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sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Os Protestos de Usuários dos Serviços da Ceará Light (bondes elétricos)

 

A chegada dos bondes elétricos em 1913 foi considerada um grande progresso, que contribuiu decisivamente para a expansão e para o desenvolvimento de Fortaleza. Os chamados Tramways que vieram para  substituir os bondes de tração animal no transporte coletivo, encurtaram distâncias, facilitaram o acesso a bairros distantes e favoreceram a locomoção de moradores e trabalhadores que antes cumpriam longos percursos a pé. A concessionária era empresa inglesaThe Ceará Tramway Light and Power Co. Ltd”, e a equipe dirigente era formada quase que exclusivamente por cidadãos ingleses. O representante local da diretoria inglesa era o engenheiro Francis Reginald Hull e o gerente geral, o Dr. E.M. Scott.


 

O serviço foi inaugurado em 9 de outubro de 1913, com a presença do Intendente Municipal e outras autoridades, com a instalação da linha Estação Joaquim Távora. No dia 12 de janeiro de 1914 é inaugurada a linha entre a Travessa Morada Nova e a Praia de Iracema, denominada de Linha da Praia. No mês seguinte, em 14 de fevereiro, começava a funcionar a Linha do Outeiro (Santos Dumont-Aldeota). O transporte de tração animal continuou funcionando e foi sendo desativado à medida em que se inaugurava novas linhas. Para o serviço de tramways foram adquiridos inicialmente, 30 bondes e um carroção para transporte de cargas.


Nos primeiros anos de funcionamento, foi tudo às mil maravilhas; mas as primeiras reclamações sobre as deficiências dos serviços, não demoraram a aparecer; primeiro com a quantidade de veículos em circulação que eram insuficientes para o número de passageiros;  depois com o grande número de bondes parados nas linhas, ou por falta de energia elétrica ou por quebra de peças que impossibilitavam a circulação; mais tarde evoluíram para a reivindicação de um serviço mais organizado, descumprimento de horário, reajustes nos preços das passagens e protesto pelo estado de conservação dos bondes, desconfortáveis e sucateados. Além das reclamações dos usuários, havia também a revolta dos empregados, que giravam em torno de aumentos salariais e redução da carga de trabalho.

Em 1923 o jornal “A Tribuna” reclamava do serviço prestado pela Light, destacando que os bondes eram sujos, sem conforto e que em dias de chuva os passageiros sofriam bastante. Reclamavam ainda da atuação das autoridades municipais que não tomavam nenhuma providência nem exigiam a melhoria do serviço da companhia inglesa.  

No ano de 1925 os protestos explodiram de vez e a insatisfação levou intranquilidade e conflitos para as ruas de Fortaleza. Em setembro desse ano, a Light instituiu classes diferentes no transporte, haveria bondes de 1ª classe e de 2ª. classe, definidos pelas cores: verdes; os horários seriam alterados e haveria elevação de preços para os bondes de primeira classe. Mas a disponibilidade dos bondes de 2ª. classe, mais baratos, era muito menor do que os de 1ª. classe, mais caros. Além do mais, os horários eram considerados inadequados, pois não contemplavam os horários de pico.


a maioria das linhas dos bondes partiam da Praça do Ferreira, em frente ao prédio da Intendência Municipal. imagem de 1920

A companhia não esperava uma resistência tão incisiva às modificações apresentadas, que começou com os alunos do Liceu, recebeu adesão de outros colégios e se espalhou pelo público em geral. Uma multidão se aglomerou na Praça do Ferreira, local de partida da maioria das linhas onde teve início uma série de atos de vandalismo: teve quebra-quebra, depredação, agressão e gente que invadia os bondes que conseguiam sair, sem pagar a passagem.

À certa altura a Polícia resolveu intervir para dispersar os mais exaltados, mas de acordo com notícias do jornal do Commercio, a ação policial foi violenta e desproporcional e servindo apenas para acirrar ainda mais os ânimos. Durante todo o dia aconteceram distúrbios tanto na Praça do Ferreira quanto nos outros locais de parada dos bondes, e até mesmo o gerente da Light, Mr. Scott, que compareceu ao posto de bondes para tentar alguma solução para o impasse, viu-se ameaçado pela multidão, e só saiu do local com escolta policial.

Os tumultos se repetiram por quase uma semana, enquanto autoridades, imprensa e representantes de várias instituições propunham acordos e soluções a fim de resolver o impasse. Por outro lado, o aumento da repressão policial contribuiu para inibir as ações populares, apesar de continuarem os atos contra a Light e a abstenção de usuários de utilizar os veículos de 2ª. classe.

Mas uma ação considerada violenta, foi determinante para que o movimento perdesse parte do apoio popular. Na madrugada um grupo não identificado colocou uma pequena carga de dinamite na linha do bonde Alagadiço, que explodiu durante a passagem de um bonde de 2ª. classe. Os danos ao veículo foram pequenos e nenhum passageiro ficou ferido, mas o discurso da concessionária mudou para além dos prejuízos da empresa, alegando que agora, o que estava em risco era a integridade física dos usuários do transporte. No mesmo dia foi encontrado um petardo pesando quase um quilo, na linha Praia de Iracema, que não chegou a ser detonado. As forças de repressão debelaram os atos públicos de protesto; os mais exaltados, identificados como líderes eventuais desses atos, foram agredidos pela polícia ou presos; a forma mais violenta de atuação comprometeu a legitimidade dos protestos. Esses acontecimentos aliados a outras ações determinaram o fim do movimento de protesto.


Em 1935 os bondes mantinham uma disputa acirrada com os ônibus, que já serviam a quase todos os bairros -  imagem uwm libraries

O resultado prático de tudo, em termos de funcionamento do transporte, foi mínimo: a Light não revogou suas decisões e os dois tipos de veículos com suas respectivas tarifas continuaram a circular de forma alternada; somente nos horários de maior fluxo – ao meio-dia e no início da noite – circulariam bondes de 1ª. e 2ª. classe simultaneamente. Em contrapartida a empresa passou a ser cobrada sistematicamente pela má prestação dos serviços, tanto por parte da população quanto pelas instituições atuantes à época (a Fênix Caixeiral, a Associação Comercial, o Centro Artístico Cearense, o Centro dos Importadores, e outros),  e as autoridades, pela omissão com os prejuízos causados pela deficiência do transporte, e pela tolerância com a péssima atuação da Ceará Light and Power. O bondes elétricos funcionaram até o dia 19 de maio de 1947, substituídos definitivamente pelos ônibus como transporte coletivo de massas.     

 

Fontes: O povo em fúria: a revolta urbana de 1925 em Fortaleza, autor Eduardo Oliveira Parente. Disponível em file:///C:/Users/mfati/Downloads/administrador,+Se%C3%83%C2%A7%C3%83%C2%A3oLivre_3EduardoParente%20(5).pdf

Menezes, Raimundo de. Coisas que o Tempo Levou: crônicas históricas da Fortaleza antiga. Introdução Sebastião Rogério Ponte. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000. 208 p – (Clássicos cearenses:2)/publicação Fortaleza em Fotos. Imagens do Arquivo Nirez  

 

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O Outeiro da Prainha


vista do bairro do Outeiro da Prainha em 1900.
  
Subindo o Corredor do Bispo, hoje Rua Rufino de Alencar, entrava-se no bairro do Outeiro da Prainha, acompanhando o chamado Quintal do Bispo, uma grande área primitivamente pertencente à chácara do português Antônio Francisco da Silva, parente da família Albano.  Posteriormente ali habitou o comendador Joaquim Mendes da Cruz Guimarães, em cuja residência se instalou o Palácio do Bispo. Esta área estava compreendida entre as ruas Rufino de Alencar e a Costa Barros – a antiga Rua do Sol – e estendia-se para o nascente até as proximidades da Praça do Cristo Redentor, onde se localizava a Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Prainha e seu velho Seminário.


 Chácara do português Antônio Francisco da Silva, depois sede do Bispado e atual Paço Municipal 

Em 1937, a Empresa de Terrenos Ltda., adquiriu do Patrimônio de São José, do Arcebispado de Fortaleza, a permissão para lotear essa grande área do antigo bairro do Outeiro da Prainha. Desse loteamento surgiram as ruas Afonso Viseu, Pedro Ângelo, Pereira Filgueiras e João Lopes. As duas primeiras foram nomeadas por indicação de Luiz Vieira – um dos sócios dessa empresa, que homenageava assim pessoas de sua amizade e admiração. 

 Igreja da Conceição da Prainha, construída em 1840, num local ermo e afastado da parte urbanizada da cidade.

Na parte mais alta do Outeiro, Luiz Vieira reservou um aprazível sitio com o objetivo de construir uma vila residencial para sua família. Ergueu seu casarão no canto formado pelas ruas Pedro Ângelo e Rufino de Alencar e, a seguir, edificou ao seu lado, as residências dos seus filhos Jaime e Mário Câmara Vieira, compondo a Vila Vieira. Contíguo a esta, na Rua Pedro Ângelo, residiu o comerciante e hoteleiro Pedro Lazar e depois, na mesma residência, Edmundo Rodrigues dos Santos, sócio da empresa Casa Quirino Rodrigues S/A. A residência de Luiz Vieira, no Outeiro da Prainha, foi inaugurada com festejos que se prolongaram por mais de uma semana, de 8 a 19 de outubro de 1946, quando foram realizados os casamentos de duas de suas filhas e a comemoração do aniversário de sua esposa. Sua construção fora entregue ao engenheiro Alberto Sá, que pela primeira vez utilizou em Fortaleza, o concreto armado na confecção dos seus forros.  


Ladeira da Prainha, ao lado a casa de Siá Pio, onde mais tarde residiu o Mister Hull
 
No alto da barranca do Outeiro, compondo a ladeira que nascia no adro da Igreja da Conceição da Prainha, residia a filha de Antônio de Oliveira Borges de Castro, a Sinhá Pio das crônicas antigas, matriarca dos Pio Borges. A casa culminava com um torreão, do qual se podia apreciar o mais belo panorama da cidade. voltado para o mar, esse mirante servia a José Pio Moraes de Castro, esposo de Sinhá Pio, para o controle do movimento portuário, função que lhe cabia como agente da empresa Lloyd de Navegação. Os quintais da casa, com pomares e roseirais, desciam, flanqueando o lado da sombra, até o término da ladeira que se chamava Ladeira do Seminário ou Ladeira da Prainha, hoje conhecida pelo nome de Rua Almirante Jaceguai. Nesta escarpa o bonde não alcançava a igreja, impedido de prosseguir por conta de um lance de escadas que antigamente ali existia. A casa dos Pio Borges foi adquirida por Mr. Francis Hull, cônsul inglês no Ceará, que viveu muitos anos em Fortaleza. O inglês fez um observatório da torre da residência, estudando o clima e prenunciando bons invernos para o Ceará. Na outra esquina da ladeira, morava o Barão de São Leonardo, Leonardo Ferreira Marques, agraciado com as comendas da Ordem da Rosa de Cristo por sua atuação na Guerra do Paraguai ao lado do futuro Duque de Caxias. 


 

Praça Cristo Redentor e sua torre, inaugurada em 1922 em comemoração ao centenário da Independência do Brasil 

Ainda na atual Praça do Cristo Redentor, com sua coluna inaugurada em 1922, que veio a se tornar um dos monumentos símbolos da cidade, residia a poucos metros de Siá Pio, sua filha Maria Pio Borges de Castro, casada com seu primo legítimo, Luiz Borges da Cunha, despachante das mercadorias da Alfândega. Sua residência, que Mozart Soriano Aderaldo, apontou como primeiro bangalô de Fortaleza, ocupava um vasto terreno que se estendia até abaixo do outeiro, terminando ao nível da praia, na antiga Rua do Chafariz. Mais tarde a residência de Maria Pia Borges seria propriedade dos ingleses ligados à Empresa de Navegação The Boot Streamship Line, com sede em Liverpool. 
 
 a antiga Rua do Seminário, hoje Avenida Monsenhor Tabosa, início do século XX 

Mais adiante, na Rua do Seminário – atual Avenida Monsenhor Tabosa – erguia-se a residência do imortal poeta José Albano e a Chácara de Vicente de Castro. Nesta, um córrego atravessava seus extensos quintais que alcançavam a Rua do Chafariz – atual Rua José Avelino. Proprietário da firma V. Castro e Filho, agente da Companhia de Seguros Anglo-Sul-Americana.
O Bairro Outeiro da Prainha desapareceu com a expansão daquela região, e hoje está inserido parte no Centro, parte no bairro Praia de Iracema.   


Extraído do livro Ideal Clube – história de uma sociedade
De Vanius Meton Gadelha Vieira
fotos: arquivo Nirez e IBGE

 

terça-feira, 19 de março de 2013

Seminário Episcopal da Prainha

Seminário da Prainha em foto de 1905 (Arquivo Nirez)

Até a segunda metade do século XIX e início do século XX o bairro Outeiro da Prainha abrigou famílias aristocratas – Boris, Franco Rabelo, Mister Hull (engenheiro inglês gerente da Light e cônsul inglês), Araripe Júnior, um dos maiores críticos literários do século XIX, o poeta José Albano e o Dragão do Mar.
Do lado direito do prédio da biblioteca pública havia o solar do coronel Solon da Costa e Silva – proprietário da companhia de bondes puxados a burro.  Ali funcionava a garagem e era local de adestramento dos animais, chamado de Academia do Solon. Quando se queria chamar alguém de burro, dizia-se que veio da Academia do Solon.  Na esquina da antiga Rua Franco Rabelo (atual Avenida Presidente Castelo Branco) com Almirante Jaceguai ficava a residência de Mister Hull (já demolida). Os bondes elétricos vinham até o pé do morro (Ladeira da Conceição).

Casa do Mister Hull, ficava na esquina da antiga Rua Franco Rabelo com a Almirante Jaceguai. Foi demolida para alargamento da Rua Jaceguai e a entrada do centro Dragão do Mar. 

No dia 7 de setembro de 1860, o primeiro bispo do Ceará Dom Luís Antônio dos Santos, inicialmente recebeu o prédio que servia de quarentena na lagoa Funda, o qual não foi aceito.  O edifício atual começou a ser construído em 1860, e deveria servir de colégio para as órfãs da Irmandade da Igreja de N.S. da Conceição. 


Ladeira da Conceição

O bispo negociou com a congregação, e o projeto inicial foi abandonado, dando lugar a um novo projeto para abrigar o seminário. Com a instalação do seminário e a incorporação da obra ao patrimônio do mesmo, o Governo Imperial autorizou o pagamento do aluguel em favor das órfãs, de janeiro de 1865 até a extinção do regime monárquico. 
O seminário iniciou suas atividades em 8 de dezembro de 1861, tendo como objetivos, a  formação do Clero, o ensino das ciências e letras e a educação religiosa.  Funcionou por muitos anos como um dos pilares da educação no Ceará passando por ele figuras como o Padre Cícero, Austregésilo de Athaide, Capistrano de Abreu, Dom Helder Câmara, Dom Eugênio Sales, entre outros que, saindo do seminário fundaram igrejas e realizaram inúmeras obras assistenciais e religiosas em todo o Brasil. 


Avenida Monsenhor Tabosa, antiga Rua do Seminário(foto de fevereiro/2013)

No dia 6 de junho de 1854, o Papa Pio IX cria a Diocese do Ceará, desmembrando-a da de Olinda.  Cinco anos depois, em 1859, o Imperador D. Pedro II nomeia o Padre Luiz Antônio dos Santos, Bispo do Ceará. Em 1861 D. Luís Antônio dos Santos assume o bispado e instala a Diocese do Ceará. O Seminário foi inaugurado no dia 18 de outubro de 1864, com parte da obra que já estava pronta, tendo o bispo se transferido para lá com dois padres e dezoito seminaristas.  Antes o Bispo residia à Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco) esquina com a Guilherme Rocha. Para formar o corpo docente do seminário, o bispo contou com a ajuda de quatro padres lazaristas (vicentinos). O primeiro reitor foi o Padre Pedro Augusto Chevalier, de nacionalidade francesa.


Vista do Porto a partir da torre da Igreja de N. S. da Conceição

Na madrugada do dia 7 de julho de 1894, ocorreu o desabamento do pavilhão do Curso de Teologia, atingindo 17 seminaristas que dormiam, espalhando terror em todo o resto do prédio, alguns saíram com ferimentos leves, não havendo vitimas fatais. Os alunos receberam três meses de férias, enquanto o pavilhão era reconstruído, o que só foi possível com a ajuda do governo e da população que doaram recursos.

Instituições originárias do Seminário

Conferências Vicentinas – envolvendo os leigos com atividades religiosas, sociais e assistenciais.
Fundação da Casa das Missões São José – Igreja dos Remédios, com a missão de preparar em Fortaleza, serviço espiritual, e uma escola noturna para meninos pobres.
Criação de jornais e revistas – permitindo a ampliação da influência dos padres do Seminário em todos os campos da vida no Ceará. O Jornal O Nordeste foi criado por D. Manuel em 1922.
No campo social – atuação do Padre Francisco Hélio Campos, vigário da Jacarecanga, lutou pelos moradores do Pirambu, acabou com os prostibulos  e criou uma consciência crítica no bairro.
Criação da Cooperativa de Crédito Popular – órgão de poupança dos operários para a compra da casa própria, mais tarde, Banco Popular de Fortaleza. 


fonte:
Caminhando por Fortaleza, de Francisco Benedito
fotos do Arquivo Nirez