Localizado no bairro Farias Brito (mais conhecido
por Otávio Bonfim), o Cercado do Zé Padre sempre foi um reduto de pobreza. Seu acesso era pela Avenida Bezerra de Menezes, logo no início, na esquina onde hoje
existe uma agência do Bradesco, por uma via chamada Rua Larga. Hoje, é a
continuação da Rua Justiniano de Serpa. Sua origem remonta às décadas de 1920/30, por conta de um grande terreno tomado pelo mato, do qual Dona Beliza G. Matos usufruía o direito
de propriedade.
O terreno foi dividido em pequenos lotes e arrendado para
famílias vindas do interior, em sua maioria fugidas da seca no sertão, para a construção de casebres, com a condição de que
o arrendamento fosse pago em dia. Sem alinhamento, sem pavimentação ou qualquer
melhoria, o aglomerado urbano foi crescendo e se expandindo tornando-se uma grande comunidade.
imagem do site jangadabrasil.com.br/revista/galeria
O fato de que se trata aconteceu por volta por anos 30. Na praça em
frente a Igreja das Dores, no quarteirão da Avenida Bezerra de Menezes já havia
umas trinta casas centenárias, com formato de rótula e duas portas de frente
cada uma, de propriedade do Poeta Juvenal Galeno. O fundo dos terrenos dessas
casas confinavam com o Cercado do Zé Padre, assim conhecido.
O nome do lugar deve-se a um dos primeiros
moradores, que não era padre, mas era reconhecido como um homem casto, recatado e de
aprimorado devotamento as coisas celestiais, levando vida parecida com a dos
padres. Não bebia, não fumava nem frequentava lugares pouco recomendáveis.
Estabelecimentos como bordéis e boates, nem
pensar, sequer conhecia tais lugares. Seu trabalho e preocupação se resumiam a
cuidar do Cercado, cultivar hortas, flores e legumes como meio de sobrevivência
na terra que lhe fora aforada para tais explorações.
Assim vivia Zé Padre, naquele aprazível pedaço de
terra de considerável dimensão (seu lote era bem maior do que os demais), quando de repente surgiram as primeiras
invasões por parte de pessoas que ergueram seus barracos, desrespeitando as marcações do terreno e invadindo o lote maior, em poder do morador mais antigo.
Com o passar dos anos, a coisa se agravou. Foi quando Zé Padre passou a ser molestado pelos invasores, que
começaram a vigiar seus passos, pesquisando sua vida de carola; e o rapaz passou a ser seguido e observado de perto por
todos quanto moravam no Cercado. Era uma vida atormentada por indagações e
insinuações maldosas.
Avenida Bezerra de Menezes em foto dos anos 70 - O Cercado do Zé Padre é essa área verde, no canto inferior, à direita da avenida.
Por essa mesma época um fenômeno tido como sobrenatural veio a atormentar as noites dos moradores: tratava-se de uma “visagem”
que percorria todo o Cercado, metendo medo nos moradores, que tomavam
proporções de pavor, a ponto de ninguém se atrever a permanecer fora de casa além do horário
habitual, naquele até então calmo e sossegado recanto.
Assim a história da aparição foi se espalhando, com os moradores divulgando, invocando
santos, rezando novenas, dezenas e trezenas, fazendo promessas para tudo quanto era sagrado, para descobrir que fenômeno era aquele que
metia medo, espantando e recolhendo toda a comunidade do Cercado do Zé Padre, antes
que a noite caísse completamente.
Até que numa noite, o mais destemido morador do cercado
apresentou-se como voluntário para descobrir o tal mistério, mas não obteve
sucesso porque seu intento foi divulgado, e naquela noite, o monstro não
apareceu. No entanto, tudo estava previamente preparado para
desvendar o significado daquela entidade, identificada como uma "mula sem cabeça", que perambulava pelo Cercado
quase todas as noites.
E a vigília continuou. No momento certo, depois da meia-noite, onde somente a
escuridão era maior, tendo o céu e as estrelas como testemunhas, surge a certa
distância o “monstro sem cabeça” cujos olhos melancólicos impediam a visão dos
aterrorizados. Pedia passagem em desabalada carreira, envolvido em espessa capa
preta, com um lampião aceso a sinalizar, e com ardente impetuosidade, corria em
direção ao intrépido morador, com um chocalho pendurado no pescoço,
o que foi suficiente para o pobre espectador, em pânico total, invadir sua
choupana a gritar: – mulher...me acode, é a burra do padre que está solta aqui
no Cercado.
Mal sabia que aquele aparecimento tinha endereço
certo, direto pra a casa de um amor proibido que se localizava na quadra
vizinha, numa das casas de frente para a Praça da Igreja das Dores, onde Zé Padre
e sua amante, conhecida Madame, proprietária de bem montada pensão, decidiram manter absoluto sigilo sobre a
ardente paixão que os consumia. Apesar de ser comparado a santo, Zé Padre era
astucioso e gostava de correr durante a noite fazendo “visagem” no Cercado que
levava seu nome.
Extraído da crônica A Burra do Cercado do ZePadre, de Zenilo Almada
fotos do Arquivo Nirez
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