quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Os anos de guerra e o Blackout em Fortaleza

O Ceará ingressou nos anos 40 sob o impacto da Segunda Guerra Mundial. Um intenso noticiário sobre os afundamentos de navios brasileiros por submarinos inimigos, Buarque, Olinda, Cairu, Cabedelo, Parnaíba, e outros, geravam manchetes nos jornais com narrativas dramáticas sobre os afundamentos. 

Depois começaram a chegar a Fortaleza as vítimas: os náufragos americanos sobreviventes, recolhidos nas praias de Camocim após o torpedeamento do Eugen, perto do farol de Jeriquaquara;  em seguida, os náufragos portugueses do Balkis, afundado a 63 milhas de Fortaleza, acolhidos no Astoria Hotel, no centro da Cidade. Há uma comoção generalizada, acompanhando a indignação nacional, que se transforma em festiva explosão, a 22 de agosto de 1942, quando o Brasil declara guerra ao Eixo. 

desembarque dos pracinha brasileiros na Itália
A história da capital ficou marcada por todos esses eventos: as manifestações antifascistas, organizadas pela Comissão de Defesa Nacional; a mobilização de reservistas para o serviço ativo do Exército; a presença das Pirâmides para a Vitória, construídas pela população com materiais inservíveis que seriam aproveitados na produção de guerra; a intensa movimentação aérea das bases aliadas do Pici e do Cocorote; a partida dos pracinhas para a Itália; os militares americanos inseridos no cotidiano da cidade; as hostilidades contra súditos do Eixo; o racionamento de combustíveis, os transportes a gasogênio, e os dirigíveis blimps nos céus da cidade. 

Em 1942 têm inícios os exercícios de defesa passiva antiaérea, após ampla divulgação de instruções para a população e determinações rígidas para os serviços públicos. O sinal de alarme era dado por meio de sirenes e sinos, com toques breves, repetidos a curto intervalo. A orientação para os pedestres, em circulação pela cidade, era procurar abrigo imediatamente, nos edifícios mais próximos;  nas ruas descobertas deitar-se de bruços. As instruções, bastante detalhadas, determinavam a paralisação de todos os veículos em caso de ataque, e estabelecia procedimentos para condutores e passageiros dos tramways.

Nessa época foi decretado rigoroso blackout na região costeira de todo o Estado, segundo determinações das autoridades, no sentido de que fossem eliminadas todas as luzes que pudessem ser observadas. A execução plena dessa medida ocorreu na noite do dia 15 de dezembro de 1942: às 19:30 horas foi apagada a iluminação interna dos prédios, e o escurecimento total da cidade, meia hora mais tarde. No primeiro dia do corte de energia foi feito por desligamento da força na própria usina; posteriormente foi transferida para a população a responsabilidade pelo blackout da cidade. 


flagrante de uma passeata ocorrida no dia 18.08.1942. Um popular carrega um retrato de Getúlio Vargas pedindo ao presidente que saia de cima do muro.

O Jornal “Gazeta de Noticias” publicou uma nota da Secretaria do Serviço de Defesa Passiva Antiaérea de Fortaleza, onde se estipulava que, em função do Estado de Guerra, o movimento nas ruas deveria ser encerrado às 22 horas; a iluminação pública não seria permitida a partir desse horário, principalmente na praia e no centro da cidade. Dentre estas normas do blackout, por tempo indeterminado, as que se referiam às residências, recomendavam:  “todas as vidraças, venezianas, etc, externas, deverão ser cobertas com papel ou fazenda preta, ou reforçadas com madeira, de modo que não haja filtração da luz”.

Na noite de Natal desse ano, a “Missa do Galo” deixou de acontecer à meia-noite, em função das regras rígidas de iluminação noturna. Em 21 de dezembro de 1942, o “Correio do Ceará” anunciou:  “em consequência do blackout adotado na cidade, Fortaleza quebrará este ano, uma tradição, não realizando suas missas das 24 horas, no Natal, tão a gosto do povo católico e sempre concorridíssima. A providência, porém, não prejudicará o povo católico que no dia 25 poderá acorrer em massa para as igrejas, comemorando liturgicamente a data do nascimento de Cristo.” 

A obrigatoriedade de cumprimento das leis do blackout permaneceu em vigência até 1° de dezembro de 1943.

Ainda em 1942, as dificuldades se ampliam com novos problemas. O jornal “O Povo” descreve os problemas da cidade e a grave crise por que passa a Ceará Light, concessionária da energia e dos transportes públicos, impossibilitada de importar novos equipamentos e materiais imprescindíveis à manutenção preventiva: “Fortaleza está vivendo dias de falta. É a cidade  dos sem. Sem água, sem carne, sem leite, sem luz”. 

Com o inverso escasso de 1941 e a demora das chuvas de 1942, as cacimbas secaram. A água do Acarape, principal fonte de abastecimento de Fortaleza, não chegava a abastecer 6.000 prédios. A usina da Light consumia   em suas caldeiras as águas do Pajeú, os poços tubulares da usina não produziam nem 10% da água que as máquinas necessitavam e consumia 20% de sua força no tratamento da água para aproveitá-la novamente. Quando o Pajeú secou, a Light passou a utilizar a água do mar que, apesar de tratada, tinha efeito corrosivo sobre os metais.


Fontes:

A História da Energia no Ceará, de Ary Bezerra Leite
Ideal Clube – história de uma sociedade, de Vanius Meton Gadelha Vieira 
fotos do arquivo Nirez, Ah, Fortaleza e do livro de Ary Bezerra Leite 

Um comentário:

Ronaldo Galuppo disse...

Minha avó, mineira, morava em Fortaleza com meu avô que era engenheiro agrônomo do Ministério da Agricultura . Eu me lembro de ela falar sobre esse blecaute em Fortaleza por causa da Guerra.