Em tempos passados, o
Jacarecanga enquadrava-se como um dos mais distintos bairros residenciais de
Fortaleza, embora seu marco principal e seu endereço mais conhecido era o
edifício do Liceu do Ceará, estabelecimento padrão do ensino, e o primeiro
colégio de Fortaleza, fundado em 1845. O bairro ostentava diversas residências
que se diferenciavam da modesta e antiquada linha arquitetônica da cidade mais
antiga, com suas casinhas conjugadas, de porta e janelas de frente. No trajeto
do bonde do Jacarecanga, todo o corredor constituído pela Rua Guilherme Rocha
até a então Praça Fernandes Vieira (hoje Gustavo Barroso), apresentava um
conjunto de luxuosas residências, quase todas em amplos terrenos e com dois
pavimentos.
Nos outros bairros, como o
Benfica, por exemplo, a então Avenida Visconde de Cauípe – atual Avenida da
Universidade – também oferecia uma imagem modernizante. Ladeando os trilhos do
bonde, muitas casas residenciais, dentre elas a da família Gentil, feita para
acolher nos limites da mansão, implantada numa área equivalente a 2 hectares,
todos os membros de sua numerosa descendência.
Pela orla marítima, Fortaleza
daqueles dias ficava restrita ao pequeno trecho de moradias dos ricos da Rua
dos Tabajaras, na Praia de Iracema, lugar aristocrático, onde se destacava a
Vila Morena, da família Porto, mais tarde transformada em sede do clube de
oficiais norte-americanos que aqui serviram ou transitaram em tempos de segunda
guerra.
Depois da Rua dos Tabajaras
havia apenas o “palacete” – uma construção de dois pavimentos, estilo bangalô,
do empresário Fernando Pinto, sede do Jangada Clube, onde aconteciam grandes
noitadas boêmias e a visita de artistas consagrados, como Orson Welles. Não por
acaso denominava-se jangada Clube, porque ficava situada precisamente num
“porto de jangadas”, onde à tardinha, centenas dessas embarcações atracavam
trazendo o peixe fresquinho, apanhado na linha do horizonte.
O Jangada Clube funcionou de 1935 a 1950. Desativado, o prédio foi
vendido ao empresário Ivens Dias Branco, que o mandou demolir em 1984 para
construção do Edifício Jangada. imagem do Arquivo Nirez
Rumo ao nascente, acompanhando
o trajeto da orla, a Avenida Santos Dumont acolhia os trilhos do bonde do
Outeiro, primitiva denominação da Aldeota. O final da linha do bonde era na
esquina com a Avenida Barão de Studart, onde após logo à esquerda,
encontrava-se o Country Clube, instituição fechada onde a colônia britânica
confraternizava-se com a alta sociedade local. Ali morria o Outeiro e começava uma
mata fechada que se estendia até à altura do Mucuripe, então um distrito
isolado e quase inteiramente ocupado por humildes pescadores.
A Avenida Santos Dumont
adentrava mais algumas quadras além da Barão de Studart, com algumas
edificações modernas, com especial relevo para o Palácio do Plácido de
Carvalho, que viria a ser impiedosamente demolido alguns anos mais tarde. A
área relativa à “mata da Aldeota”, era frequentemente denunciada por moradores
pioneiros que consideravam o lugar como “coito de ladrões”.
A cidade dos anos 30/40 constituía-se
principalmente do centro – Praça do Ferreira e sua vizinhança e ruas
residenciais servidas pelas diversas linhas de bondes. A expansão era lenta a
partir do término dos trilhos, como, por exemplo, o bairro do Alagadiço, onde
havia uma concentração residencial até a altura da Igreja de São Gerardo,
seguindo-se amplos espaços vazios e algumas chácaras de famílias mais
abastadas.
O mesmo ocorria com o Benfica,
os trilhos terminavam defronte ao Dispensário dos Pobres, instituição
caritativa, mantida por religiosas. Daí em diante começava o Concreto da
Parangaba, longa pista de cimento e pedra construída ao tempo do Governo
Washington Luiz e que, com a Revolução de 30, ganhou a denominação de Avenida
João Pessoa.
À margem da avenida João
Pessoa, foram surgindo residências de classe média; um dos pioneiros da área
era o empresário Oliveira Paula, proprietário da Empresa São José, cujos
ônibus, bem modernos e confortáveis serviam às linhas do Benfica e de Parangaba
e fizeram concorrência aos bondes. Os ônibus eram identificados por uma
inscrição nos para-choques dianteiros, havia o “Rio de Janeiro”, o “Bandeirante”,
o “Rio Grande do Sul”, e o mais famoso deles, o “Trevo da Felicidade”; motoristas
e passageiros se conheciam e se tratavam pelo primeiro nome, nos bons tempos em
que até os ônibus tinham sua própria identidade.
No velho Calçamento de
Messejana, oficialmente Avenida Visconde do Rio Branco, mais conhecido por
Joaquim Távora, havia uma uniformidade no casario, residências geminadas,
algumas simples, outras nem tanto, que se derramavam de um lado e do outro dos
trilhos de bondes até a chamada “terceira secção”, bem antes da confluência com
a Avenida Pontes Vieira. O destaque arquitetônico do Joaquim Távora ficava por
conta do Colégio das Doroteias, com sua bonita capela, junto à qual funcionava
o Convento das Carmelitas.
Depois da “terceira secção”
uma outra construção se diferenciava da maioria, a residência da família de
Alberto Costa Sousa, casado com dona Iracema Gentil, filha do coronel José
Gentil, fundador da Gentilândia.
Modesto era o José Bonifácio,
outro bairro servido pelos bondes da Ceará Light, hoje incorporado à região
central, mas que ainda guarda resquícios dos anos 40, com algumas casinhas
baixas, de arquitetura simples. No período da guerra, a Polícia Militar, dona
de um quartel naquela área, cedeu o imóvel ao Exército, que ali instalou o 29º
Batalhão de Caçadores, o então famoso “vinte e nove” apelidado pelo povo de
“terror das areias”, dadas as estripulias cometidas pelos seus soldados nas
zonas mais afastadas do centro da cidade.
Pobre também era a Prainha, um
arruado de casebres nas vizinhanças do Seminário, moradias de pescadores
afiliados às Colônias da Praia de Iracema e da Prainha. O bairro possuía um
referencial bastante conhecido além do Seminário. Era o Ideal Clube, que
construiu moderna sede naquela zona em meados dos anos 30, depois de deixar sua
sede das Damas. O Seminário era uma espécie de prolongamento do bairro da
prainha, servido por outra linha de bondes, cujo terminal ficava na então
denominada Rua da Escadinha, hoje Almirante Jaceguay, em frente à Igreja da
Conceição da Prainha.
Além, havia a periferia
miserável, como o Morro do Moinho, território atualmente ocupado pelo bairro do
Pirambu, a cujos limites pertencia o baixo meretrício da cidade, ponto final
das prostitutas envelhecidas, o Arraial Moura Brasil, conhecido popularmente
como Curral. A este se podia ter acesso pelo bonde da Linha Férrea, que saía da
Praça do Ferreira até a Praça Castro Carreira, a Praça da Estação.
Paralela ao muro do cemitério
São João Batista, corria a Rua Tijubana, típica viela dos bairros pobres, mas a
qual também chegavam os bondes da velha Light, a linha Soares Moreno. A
Tijubana interligava o bairro Soares Moreno ao Jacarecanga. As casas eram
humildes e abrigavam pessoas modestas.
Extraído do livro – O Liceu e
o Bonde na paisagem sentimental da Fortaleza-província, de Blanchard Girão. Editora ABC - Fortaleza, 1997
2 comentários:
Amiga Fátima Garcia, parabéns pelo blog e por sua sensibilidade cultural por contribuir para o resgate histórico de nossa cidade. Teria apenas que fosse observado duas coisas neste post:
1) O bonde que vai trafegando defronte ao Cine moderno pela rua Major Facundo não é o da via Férrea, que fazia contorno pela Pedro Borges. Pela indumentária são servidores da Light, portanto o bonde era da Visconde Rio Branco;
2) O bonde Soares Moreno não penetrava na Rua Tijubana, que já foi Travessa Camocim e hoje Francisco Lorda. o ponto final do S.M. ficava na esquina, mas na Padre Mororó.
Por sua atenção obriga.
www.assislima.com.br, será um prazer receber sua visita.
Abraço.
Assis Lima
obrigada pelas observações Assis Lima.
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