Numa cidade que contava com a
intensa iluminação e constante presença do sol, quando este desaparecia, a população sofria com
a escassez de iluminação, e a escuridão imperava nas ruas de Fortaleza. Seguindo
uma tradição que então impregnava o imaginário da Europa moderna, a noite era
considerada "amiga da maldade, companheira de Satã e de seus malefícios".
Aliados a esta tradição havia o temor que faziam da iluminação um tema tratado não apenas como modernidade para a cidade e sim como matéria de segurança. Mas a preocupação com a segurança noturna da cidade veio de maneira tardia. Somente no ano de 1838 é que foram instalados cinquenta lampiões para a iluminação pública. O encarregado da aquisição foi o comerciante Martinho Borges, que enviaria os lampiões diretamente do Rio de Janeiro, do mesmo feitio e construção que os usados naquela cidade.
O montante de recursos
destinados à iluminação da cidade, 2:000$000, foi supostamente quase todo gasto
na aquisição dos lampiões e suas ferragens. Com o desejo de completar a
iluminação, Manoel de Sousa Mello solicitava a liberação de verba para compra
de azeite – combustível fundamental para efetivação das luminárias.
A opção pelo azeite de peixe como
combustível, acompanhava, àquela época, uma tendência nacional. Cidade como o
Rio de janeiro já industrializava a extração do óleo de baleia, comercializado
para uso nos lampiões de óleo. Na costa do Ceará, teria ocorrido a dizimação
das baleias e do peixe-boi a partir do século XVIII, abatidos para o consumo da
carne e usados na produção de óleo, consequência da atividade predatória dos
corsários e dos Tremembés, índios célebres pela ferocidade e que eram hábeis
pescadores, o que se leva a deduzir que o azeite usado na iluminação de
Fortaleza era importado de outros Estados. O óleo de baleia, aqui chamado de
azeite de peixe, gerava uma luz estável
e brilhante, embora produzisse muita fumaça. O Azeite de peixe foi utilizado também como argamassa na construção civil.
Em 1839, a iluminação ainda
era uma expectativa: os lampiões adquiridos no Rio de Janeiro chegaram e foram
fixados nas ruas, porém não funcionavam. O motivo era a falta de quem se
encarregasse da iluminação, pois a quantia destinada ao prestador do serviço
era ínfima e não atraía nenhum interessado. A sugestão do presidente da
província João Antônio de Miranda, era mandar iluminar sem arrematação, pois
esse empreendimento não atrairia nenhum investimento, por não permitir maior
especulação.
Em 1841, ou seja, três anos
depois da aquisição dos lampiões a situação da iluminação da cidade continuava
delicada. O orçamento da província havia destinado 4:000$000 para o
fornecimento de azeite de peixe – o dobro
do utilizado para aquisição dos candeeiros. Como não pareceram licitantes, o
fornecimento poderia ser por empreitada. O único que se apresentou foi José
Teixeira Pinto, que ofereceu 1700$000 por semestre. O governo indeferiu a
proposta, por achar que o candidato não tinha condições de cumprir o acerto.
No mesmo ano, diante das
restrições orçamentárias, o governo decidiu eliminar as verbas que seriam
destinadas à iluminação. Mais tarde, o assunto voltava a ser matéria
de discussão na Assembleia, mas não para sugerir novos investimentos ou a
necessidade de expansão do serviço, mas para examinar proposta do presidente da
província, de suspensão das despesas com os lampiões, considerando a situação
delicada do erário público. De acordo com aquele administrador, fazia-se
necessário economizar os gastos com a iluminação não só, porque não era
considerada prioridade, como era muito onerosa aos cofres provinciais.
Assim, mesmo depois da década
de 1840, Fortaleza não conhecia um sistema competente e continuado de
iluminação pública baseado em lampiões de azeite. As noites eram longas e
assustadoras, o que imprimia uma rotina de recolhimento cedo, na qual os
moradores precisavam se recolher às suas casas e improvisar a iluminação de
suas moradas, na maioria das vezes, feitas por lamparinas e velas de cera de
carnaúba.
A tão esperada iluminação das
ruas só veio a se concretizar alguns anos depois e foi iniciada em 01 de março
de 1848. O trabalho foi contratado com Vitorino Augusto Borges, que se
obrigava, entre outras coisas, a instalar 44 lampiões, que deveriam ser
mantidos sempre limpos e brilhantes, e a conservá-los acesos entre as 6 horas
da tarde até o raiar do dia seguinte, ou até que saísse a lua.
O privilégio da concessão foi transferido, com autorização do governo para a companhia inglesa Ceara Gaz Company Limited. No mesmo ano de 1848, foram colocados nas ruas de Fortaleza 25 lampiões pendentes com iluminação de azeite de peixe. Desse período de experiências inovadoras na cidade, fica também a lembrança de um homem simples, o primeiro acendedor de lampiões a percorrer as ruas da cidade, na tarefa diária de acender e apagar os pontos de iluminação, conhecido na memória da cidade pela alcunha de Chico Lampião.
Nas noites de lua os lampiões não eram acesos, o que levou alguns cronistas da época a denominarem o acordo de "contrato com a lua". Mas a prática não era só dos cearenses. Em alguns dos outros Estados, havia cláusula contratual prevendo o não acendimento dos lampiões em noites de luar.
Fontes:
Entre o Futuro e o Passado – aspectos urbanos de Fortaleza (1799-180), de Antônio Otaviano Vieira Jr.
História da Energia no Ceará, de Ary Bezerra Leite
Fortaleza Velha, de João
Nogueira
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