde surgiria a futura cidade de Fortaleza. Quando os holandeses chegaram, em 1646, construíram sobre uma colina da praia o Forte Schoonenborch, ao lado poente deste riacho. Defronte sua barra formava-se uma gamboa, permitindo o atracamento de pequenas embarcações. Partindo do Forte e estendendo-se para o sertão, os flamengos traçaram uma picada pelos matos ralos, cortando o Pajeú, a ribeira de Jacarecanga e margeando as lagoas da Parangaba e Mondubim. Além dessas águas, a primitiva vereda se bifurcava; um ramo se dirigia à Serra da Taquara e o outro, à Serra de Maranguape, em cujas imediações os holandeses buscaram inutilmente as lendárias minas de prata.
A campanha holandesa permitiu o surgimento de um pequeno aglomerado de minguadas palhoças, assentadas no chão de barro socado. Margeando o Pajeú este povoamento ia crescendo vagarosamente, por todos os lados do forte, protegidos da ameaça dos perigosos potiguaras, recuados das terras Maranguapenses. Cinco anos depois, com o fim do domínio holandês no Brasil, o forte passou ao poder dos portugueses. Erigindo ali uma ermida sob a invocação de Nossa Senhora da Assunção, mudaram o nome holandês de Schoonenborch para o de Nossa Senhora de Assunção. Inteirando-se às primeiras ruelas de casas, foram se desenvolvendo nos arredores, os primeiros roçados de algodão.
O povoado, nascido no litoral ao lado do forte, permaneceu pequeno e pobre, sem condições de desenvolvimento pela aridez de suas terras, num tempo em que a economia era fundamentalmente agrícola e pecuária, grandes agrupamentos de pessoas se deslocaram para a zona interiorana. Nessa região, a terra oferecia melhores possibilidades de sobrevivência, de extração de riquezas e de comercialização de seus produtos. Na conquista desses territórios, homens embrutecidos nos caminhos longos e nas jornadas de fôlego, plantaram os troncos das famílias cearenses.
A Estrada Velha foi o mais importante e antigo caminho do Ceará seiscentista. Estendia-se como parte de um grande arco, por toda a orla marítima cearense, extremado no poente pelo Rio da  Cruz  e no lado oposto pela Angra dos Negros. Por esta estrada chegava-se ao Maranhão, e caminhando em direção oposta, alcançava-se as capitanias vizinhas do Rio Grande, Paraíba e Pernambuco.

 Planta de Fortaleza de 1856, atribuída ao padre Manoel do Rego de Medeiros 

A posse das terras pelos colonos era legitimada pelas cartas de Sesmarias – concessões de terras doadas pelo governo àqueles que tivessem além de posses e bens, família e agregados – geralmente nas entradas dos rios. Datadas a partir dos últimos decênios do século XVII, as primeiras sesmarias foram distribuídas próximas às praias, seguidas de outras nas zonas interioranas, no roteiro das águas, demarcadas de rio em rio. Algumas se tornaram fazendas e currais congregando famílias – as primeiras inscritas na genealogia cearense – nos núcleos mais característicos de nossa formação social.


Extraído do livro
Ideal Clube – história de uma sociedade: memórias, documentos, evocações 
de Vanius Meton Gadelha Vieira 

2 comentários:

@indioparaupaba disse...

A HISTÓRIA DAS MINAS DE PRATA DOS MONTES ITAREMA E MARAGOA, precisa ser aprofundada ; há 80% do Diário de Matias Beck sem tradução (em holandês arcaico) foi disponibilizado pela UNESCO ao declarar os arquivos da WIC , patrimônio da humanidade .
A Mina era de Galeno (PBS) MINÉRIO DE CHUMBO, QUE É FONTE MENOS RENDOSA DE PRATA. TODAVIA , O MAPA OMITE O ÍTEM 13 , PROVÁVEL BOCA DA mina; e é natural o sigilo em tempo de conflito com a Armada Espanhola , pilhagens ocorriam no trajeto. Sabe-se que o minério era embarcado em tonéis de madeira. Há carta de Matias Beck já em Curaçao àos senhores da WIC , pedindo indenização por haver ter de interromper a produção, justo quando recuperava o investimento.

@indioparaupaba disse...

Acesse: @siaraneerlandes