quarta-feira, 9 de maio de 2018

O General de Bronze que Caiu de Pé



A 15 de setembro de 1890, era eleito o Congresso Nacional Constituinte, destinado a dar à nova República Brasileira um estatuto jurídico. Reunido na Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, no palácio dos antigos imperadores, discutiu e votou aquela Constituição chamada de 1891, que criou os Estados Unidos do Brasil, se conservou como um tabu até a presidência Artur Bernardes, quando foi ligeiramente revista, e regeu os destinos da Pátria até a Revolução de 1930.

Esse Congresso elegera à presidência da República o marechal Manuel Deodoro da Fonseca, chefe do governo provisório instituído pelo golpe republicano-militar de 15 de novembro de 1889, e à vice-presidência o marechal Floriano Vieira Peixoto, seu ministro da Guerra nos últimos tempos. Tendo em virtude dessa mutação do cenário político, se demitido o ministério do referido governo provisório, organizou o marechal presidente um outro, no qual entrou como figura principal, nas pastas da Agricultura e da Fazenda, o dr. Henrique Pereira de Lucena, uma verdadeira musa inspiradora de todos os atos políticos do marechal Deodoro. E entre este e o Congresso, se abriu um dissídio que as circunstâncias se encarregaram de ir tornando cada dia maior. 

os personagens desse capitulo da História do Brasil e do Ceará: 
1º à esquerda, Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente; 
ao lado, Floriano Peixoto, segundo presidente, sucessor de Deodoro da Fonseca; embaixo à esquerda, o Barão de Lucena, Henrique Pereira de Lucena, conselheiro de Deodoro e 
Clarindo de Queiroz, o governador deposto do Ceará. 
   
A coisa chegou a um ponto tal que não havia composição possível. A 3 de novembro de 1891, o marechal presidente deu um golpe de Estado que lhe foi funesto: dissolveu o Congresso, determinou novo regulamento eleitoral e programou a revisão constitucional para a assembleia a ser eleita. Ao mesmo tempo, decretou Estado de Sítio por 60 dias. E, condenando a carestia da vida, os desmandos da linguagem da imprensa e a charlatanice oca dos congressistas, deitou manifesto à Nação, afirmando: a 15 de novembro de 1889 achei-me a vosso lado para depor a Monarquia. Hoje me encontrais ainda fiel à minha missão de soldado e de brasileiro para depor a anarquia. Essa tirada demagógica não impressionou o povo, que assistira estupefato à queda do Imperador. 

Os republicanos de primeira hora, como o almirante Eduardo Wandenkolk e Quintino Bocaiúva, antigos ministros do governo provisório, deram com ossos na cadeia; a policia movimentava-se afanosamente. Reunidos em grande número em São Paulo, os congressistas lançaram seu protesto contra o ato do governo, que marcou novas eleições a 22 de novembro para 20 de fevereiro de 1892. O ambiente político e militar tornou-se carregado. A 18 de janeiro de 1892, como grave indício da indisciplina militar iniciada pelos generais, o sargento Silvino revoltava a fortaleza de Santa Cruz, à qual aderia logo a da Laje, chefiada por um cabo.

O almirante Custódio José de Melo, ministro da Marinha, talvez movido por um recôndito pensamento monárquico, encabeçou a reação militar contra o chefe de governo no dia 23 de novembro de 1891. Os canhões da esquadra atiraram contra a cidade. Uma bala se incrustou na arcada da Igreja da Candelária. Encerrado no Palácio Itamarati, o marechal Deodoro viu-se sem forças para controlar a anarquia que ajudara a desencadear, depondo o velho monarca, seu amigo pessoal, e desgostoso dos homens e desdenhoso dos cargos, doente e desanimado, talvez arrependido, renunciou ao cargo, entregando-o nas mãos do colega de farda, o marechal Floriano Peixoto.

Praça General Tibúrcio com a estátua do General

Esses acontecimentos tiveram naturalmente forte repercussão em muitos Estados do Brasil. No Ceará, custaram angústias e sangue. A 28 de abril de 1891, o marechal Deodoro ainda como chefe de governo provisório, nomeara o general de divisão José Clarindo de Queiroz governador do Estado. O Congresso Estadual composto, então, de câmara e senado, elegeu-o na forma da nova Constituição, definitivamente para o cargo. Além de amigo pessoal do marechal, era ele apoiado pelo partido, que se chamou da Maloca, chefiado pelo conselheiro Rodrigues Júnior, o qual partido se constituía na sua quase totalidade de elementos da antiga facção dos Ripardos, cisma que dividira na ainda na província, o Partido Liberal da Monarquia.

A outra facção, a dos Minus, que o senador Pompeu chefiara, viria a predominar mais tarde nos destinos políticos locais por muito tempo, sob a direção do comendador Antônio Pinto Nogueira Accioly. Naquela época, no entanto, era muito alto o prestígio do general José Clarindo no junto ao poder central.

Clarindo de Queiroz apoiou o golpe do marechal Deodoro, que dissolveu o Congresso. Julgava-se seguro no governo, contando com a fidelidade de sua agremiação política, a lealdade do corpo de polícia e o prestígio que desfrutava com o 11° Batalhão de Infantaria, sediado em Fortaleza. Todavia seu destino estava marcado pela política do general Floriano Peixoto, que assumira o poder na capital do país. A ordem para sua deposição, como para a dos governadores que tomaram a mesma atitude, foram dadas secretamente e admiravelmente cumpridas. Os florianistas contavam com o apoio da Escola Militar e da canhoneira Braconnot, municiada no porto. Estes elementos só receavam a reação do batalhão de Linha.

Foi necessário então, afastá-lo, de maneira cautelosa, mandando-o realizar manobras em Maranguape, a cerca de 50 km da capital, onde naquela época, somente poderia regressar a pé ou pela estrada de ferro, que já estava sob controle dos que tramavam a deposição do governo estadual. 

cadetes da Escola Militar fizeram o cerco ao Palácio do Governo na deposição do governador Clarindo de Queiroz (Arquivo Nirez)

Na tarde de 16 de fevereiro de 1892, a Escola Militar descia armada do seu quartel no Outeiro, apoderava-se de uma dezena de peças de campanha La Hitte e da respectiva munição na fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, e ocupava as Ruas Sena Madureira, Conde D’Eu, do Quartel e da Boa Vista, levantando barricadas e apontando as bocas de fogo contra o Palácio do Governo na Praça General Tibúrcio.

Um destacamento de marinheiros da Braconnot, com metralhadoras, postou-se na Rua Major Facundo, e outro por trás da velha Sé, dominando a antiga rua da Ponte, a do Sampaio e de São José. Destinavam-se a cobrir os flancos do atacante contra a surpresa de elementos armados vindos do interior ou dos arredores, em socorro do governador.

Palácio da Luz, sede do governo estadual até início dos anos 60

O general Clarindo de Queiroz, comandando a força de polícia e alguns paisanos armados, entrincheirou-se no velho palácio, repeliu as intimações que lhe foram feitas e respondeu corajosamente ao fogo da artilharia de seus adversários durante toda a noite de 16 para 17 de fevereiro. Sobre a cidade silenciosa, apavorada e escura, baixaram as sombras da angústia. No interior das casas hermeticamente fechadas, as famílias rezavam diante de oratórios estrelados de velas acesas. E somente o espaçado troar da artilharia pontuando o contínuo matraquear de fuzis, dominou aquele ambiente de medo e apreensão. 

interior do Palácio da Luz após o ataque

Ao romper do dia 17, sobre o palácio crivado de balas e escavado pelas balas dos canhões La Hitte tremulou uma bandeira branca. O general Clarindo se rendia por falta de munições para continuar a luta. Esta custara o alto preço de 13 vidas. O tenente-coronel José Freire Bezerril Fontenele, comandante da guarnição federal, recebeu do vencido as rédeas do governo, que se empossou no palácio em ruinas, onde não havia uma parede que não tivesse sinais do tiroteio e um móvel inteiro. No dia 18 de fevereiro assumia o vice-presidente do Estado, tenente de engenheiros Benjamim Liberato Barroso, que fora a alma da deposição.

Cessada a resistência e efetivada a rendição, verificou-se que uma das balas da artilharia atacante reduzira a escombros o alto pedestal de pedra da estátua do general Tibúrcio, que se elevava na praça fronteira ao palácio. Atirado pela força do projétil a alguns metros de distância, o elegante vulto de bronze caíra de pé, intacto, a mão no punho da espada, a cabeça descoberta, voltado para o lado de onde vinha o fogo, como era seu costume nos combates em que tomara parte nas campanhas do Uruguai e do Paraguai.

A Praça General Tibúrcio após o conflito

E ali ficou, à sombra das árvores maltratadas pelas balas por mais de um ano, pois só a 24 de maio de 1893, ficou pronto o novo pedestal em que o colocaram. Romarias de populares, durante esse período, iam diariamente, visitar o general de bronze que caíra de pe. 
            
Extraído do livro à Margem da História do Ceará,
de Gustavo Barroso
fotos dos livros A Margem da História do Ceará e Coisas que o Tempo Levou 

   

2 comentários:

Rodrigo de Agrela disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rodrigo de Agrela disse...

Oi, Fátima, tudo bem?
Seu blog é sensacional. Acompanho há bastante tempo. Quanta raridade!
Sou doutorando em Literatura, morei em Messejana e estou em Belo Horizonte.
Estou estudando a obra de Alencar, os mitos e a modernidade. Messejana é um dos mitos. E então você entra aqui nesta minha história: gostaria de saber se você poderia me ajudar cedendo algumas fotos de Messejana, da lagoa, da matriz. Eu estou precisando para a minha pesquisa. Salvei algumas aqui, mas acontece que gostaria da foto sem a logo do blog. Eu coloco os créditos da foto, com certeza.
Espero que você possa me ajuda, querida. Um abraço forte!