antigas residências da família de Adolfo Caminha, em Aracati (foto Mauricio Albano)
Nascido no Aracati, a 29 de
maio de 1867, Adolfo Ferreira Caminha defrontou-se ainda na infância com
dificuldades e aspectos amargos da vida. Em 1877 o Ceará foi assolado por uma
das mais terríveis secas da história, e no mesmo ano perdeu sua mãe, e doente,
seu pai o mandou para Fortaleza. Em 1883, nova partida, seguiu para o Rio de
Janeiro, onde o tio materno o matriculou na Escola Naval para que seguisse
carreira na Marinha. Como guarda-marinha viaja pelas Antilhas e pelos Estados
Unidos. Durante a viagem redige um diário com anotações e observações sobre as
terras vistas, que ressaltará no livro “No País dos Ianques”, de 1894.
Em 1888, já no posto de
segundo-tenente alegando razões de saúde, Caminha pediu transferência para
Fortaleza, onde serviu no cruzador Paquequer. Imaginou que a capital cearense
fosse politicamente mais avançada do que a Corte, o Ceará por exemplo, havia
sido a primeira província brasileira a libertar os escravos.
Na década de 1880 a vida
literária em Fortaleza vivia um momento de grande atividade. Vários grêmios
culturais se formavam em torno de ideais republicanos e abolicionistas e da
estética naturalista, brigando jovens escritores. Deles sairiam posteriormente
a Caminha, outros nomes que ficaram na história da literatura brasileira, como
Manuel de Oliveira Paiva, Domingos Olímpio e Rodolfo Teófilo.
Quando Adolfo Caminha chegou a
Fortaleza, uma questão pessoal o ocupou mais do que a vocação literária e as
tendências políticas: em 1889, ano da Proclamação da República, o escritor
apaixonou-se por Isabel Jataí de Paula Barros, 19 anos, esposa de um alferes,
que abandonou o marido e foi viver com ele. O escritor foi alvo de críticas tanto da
sociedade local como dos próprios colegas da Marinha, onde era também oficial.
Chamaram-no de “flagelo dos bons costumes”.
A repercussão do caso foi tão grande que custou até mesmo a carreira do
escritor na Marinha. Frota Pessoa, amigo de Adolfo caminha, conta a celeuma:
“ O idílio começou com todas
as secretas cautelas, tímido a princípio, mais tarde audacioso, e imprudente.
Nasceram ponderadas suspeitas no espírito do marido; cenas conjugais, violentas
disputas, tempestuosas explicações lavraram aos poucos a discórdia no casal, e
uma certa manhã, ela deserta do lar e vai se abrigar na casa do namorado. Ele
não hesita; aceita-a e, em pleno dia, atravessa a cidade com sua amada pelo
braço e a deposita em lugar seguro”.
A cidade ficou alvoroçada com
o caso; os alunos da Escola Militar querem “vingar a farda do Exército”; as
famílias puritanas exigem que o profanador dos bons costumes seja transferido
do Ceará: faça suas aventuras onde quiser menos em Fortaleza.
Ao ser praticamente obrigado a deixar o posto na Marinha por causa da repercussão do caso, Adolfo Caminha viu frustrar-se todas as expectativas que o haviam levado a trocar o Rio de Janeiro por Fortaleza. Mais tarde, ele dedicaria o livro Cartas Literárias à sua amada: “Quero que o nome dela fulgure como uma legenda de ouro à primeira página de meu livro.” Amainados os ecos do tremendo escândalo, o escritor vai se reintegrando na vida da cidade. Mas essa reintegração se processa com atritos e novas inimizades.
Para sobreviver arranjou emprego como escriturário na Tesouraria da Fazenda. Mas queria ser escritor, e participava ativamente dos movimentos literários do Ceará. Em 1891 fundou a Revista Moderna e no ano seguinte, participou da fundação da Padaria Espiritual – movimento literário que acreditava na necessidade de educar as massas populares para modificar o Brasil. Mas, em função do casamento irregular, do qual nasceram duas meninas, o ambiente na cidade não favorecia Adolfo Caminha. Em 1893 ele conseguiu transferência para o Rio de Janeiro, como funcionário do Tesouro Federal. Pobre, procurou aumentar seus vencimentos como colaborador do Jornal Gazeta de Notícias. Ainda em 1893, publicou seu romance A Normalista.
A Normalista foi uma espécie
de vingança literária de Caminha contra a cidade que o menosprezou, o romance traça
um painel crítico implacável da vida em Fortaleza. Acompanhando a trajetória da
adolescente Maria do Carmo, o autor desnudou os impulsos mais mesquinhos de
tipos e habitantes da capital do Ceará. Através desse olhar de ódio e despreza,
conseguiu dar vida a seus personagens, torná-los interessantes e convincentes.
Ao publicar o romance Caminha
causou revolta na sociedade cearense da época. O autor expõe cruamente a falta
de moral e as baixezas de pessoas influentes que posavam de puritanas, dignos
representantes dos bons costumes.
A edição esgotou-se em poucos
meses, graças à interferência das pessoas que se sentiram atingidas e que não
tinham interesse na divulgação da história. O romancista então deixou de ser
editado por muitos anos. Em seu livro “Escritores na Intimidade”, Raimundo
Menezes fala sobre o episódio:
"O autor focaliza em suas
páginas cenas e fatos de Fortaleza daqueles tempos, ridicularizando e
combatendo certos hábitos e costumes provincianos, quando então descrevera e pintara
conhecidos tipos com nomes diferentes, porém, tão bem traçados, que foram prontamente
identificados pela população e apontados sob o riso malicioso dos leitores.
Afirma que foi tamanha a
celeuma provocada pelo romance que Adolfo Caminha recebeu ameaças de ser
chicoteado e mesmo assassinado. Criou-se lhe um ambiente tal, que o escritor se
viu na contingência de tomar determinadas precauções para evitar o perigo de
ser surpreendido com um ataque à mão armada.
Na opinião unânime da crítica
literária recente, o autor vingou-se das desditas que o viver no Ceará lhe
proporcionara. Mas Caminha talvez não tenha se dado por satisfeito. É possível
que continuasse decidido a causar escândalo e a levar adiante sua vingança
literária. Em 1895, dois anos depois da edição de A Normalista, publicou
“Bom-Crioulo”. Tema: um amor homossexual que resultaria em assassinato.
Vestuário dos personagens: a farda da Marinha do Brasil.
Adolfo Caminha faleceu no Rio
de Janeiro, a 1° de janeiro de 1897, antes de completar trinta anos, acometido
de tuberculose. Terminava assim a carreira de autor, que ignorado em vida,
seria depois redescoberto como um dos nomes mais originais das letras
brasileiras.
Obras:
Vôos Incertos (poesia, 1886)
Judite (contos, 1887)
Lágrimas de um Crente
(novelas, 1887)
A Normalista (Romance, 1894)
No País dos Ianques
(Impressões de viagem, 1895)
Bom Crioulo (Romance, 1895)
Cartas Literárias (Crítica,
1895)
Tentação (Romance, 1896)
Resumo: Bom-Crioulo
Bom-Crioulo conta a história de Amaro e Aleixo, a partir de uma perspectiva naturalista, isto é, de condenação da homossexualidade. Além disso, traz uma visão determinista, em que o meio corruptor (a Marinha) e a raça (Amaro é negro) determinam as atitudes dos dois personagens. Desse modo, Amaro é assim retratado pelo narrador: “um latagão de negro, muito alto e corpulento, figura colossal de cafre, desafiando, com um formidável sistema de músculos, a morbidez patológica de toda uma geração decadente e enervada [...]”. Esse marinheiro é chamado de Bom-Crioulo, “na gíria de bordo”.
Ele se apaixona pelo jovem Aleixo e começa a seduzir o rapaz
com promessas. Por fim, o grumete se rende após sentir “uma como vontade
ingênita de ceder aos caprichos do negro, de abandonar-se lhe para o que ele
quisesse”. E o narrador se refere à primeira relação sexual entre os dois desta
maneira: “E consumou-se o delito contra a natureza”.
Além disso, Aleixo, um adolescente de quinze anos, branco e
loiro, é descrito como tendo formas femininas: “[...] formas de homem tão bem
torneadas, braços assim, quadris rijos e carnudos como aqueles... Faltavam-lhe
os seios para que Aleixo fosse uma verdadeira mulher!...”.
Bom-Crioulo, então, aluga um quartinho, na rua da
Misericórdia, no Rio de Janeiro. É ali que os amantes se encontram quando estão
em terra. O quarto é alugado por dona Carolina, uma portuguesa, ex-prostituta e
grande amiga de Amaro, pois, em uma ocasião, ele a salvou de um assalto.
No entanto, Carolina, uma mulher quarentona, fica
interessada em Aleixo e seduz o rapaz. Após ele ceder ao desejo da mulher, a
transformação em seu corpo é visível. Desse modo, o narrador sugere que manter
relações sexuais com uma mulher fez com que Aleixo adquirisse características
masculinas:
"Estava gordo, forte, sadio, muito mais homem, apesar da
pouca idade que tinha, os músculos desenvolvidos como os de um acrobata, o
olhar azul penetrante, o rosto largo e queimado. Em pouco tempo adquirira uma
expressão admirável de robustez física, tornando-se ainda mais belo e querido".
E quando Amaro descobre a dupla traição, ele mata,
de forma violenta, o seu amante. Dessa forma, o narrador tem a intenção de
demonstrar a impossibilidade de um final feliz para esse tipo de relação.
No entanto, apesar de ser hoje considerada uma obra racista e homofóbica, Bom-Crioulo tem valor histórico. Afinal, essa obra de Adolfo
Caminha é o primeiro romance brasileiro cuja temática principal é a
homossexualidade. Assim, apesar do tom condenatório e punitivo, pela primeira
vez na história da literatura brasileira, o protagonismo é dado a personagens
homossexuais.
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