sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Pena de Morte no Ceará

A pena de morte já foi largamente usada no Brasil. Até a Proclamação da República, a execução estava prevista como punição por diversos crimes. No Ceará, as primeiras execuções que se tem notícia remontam ao ano de 1632, quando dois índios foram enforcados. Eram nativos educados em Amsterdã e funcionavam como intérpretes dos holandeses a quem prestavam relevantes serviços. Sumariamente e sem precedentes processuais, as execuções dos índios foram autorizadas por Domingos da Veiga Cabral, sobrinho e substituto de Martim Soares Moreno no governo da Capitania. A história sequer registra quais as acusações que pesavam sobre os dois.

Mais tarde, quando juridicamente se haviam instalado as primeiras organizações do gênero, o Ceará se integrou ao sistema, porém sob a tutela das Relações da Bahia e jurisdição descentralizada de Pernambuco. A partir de 1824, com o Brasil dividido em províncias relativamente autônomas, os julgamentos e respectivas execuções migraram para as Comarcas ou seus Termos, exceto nos crimes políticos, regidos especialmente por Comissões Militares. Nos frustrados movimentos revolucionários de 1817 e 1824 essas comissões funcionaram a pleno vapor, envolvendo províncias desde a Bahia ao Ceará.

Vista do 2° plano do Passeio Público e sua continuação até a beira da praia Formosa. O local das execuções seria no equivalente ao antigo 1° nível, desaparecido em 1867, com a construção de uma usina termoelétrica no local - foto de 1907

Em Fortaleza, o local das execuções era o antigo Campo da Pólvora – atual  Praça dos Mártires, também conhecido como Passeio Público – que em sua origem, não passava de um vasto areal em rampa, que descia da Rua da Misericórdia (Rua Dr. João Moreira)  até a praia, então ainda próxima.  Mantivera-se inóspito durante longo tempo por temor de explosões, pois a área fora ocupada pelo paiol da pólvora da fortaleza da Assunção, até quando este foi removido para o alto do morro do Croatá.

O instrumento da execução era a forca (no local havia um patíbulo), exceção feita para os revolucionários Joaquim Pinto Madeira e os membros da Confederação do Equador, que foram fuzilados.  


Muitos escravos foram executados, tanto em Fortaleza, quanto no interior. A execução de um escravo valia como investimento. Colocava-se o que morria na conta de lucros e perdas, enquanto servia como exemplo para os demais que eram desestimulados a cometer ato idêntico, ou qualquer ofensa contra o senhor. Uma das executadas, foi    a escrava Bonifácia. 


pelourinho em fazenda escravocata

Bonifácia foi acusada de haver matado um jovem rapaz; mas o crime não estava no homicídio simplesmente. Concorria nele uma circunstância atroz. O assassinado não era de um filho seu, que por instinto da espécie devesse preservar a qualquer custo; não era o filho de um benfeitor, a quem sucedesse nos direitos pelo benefício outorgado; era mais que isso – era um senhor moço, filho de Joaquim Marques Vairão,  conhecido pelo vulgo de Joaquim Carpina.
Essa circunstância no regime econômico da escravidão produzia uma agravante extrema do delito, porque no código negro, o atentado contra o senhor que surrava estava equiparado ao crime contra o pai. Tudo se compreendia no parricídio, ou se considerava da mesma categoria que o sacrilégio que andava nas primeiras páginas dos códigos medievais.

O suposto crime foi cometido em Maranguape, começando em Fortaleza por um exame procedido no cadáver do filho de Joaquim Carpina, remetido do sítio Mongubeira. O cirurgião militar Machado, perito único, declarou ter encontrado feridas contusas no rosto e mais duas na região do pescoço, que mostravam ter sido feitas com as mãos, porque se achavam os sinais das unhas cravadas no rosto, revelando pela compressão terem impedido a respiração, do que resultara a morte.

As testemunhas do delito eram pessoas do campo, simples, de cuja moralidade e interesse no fato, não havia notícias; e o juiz de paz, não passava de um homem atrasado em demasia, para proceder às altas indagações da justiça. Enfim, o processo constou de umas quatro folhas de papel mal escritas, no fim dos quais se acrescentou com mão firme a sentença de Bonifácia: ao patíbulo.


Bonifácia não assistiu às inquirições por ter fugido, diz uma certidão. O menino, a vítima, ainda não tinha 11 anos. No interrogatório único que lhe foi feito, o do júri, disse que o menino morrera de coices de um cavalo, metendo num cercado os animais do pai; que esteve doente por três dias e que ela avisara aos pais. Bonifácia foi condenada à morte por enforcamento tendo por base apenas o testemunho de quatro pessoas, sem outras provas ou contestações. A sentença foi cumprida no dia 22 de setembro de 1842, no atual Passeio Público, em Fortaleza.

A pena de morte no Brasil foi extinta em 1889, com a Proclamação da República. 

fontes: 
Ceará (homens e fatos), de João Brígido
Pena de Morte, de R. Batista Aragão 
fotos Arquivo Nirez



 

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