Ao longo do
século XIX teve início o processo de hegemonização de Fortaleza, vindo a se
tornar ainda na segunda metade deste, o principal núcleo urbano, político,
econômico e social do Ceará. Os motivos que levaram a esse processo foram
muitos e estão interligados. Em primeiro lugar, não deve ser desvinculado do
sistema político do império, que criou mecanismos favoráveis à hegemonia de
Fortaleza, ao beneficiar as capitais provinciais.
Durante o
período monárquico, sobretudo no II Reinado (1840-1889), houve por parte da
monarquia a postura intencional de tornar as capitais das províncias
verdadeiros núcleos a serviço da ordem social, e da unidade territorial
desejadas contra qualquer pretensão autonomista/separatista, que as oligarquias
regionais possuíssem.
A família
imperial no II Reinado, por volta de 1870. Da esquerda para a direita:
conde D'Eu, D. Pedro II, D. Teresa Cristina e D. Isabel.
O império
tomou medidas diversas para estimular e reforçar o papel das capitais
provinciais como grandes centros locais de poder político, econômico, militar e
administrativo. Por isso foram as capitais os núcleos urbanos que mais
receberam investimentos e obras, mais recolhiam a produção interiorana para
exportação, mais captavam recursos para o governo. E quanto mais as capitais
prosperavam, mais investimentos e poderes elas obtinham, verificando-se mais
prosperidade e hegemonização urbana, enquanto as outras vilas e cidades das
províncias eram esvaziadas.
antes da construção da Ponte Metálica - o primeiro porto de Fortaleza, a cidade contou com inúmeros trapiches. Esse ficava na Prainha
Daí se
entende porque na segunda metade do século XIX, uma série de obras e atos
administrativos beneficiaram Fortaleza em detrimento das outras localidades,
como as obras no Porto – no exato momento em que sua a “rival” e decadente
Aracati reclamava da erosão de seu porto e da inadequação deste para navios de
maior calado; abertura e melhoria de estradas ligando a capital a áreas
produtoras próximas – enquanto nenhum recurso era despendido com o melhoramento
da estrada Aracati-Icó, a mais importante para o comércio da região.
estação central da Estrada de Ferro Baturité
Estação
de Canafístula, inaugurada em 1880, ao pé da Serra do Vento, entre
Fortaleza e Baturité. Na década de 1940 o lugar passou a se chamar
Antônio Diogo.
Uma outra
obra que mostrava a hegemonização de Fortaleza, foi a construção da Estrada de
Ferro Baturité, a partir de 1870. Esta incrementou a posição da capital como
grande centro coletor e exportador da produção interiorana – sobretudo do
algodão. A posterior expansão da ferrovia – em 1926 atingira o Crato – aumentou
consideravelmente a função comercial de Fortaleza. O raio da ação da capital
ampliou-se para além das zonas produtoras de Uruburetama e Baturité, atingindo
o Oeste e o Sul do Ceará, isto é, acompanhou a própria expansão da
cotonicultura, a base da economia cearense de então.
Outra razão
para o crescimento de Fortaleza está relacionada ao comércio de exportação da
produção agrícola cearense, que conheceu grande expansão na segunda metade do
século XIX, com os produtos algodão, café, couro e açúcar. Como se não
bastasse essa estrutura de transportes (estradas, porto, ferrovia), foi ainda a
capital beneficiada por sua proximidade geográfica em relação as áreas produtoras
agrícolas, principalmente Maranguape e Baturité com o café, Itapipoca, Caucaia
e Cascavel com o algodão.
A cidade
cresceu em termos populacionais igualmente em função do êxodo rural, sobretudo
dos camponeses obrigados a migrar pela estrutura latifundiária sertaneja ou
pelas secas – onde buscavam em Fortaleza por melhores condições de vida.
A partir de
1850, Fortaleza passou por profundas mudanças em sua infraestrutura e
equipamentos urbanos, visando atender as novas demandas, disciplinando espaços
e controlando a população. Viveu uma explosão de modernidade e aformoseamento,
quando os discursos e as práticas buscavam imitar a civilidade europeia. A
cidade então colocou-se entre as maiores do País.
Assim, teve
calçamento nas ruas centrais (1883), canalização de água potável (em 1867, ao
encargo da inglesa Ceará Water Company Limited), bondes à tração animal (1880) (inaugurados pela Cia Ferro Carril e depois transferidos para a Ceará Light and
Power), iluminação a gás carbônico (1867), linhas de navios a vapor para a
Europa e Rio de Janeiro (a partir de 1866), melhorias no porto (o chamado Porto
das Dragas) (entre 1870 e 1886),
Biblioteca (1867), jornais, praças arborizadas, clubes para lazer, fábrica de
tecidos (1883), hospital (Santa Casa de Misericórdia, em 1861), asilo para
alienados (1886), Mercado Público com estrutura metálica (1897), estrada de
ferro ligando a capital a cidades do interior, telégrafo (1879), telefone
(1883), caixas-postais (1889), boas escolas (O Liceu do Ceará desde 1845, o
Seminário da Prainha e o Colégio da Imaculada Conceição em 1864), entidades
intelectuais e cemitérios.
sistema de distribuição de água em lombo de animais
Apesar da precariedade dos recenseamentos, em 1837 Fortaleza contabilizava 16.557 habitantes; em 1872, contava 21.372 moradores atingindo na virada para o século XX, 48.369 pessoas, num crescimento considerável e sinal claro da hegemonia urbana de Fortaleza.
antiga Rua de Baixo
Por volta de
1867, a capital limitava-se ao norte pelas ruas da Praia e da Misericórdia; a
Leste, pela Rua de Baixo (atual Conde D’Eu); ao sul, pela D. Pedro I e a Oeste
pela Rua d’Amélia, atual Senador Pompeu. Fora desse perímetro, só havia o
Palácio do Bispo, o Colégio das Irmãs de Caridade, o Seminário da Prainha, e
uma ou outra casa.
fonte:
Fortaleza, uma breve história
de Artur Bruno e Airton de Farias
fotos do arquivo Nirez
fotos do arquivo Nirez
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