sábado, 9 de julho de 2016

Os Sete Pecados da Capital

Inspirado em um artigo do Prof. José Borzacchiello da Silva de 06.05.2001

1 – Violência urbana

Passeio Público: cadê a estátua?

De repente, andar pelas ruas e exercer o básico direito de ir e vir, tornou-se atividade de risco em Fortaleza. Portar relógios, celulares, bolsas e objetos de valor, ou nem tanto, nem pensar. Os números da violência em Fortaleza são assustadores e atingem a todos os bairros e todos os segmentos sociais. Uma pesquisa realizada por uma ONG Mexicana, coloca Fortaleza como a cidade mais violenta do Brasil e 12ª mais violenta do mundo.  Outra, mais recente, aponta que Fortaleza é a capital brasileira com o maior Índice de Homicídios de Adolescentes (IHA), segundo estudo do Programa de Redução da Violência Letal Contra Adolescentes e Jovens, divulgado no dia 28 de junho deste ano. O mais preocupante é ver as autoridades do Estado minimizando o problema, questionando a metodologia utilizada pelas ONG’s, contestando os números que eles mesmos contabilizam.  E seguem reafirmando que as forças policiais estão aparelhadas e preparadas para atuarem fortemente no combate à criminalidade e em prol da segurança. Mas o que vê, e o que resta comprovado é que essa intervenção não tem produzido os resultados desejados. Dados da Secretaria de Segurança Pública do Ceará indicam que entre janeiro e junho de 2016, 1.746 pessoas foram assassinadas no Estado. Fortaleza não era assim, nem merece esses títulos. 

2 – Desigualdade social


Bairro Bom Jardim com o Rio Maranguapinho - foto maio/2013

A abissal diferença de renda que separa ricos e pobres em Fortaleza, a colocou como a 5ª cidade mais desigual do mundo, de acordo com o relatório das Nações Unidas State of the World Cities. Ainda de acordo com o relatório, 7% da população de Fortaleza detém 26% de toda a riqueza da cidade. Entre as cidades do Brasil, Fortaleza é a segunda mais desigual, atrás apenas de Goiânia. Em seguida aparecem Belo Horizonte, Brasília e Curitiba. Ainda segundo o relatório da ONU, o nível de aglomeração urbana na capital cearense deixa a população em nível de risco "muito alto" em inundações, deslizamento de terra e outros desastres naturais.
Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE) nos 119 bairros de Fortaleza mostra que a renda média dos moradores do bairro mais rico da capital, o Meireles, é 15,3 superior aos dos residentes no bairro mais pobre, o Conjunto Palmeiras. O estudo, mostra ainda que 7% da população de Fortaleza vive nos 10 bairros mais ricos e que os 44 bairros de menor renda concentram 49% da população da capital cearense. Para completar o quadro de indigência social de uma parcela não contabilizado da população, os moradores de rua, os sem teto, os mendigos e similares, abandonaram seus guetos na periferia e ocuparam as praças centrais de Fortaleza. A miséria exposta aos olhos de quem passa, exibe também a ineficiência das políticas públicas voltadas para esse segmento de baixa renda. 

3 – A Violência no trânsito


foto G1

O Ceará é o terceiro Estado do País com o maior número de óbitos no trânsito, atrás somente de São Paulo e Minas Gerais. Um total de 11.132 mortes no Ceará foram contabilizadas entre 2001 e 2012 e estão apresentadas no Retrato da Segurança Viária no Brasil 2014, relatório desenvolvido pelo Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV). Os dados ainda apontam que entre as dez cidades mais populosas do país, as que possuem a maior taxa de mortes por 100 mil habitantes são Fortaleza, ocupando a segunda colocação com 27,1 e em primeiro lugar, Recife, com 34,7 por 100 mil habitantes.
De acordo com estatísticas da AMC e Detran, as causas mais comuns de acidentes são: 1º lugar, falha humana; 2º dirigir sob efeito de álcool e substâncias entorpecentes; 3° trafegar em alta velocidade sem a devida experiência; 4° problemas mecânicos e 5° má conservação das vias de tráfego.    
As motocicletas estão envolvidas em metade das mortes, onde a frota é a terceira do País. Os acidentes são causados por motociclistas, muitos sem habilitação, que realizam travessias perigosas inclusive nas rodovias e que não usam capacete, segundo o chefe de comunicação da PRF, indicando que o não uso de capacete pelo condutor aumenta em cinco vezes o risco de morte, em caso de acidente.

4 – A Cidade sem memória


busto na Praça Cristo Redentor: quem?

Em abril de 2016, Fortaleza completou 290 anos. Como a data escolhida faz referência a sua elevação à categoria de Vila (13 de abril de 1726), é fácil concluir que a cidade é de fato, bem mais antiga. No entanto, considerando apenas os 290 anos, encontramos apenas duas edificações que sobreviveram a implacável busca de modernidade, e atestam o seu tempo de existência: O Forte de N.S. de Assunção – construído em 1649, portanto, 367 anos em 2016 – e a Igreja de N.S. do Rosário fundada em 1730, com 288 anos. Lembrando que as duas edificações foram levantadas em taipa e palha e passaram por reformas que lhes deram a aparência atual. A fortaleza de N.S. Da Assunção foi reconstruída em alvenaria em 1816, no governo de Manuel Inácio Sampaio (1812-1820), com projeto do engenheiro Silva Paulet. Já Igreja do Rosário, ameaçando ruir em 1753, foi reconstruída a pedra e cal, com a utilização de recursos doados pelos fiéis. Todas as demais edificações, monumentos, e outras referências que contavam a origem e a evolução da cidade, foram destruídos ou radicalmente modificados. Mesmo as vias públicas foram e continuam sendo renomeadas com tanta frequência, que suas denominações não tem qualquer significado para a população, que não conhece os homenageados e nem o que representaram para a cidade. Suas origens, seu passado, sua arquitetura, seus símbolos, vem sendo sistematicamente apagados, transformando Fortaleza numa cidade sem memória, que não lembra nem sente saudade. 

5 – Descaso com o patrimônio histórico e cultural


Ponte Metálica, primeiro porto de Fortaleza

Basta olhar o estado de conservação de nossas praças, estátuas, logradouros públicos, boa parte dos equipamentos culturais, edifícios históricos, para ver o descaso com que são tratados o nosso patrimônio. Até os bens imóveis protegidos sofrem com o abandono, pois o tombamento não garante sua manutenção. A situação é mais notória no Centro, parte mais antiga da cidade, que concentra a maior incidência de abandono do patrimônio histórico e cultural, a exemplo do que acontece com o Teatro São José, criado em 1914, protegido por lei municipal, que se encontra em ruínas, apesar das reiteradas promessas de recuperação, por parte de sucessivos gestores municipais. Na mesma situação está o prédio da antiga Escola Jesus, Maria, José, localizado na Rua Coronel Ferraz, também tombado e também abandonado. Nos monumentos, bustos e estátuas – em sua maioria – não constam datas, nem identificação do homenageado, nem do autor da obra. Estão sempre mal cuidados, pichados e anônimos. 

6 – O desrespeito ao meio ambiente


Riacho Pajeú, no trecho atrás do Mercado Central, no centro

Sendo Fortaleza uma cidade de clima quente, com temperatura média anual de 27º, situada próxima a linha do Equador, com sol brilhando forte praticamente o ano inteiro, era de se esperar que fossem tomadas todas as medidas necessárias, para evitar que intervenções ambientais mal planejadas viessem a agravar as condições climáticas por si só, tão adversas. Mas não é bem assim: a prática tem demonstrado que não há nenhuma preocupação com os elementos que poderiam minimizar o desconforto provocado pelas altas temperaturas. Historicamente, Fortaleza é a capital das lagoas aterradas, dos riachos canalizados e aprisionados embaixo de pistas de concreto por onde correm os automóveis. Além disso os moradores e os que se deslocam a pé ou em bicicletas e motos e outros, sofrem com a retirada desenfreada da cobertura vegetal. Arvores de grande porte, são impiedosamente eliminadas por qualquer pretexto. Nos últimos cinco anos, logradouros importantes como as Avenidas Dom Luiz, Santos Dumont, Bezerra de Menezes, Paulino Rocha, Alberto Craveiro e outras, perderam toda a cobertura vegetal, em nome de um progresso desvairado - crimes ambientais praticados por quem não aprendeu a conciliar crescimento com preservação ambiental - para abrir espaços para construção de viadutos, túneis e alargamento de vias. Como se não bastasse, Fortaleza é uma cidade tomada pelo lixo, a coleta é insuficiente, não há varrição nem capinagem de ruas nos bairros, nem cooperação dos moradores. Os recursos hídricos que ainda sobrevivem, estão repletos de lixo, descartados pela população.

7 -  O abandono do Centro



A história de Fortaleza começou no Centro; as primeiras igrejas, as praças mais antigas, os edifícios mais representativos que contam a trajetória da cidade, estão no Centro. No Centro estão o Museu do Ceará, o Teatro José de Alencar, com seus jardins projetados por Burle Marx, a Catedral Metropolitana, o Paço Municipal, a sede da Academia Cearense Letras, o Palácio da Luz, construído no final do século XVIII, e a farmácia mais antiga, a Oswaldo Cruz. Mas o Centro foi abandonado à própria sorte, a partir do momento em que os serviços públicos se retiraram de lá. O Governo do Estado, o Fórum, a Assembleia Legislativa, várias repartições estaduais e municipais. Depois vieram os Shopping Centers e levaram com eles as grandes lojas ligadas à moda do vestuário e calçados, os cinemas e as lanchonetes. Mais tarde, os hotéis se mudaram para a orla marítima da Praia de Iracema e do Meireles, assim, os hotéis do centro ficaram esvaziados e fecharam (quebraram). Com a saída desses agentes, o local ficou entregue ao comércio popular, e na falta de diretrizes, e regras a serem observadas, criaram suas próprias formas de ocupação, o que gerou uma desorganização espacial jamais vista. O Centro praticamente não recebe mais investimentos públicos, as praças, apesar de bem frequentadas, estão sujas, com bancos quebrados, piso esburacado, iluminação precária, ocupadas por moradores de rua; as calçadas estão tomadas por camelôs que se instalam em qualquer lugar, espalham suas mercadorias ao bel-prazer, sob os olhos complacentes dos gestores. Uma boa parte dos edifícios mais antigos, construídos no século XIX, foram demolidos para virarem estacionamento ou estão fechados. 



Urbanistas defendem que, a valorização do Centro de Fortaleza, passa por uma reocupação dos espaços, atribuindo-lhe funções administrativas, artísticas, culturais, lazer e habitacional, o que é pouco provável, pois grandes setores econômicos privados não têm interesse na região. Atualmente é relativamente pequena a quantidade de imóveis residenciais efetivamente ocupados. O Centro de Fortaleza está encolhendo. Um dia some.
por Fátima Garcia  


Consultados:
jornais O Povo, Diário do Nordeste, O Nordeste
Portais Tribuna do Ceará e G1
fotos: Fortaleza em fotos

2 comentários:

Bel Pires disse...

Sei que é um velho chavão, exaustivamente repetido, mas tudo (ou quase tudo) passa pela "Educação" ; Desse 7 problemas mencionados, pelo menos 5 deles são relexos do nível precário de educação do povo.Excelente reflexão, parabéns

Fátima Garcia disse...

também concordo Bel, quando falta educação,tudo fica fora dos eixos, acaba refletindo em tudo. Obrigada pela visita. abs