quarta-feira, 6 de julho de 2022

O Cinema do Seu Edivaldo

 

Os primeiros moradores chegaram ali no final dos anos 40, todos vindos de diversas localidades do interior. Vinham de trem, numa época em que os ônibus só iam até a atual Avenida Virgílio Távora. Ocuparam o caminho aberto durante a construção da ferrovia que liga a Parangaba ao Porto do Mucuripe, no lugar antes ocupado pelo matagal que estava no percurso. Construíram uma comunidade ao longo da linha do trem, uma fileira de casas em cada lado dos trilhos. Casas rústicas, de taipa, sustentadas de varas e barro. Em frente, a via férrea; ao redor, só mato, de onde emergiam de vez em quando, raposas e cobras. Assim nasceu a Comunidade Trilha do Senhor e muitas outras que se instalaram ao longo dos trilhos. Durante muito tempo a água consumida no dia a dia era buscada em um chafariz localizado perto do parque do Cocó. A estrutura básica (água, luz, saneamento) só foi conseguida ao longo dos anos.


trecho do ramal Parangaba-Mucuripe (imagem IBGE)

Um dos primeiros a morar no local, por isso mesmo muito conhecido entre os moradores, foi Seu Edivaldo Alves Maia, que chegou por lá em 1946. A fama se deve ao fato de ter sido o primeiro a ter uma televisão na comunidade.

E foi com a chegada da luz, em meados dos anos 60, que seu Edivaldo comprou um espaço na comunidade onde antes funcionava uma pequena creche: um salão com algumas carteiras estudantis. Seu Edivaldo, dono de múltiplas habilidades – era pedreiro, marceneiro, bombeiro e dono de bodega – pretendia utilizar o local para exibir filmes, e arrecadar algum recurso. Ele mesmo fez as adaptações.

Depois, foi ao Centro da cidade, entrou numa loja de eletrodomésticos e comprou a primeira televisão da Trilha do Senhor. Voltou à comunidade exibindo orgulhoso o aparelho, que foi colocado no salão, em local de destaque. Estava inaugurado o Cinema do Seu Edivaldo.


imagem padrão do Cinema do Seu Edivaldo

Todas as noites, depois da passagem do trem Maria Fumaça, ele divulgava seu cinema: 500 Réis para assistir ao filme, sentados nas carteiras do salão. E ficava na porta, com uma lata na mão, vestido com uma calça de pescador e uma camiseta para receber os telespectadores que iam assistir ao filme anunciado. Mas o que a televisão exibia na época era sua programação diária, inclusive os capítulos das novelas, exibidas pela TV Tupi e pela Excelsior.

E quem queria assistir as duas novelas – O Direito de Nascer e Sangue do meu Sangue – tinha que pagar duas vezes. Seu Edivaldo passava novamente o caneco cobrando o ingresso dos que haviam assistido à primeira sessão. Todos os dias, em média, 50 a 60 pessoas compareciam ao cinema do Seu Edivaldo. Ele ligava a TV, deixava as luzes acesas, as portas abertas e o povo sentado nas carteiras escolares. 


Trecho da Comunidade Trilha do Senhor (imagem: Fortaleza em Fotos 2012)

Em 2010, após Fortaleza ser escolhida como uma das cidades para sediar a Copa do Mundo no Brasil, o então governador Cid Gomes assinou um Decreto declarando de utilidade pública, portanto, sujeita à desapropriação, toda a área ao longo do trecho do antigo ramal Parangaba – Mucuripe da Rede Ferroviária Federal e suas margens, correspondente a um traçado de 12,7 km, que cortava 22 bairros de Fortaleza. Para implantação do VLT foram desapropriados cerca de 3.500 imóveis envolvendo aproximadamente 12.250 pessoas. Todas as comunidades localizadas às margens do trilho foram atingidas, e tiveram suas áreas reduzidas. A Comunidade Trilha do Senhor fica na Aldeota, entre as avenidas Santos Dumont e Padre Antônio Tomaz, de frente para a atual Via Expressa.


Fontes:

Jornal Laboratório da UFC n° 15

Jornal O Povo  



 

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