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sábado, 30 de julho de 2016

Enterros em tempos antigos

Até 1848 aqui em Fortaleza, se faziam os sepultamentos nas igrejas ou nos seus arredores; as lápides funerárias, que antigamente podiam ser vistas nas paredes do Rosário e da demolida Igreja de São José (antiga Sé), bem como as ossadas encontradas nas reformas da Igreja do Rosário, são os atestados deste costume, que de resto, era seguido em todo o Brasil.


Padre Mororó, Pessoa Anta, Carapinima e a escrava Bonifácia, executados no Passeio Público, foram sepultados na antiga Sé, que ainda servia de cemitério em 1845.Ainda existe até hoje na Igreja do Rosário, cobertos pelo assoalho, os compartimentos regulares que serviam de sepultura, e é tradição que a esposa do presidente Morais Sarmento ali tivera um desmaio, em consequência de exalações cadavéricas.

Por esse motivo aquele presidente resolvera fundar o cemitério do Croatá, para onde passaram os enterramentos em 1848. Tal decisão foi recebida como falta de religiosidade. Os sepultamentos se faziam à noite e os convidados levavam velas acesas, protegendo-as contra o vento com lanternas de papel.  Eram lúgubres essas cerimônias noturnas, mas não tanto quanto as célebres procissões de penitentes, que desde 1850, deixaram de ser realizadas.


Local onde foi construído o Cemitério do Croata (ou São Casimiro). Depois que o cemitério foi desativado, construíram a Estação Central da Estrada de Ferro Baturité. 

Saíam alta noite, e de uma delas se contava que, ao recolher ao Rosário, alguns penitentes se deitaram no chão, em frente a porta da igreja, formando uma espécie de esteira, para que os outros, entrando no templo, os pisassem.

Os rituais que antecediam o sepultamento eram igualmente sombrios. Ministrava-se a o Sacramento ao moribundo, com um cerimonial caído em desuso por volta do final do século XIX. O Cura da Sé era chamado, e logo em seguida, os sinos da Sé começavam a tocar. A Irmandade do Santíssimo Sacramento buscava as opas encarnadas e atendia ao apelo, qualquer que fosse a hora.

A Igreja do Rosário era inicialmente o espaço dos escravos. Depois passou a ser frequentada por todos. Muitos foram sepultados no piso do templo.

À irmandade seguia-se o Cura, que debaixo de um pálio trazia os objetos próprios para a ocasião, seguido do povo, que sempre acompanhava o Santíssimo, cantava um bendito especial. O Santíssimo nunca voltava pelo mesmo caminho por onde tivesse ido visitar um moribundo, era costume.

Assim que se verificava o óbito, os sinos da Matriz tocavam a finados e a cidade inteira sabia de pronto, quem era que já estava com Deus. Os sinos pelos falecidos foram abolidos em 1878, para que não se afligisse mais a população, já torturada por tanta seca, tanta epidemia e tantas mortes.

O velório era em casa, geralmente na sala principal, sem o aparato de funerárias. Marcava-se a porta do morto com um largo pano preto, que tinha ao centro uma grande cruz amarela; os convites para o enterro que se adquiriam na Livraria Oliveira eram impressos em larga folha de papel tarjado com figuras e dizeres de acordo com a situação. Em baixo da página via-se um cemitério e uma sepultura com o texto – aqui jaz – e ao lado, um homem e uma mulher ajoelhados.

Os enterros eram verdadeiras procissões, que se estendiam por mais de um quarteirão. Abria o cortejo uma cruz negra com franjas douradas; as Irmandades marchavam em longas filas, solene e silenciosamente. Precedido pelo pároco da Sé, vinha o féretro, levado por quatro empregados da Misericórdia, vestidos de preto, com cartolas de oleado reluzente, casacas e calças debruadas de amarelo.

O caixão era colocado sobre duas travessas, cujas pontas repousavam sobre largas correias, que os condutores traziam a tiracolo. Eram estes os “gatos pingados”, pobres homens ridicularizados que, aliás prestavam um grande serviço aos vivos e mortos, posto que não era pequeno o esforço de percorrer dois ou mais quilômetros em marcha lenta, carregando peso, vestidos como iam, e as vezes, sob um sol escaldante. (Depois da inauguração do cemitério, os sepultamentos passaram a ser feitos durante o dia).


O Cemitério de São João Batista foi inaugurado em 1866, mesmo inacabado (seria concluído em 1880), para ali sendo removidos alguns mortos do Croatá. (foto Diário do Nordeste)

Vestidos de luto, parentes e amigos acompanhavam; se fosse pessoa de posses ou a posição social do morto permitisse, uma banda de música acompanhava o cortejo, o qual ao se aproximar da Sé, era recebido com sinos sobrados ou singelos.  Até a catedral todos iam descobertos, mas daí até o cemitério, todos se cobriam porque o corpo já estava encomendado.

Após o percurso de 1300 metros, pela Rua das Flores (atual Castro e Silva), ali se chegava esbaforido, mas de tal caminhada ninguém se queixava, dado o sentimento da ocasião. Na verdade, era um sacrifício para um homem, ir da matriz ao cemitério, vestido de preto, sol das 4 horas pela frente, sobre um péssimo calçamento.


O cortejo saía da Igreja da Sé, percorria a Rua das Flores a pé, por cerca de 1300 metros até a entrada do Cemitério de São João Batista.

As visitas de pêsames eram uma tortura, especialmente para as viúvas que, em exposição nas suas salas, tinham que repetir exaustivamente aos visitantes, o histórico da doença e como se deu o desenlace. 

Os alunos do Seminário da Prainha acompanhavam os enterros dos padres, e numerosos soldados com suas espingardas de boca para baixo, seguiam, compassadamente, os enterros de oficiais ou de seus companheiros de farda.

Em contrapartida a toda essa liturgia dos adultos, eram alegres e risonhos os enterros de anjinhos; os sinos da Sé repicavam festivamente e a família do anjinho convidava quantos meninos pudessem para acompanhar a saída. Não havia encomendação do corpo; saiam direto para o cemitério, num alegre bando, não raro acompanhado por músicos que tocavam, durante o trajeto algumas peças alegres.


Em “A Normalista” de Adolfo Caminha, o autor descreve o enterro do presidente do Estado, personagem inspirado no governador Antônio Caio da Silva Prado, nomeado presidente da província do Ceará por carta imperial de 25 de março de 1888. Nascido em São Paulo, de família rica e tradicional, irmão do renomado escritor Eduardo Prado, foi educado na Europa, cursou Engenharia na França e formou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo. Caio Prado assumiu o governo do Ceará em 21 de abril de 1888, cercado de admiradores e elogios de simpatizantes. No entanto, ao tomar posse no cargo, revelou todo o seu despreparo e desconhecimento de como lidar com os problemas que assolavam o Ceará, e com os quais nunca convivera.
No seu governo, o Ceará enfrentava mais um período de secas, e para completar a tragédia da falta de chuvas, proliferou-se uma violenta epidemia de febre amarela, agravando o quadro de miséria para milhares de pessoas. Com a epidemia instalada no Estado, o próprio presidente foi uma das vítimas; acometido da doença, faleceu em 25 de maio de 1889. Caio Prado foi sepultado no Cemitério de São João Batista. 

Governador Caio Prado em tela de Pedro Américo (1889) acervo do MASP.


“ O enterro do presidente passava na esquina, caminho do cemitério. Maria do Carmo assistia com a respiração suspensa e um nó na garganta o desfilar do préstito, o caixão levado por seis homens de preto, cobertos de galões dourados, debaixo da chuva miúda, o acompanhamento – uma comparsaria dispersa de gente de todas as classes de chapéu-de-chuva aberto, marchando resignadamente ao som da música do batalhão, que tocava à funeral.Os padres já tinham passado, na frente com seus acólitos, muito graves, olhando para o chão evitando as poças d’água. Um carro seguia atrás, todo fechado, devagar. E a chuva a cair e a música a tocar o funeral, deixando por onde passava uma tristeza vaga, que lembrava um dia de finados entre sepulturas...." (Pag.115/116).


Fontes:
Fortaleza Velha, de João Nogueira
A Normalista, de Adolfo Caminha
fotos arquivo Nirez, wikipedia, DN

sexta-feira, 27 de março de 2015

Os Enterros realizados nas Igrejas

Até meados do Século XIX os enterros de religiosos e pessoas com alguma relevância na vida social da cidade, eram realizados nas igrejas ou nas suas imediações. Após dois anos a sepultura era aberta, e os ossos recolhidos em urnas que eram enterrados novamente. Os pobres, e os menos afortunados eram enterrados nos arrabaldes, nas areias. A prática só desapareceu quando em 1848, foi inaugurado o primeiro cemitério de Fortaleza, o São Casimiro, também chamado de Croatá, localizado no lado leste da atual Praça Castro Carreira.

Praça Castro Carreira, em fins do século XIX,  com o terreno repleto de materiais que seriam utilizados na construção da ferrovia. O prédio da estação central foi construído no local antes ocupado pelo Cemitério de São Casimiro.
 
A construção foi iniciada em 1844. Pelo regulamento de 16 de março de 1848, o presidente Casimiro José de Morais Sarmento – que emprestou o nome ao cemitério – ordenou que a partir dia 1° de maio daquele ano, os cadáveres dos indivíduos falecidos na cidade e seus subúrbios só poderiam ser sepultados no Cemitério de São Casimiro, e aquele que infringisse as normas, sofreria multa de 25$000 reis. Outra Lei, a de n° 660, de 29 de setembro de 1854, proibiu expressamente inumações de corpos em todas as igrejas da Província. 

A proibição de se sepultar cadáveres no interior dos templos estava associada à questão da higienização e da saúde pública. Segundo teorias, o ar poluído pela decomposição dos corpos poderia disseminar doenças entre os fiéis.

Em 1840 a Igreja do Rosário – a única da capital – era caracterizada como estreita. E nesse estreito recinto, sepultavam-se vários cadáveres,  de modo que os fiéis que costumavam lotar a igreja, acabavam convivendo com um ambiente insalubre e altamente contaminado. 

Templo mais antigo de Fortaleza, construído por volta de 1730, a Igreja do Rosário, passou por uma reforma em 2001, quando  foi descoberto que, debaixo do piso principal havia um outro piso com diversas divisórias. Essas divisórias correspondiam a túmulos de pessoas que ali foram sepultadas em tempos passados. Os 54 corpos foram deixados no mesmo local, anonimamente, sem qualquer indicação de que repousam sob os pés dos fiéis frequentadores do templo. 


O piso de madeira da Igreja do Rosário, sob o qual foram encontrados 54 corpos que ali foram sepultados até 1848, e o túmulo do Major Facundo, sepultado na parede da Igreja.

Um único túmulo permanece identificado: o do Major Facundo, assassinado em 1841, em decorrência de intrigas políticas, num crime atribuído à esposa do então presidente da província. O major foi sepultado na parede lateral, em pé, voltado para o Palácio da Luz, à época sede do governo do Estado.

Mesmo depois da existência dos cemitérios, a Igreja Católica conservou sua influência na “hora da morte”. No São Casimiro havia uma área reservada e marginal para os que não professavam a fé católica ou atentassem contra os princípios desta (judeus, suicidas, etc). Foi também construído um cemitério dos ingleses (para protestantes) vizinho ao São Casimiro, que era mantido pela firma de importação e exportação Singlehust  and Co, de Henrich Brocklehurst.

Capela do Cristo Ressuscitado, localizada na Cripta da Catedral de Fortaleza 

Os sepultamentos nas igrejas ainda acontecem de modo restrito e exclusivo para religiosos. Na Cripta da Catedral de Fortaleza, encontra-se a Capela do Cristo Ressuscitado, onde estão sepultadas algumas personalidades ligadas à Igreja Católica como Monsenhor Tito Guedes, Monsenhor José Quinderé  e outros, falecidos antes mesmo da inauguração da Catedral, como D. Manuel da Silva Gomes (1950) e D. Antônio de Almeida Lustosa (1974).

Mausoléu dos Religiosos Sacramentinos, na Igreja de São Benedito. 

No interior da Igreja de São Benedito, localizado na Rua Clarindo de Queirós, encontra-se o mausoléu dos Religiosos Sacramentinos, separado do corpo da nave por uma grade, onde estão sepultados padres da Ordem.


sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Na cena da Fortaleza Antiga: o Teatro da Dor

Igreja de São José antiga Catedral de Fortaleza, pouco antes da demolição
(foto arquivo Nirez)

Mandasse chamar logo o padre da Sé porque havia chegado a hora de encomendar a alma do agonizante. A Irmandade do Santíssimo Sacramento buscava as opas encarnadas para a procissão. Seguia-lhe o padre com o vinhático (a derradeira eucaristia) e o povo chorando um bendito.

O badalar pesaroso dos sinos da Matriz avisava a cidade do passamento. (Este costume foi abolido em 1878 porque a morte de alguém não afligia mais a cidade, à época torturada pelo grande número de vítimas das secas e das epidemias). A partir daí sabia-se da morte de algum morador por uma cortina preta, com uma cruz prateada no centro, posta na fachada da casa do falecido.

O velório era demorado - os vivos não tinham pressa de se livrar dos mortos - com muito chá e, às vezes, muito vinho para reanimar. O luto durava um mês, a família só saía de casa para assistir as missas do sétimo e do trigésimo dia. Só escrevia cartas tarjadas de preto e usavam luto fechado. Os desolados viúvos usavam luto pelo resto da vida.

O funeral se desdobrava na rua. O caixão era levado por parentes, amigos ou alguns gatos pingados – a pé. O padre, vestido a caráter, carregando uma cruz negra, coberta com veludo preto com franjas douradas, guiava o cortejo. O féretro passava pela catedral, onde se encomendava o corpo, e de lá seguia para o São João Batista.

Se o infortúnio dava-se à noite a cena ganhava as luzes das velas acesas, e a depender da importância do defunto, a procissão tinha a cadência da marcha fúnebre sugerida por uma banda de música.

Em contrapartida eram festivos e risonhos os enterros de anjinhos. Os sinos da Sé (os menores) repicavam alegremente e a família do anjinho convidava quantos meninos pudesse para acompanhar o cortejo. Não havia encomendação do corpo de crianças inocentes, as portas do céu estavam franqueadas para elas.

Enquanto os pequenos convidados esperavam pela hora da saída, recebiam de agrado, toda sorte de guloseimas. Depois lá se ia o alegre bando acompanhado, não raro, por músicos que tocavam polcas, quadrilhas e outras peças alegres.


Sobre os Gatos Pingados


Eram homens pagos para carregar o esquife, incorporavam o luto das casacas e cartolas pretas. Havia três categorias de gatos pingados, sendo que os de última classe apresentavam-se com uma indumentária mais simples, e, às vezes, apareciam descalços.

Iam a passos lentos – acentuados pelo efeito da pinga consumida antes do ofício. E não raras vezes aconteciam acidentes, como o que ocorreu no enterro do Comendador Luis Ribeiro da Cunha. Ao chegar ao canto da Rua das Flores (atual Rua Castro e Silva), o caixão escapou das mãos dos gatos pingados e espatifou-se nas pedras do calçamento.

Com o tempo, alguém se lembrou de explorar a indústria dos enterros em Fortaleza, procurando modernizá-los. Assim apareceram os carros funerários puxados por cavalos.

fonte:
Revista Fortaleza - Fasciculo 6

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Histórias de Fortaleza: Os Gatos Pingados

Na Fortaleza antiga, os enterros eram solenes e a pé. A frente do cortejo, a cruz alçada e o padre paramentado. O caixão do falecido era carregado por amigos, parentes ou pelos “gatos pingados”, homens contratados para levar o defunto ao cemitério. Vestiam-se com casacas compridas e negras, uma fita amarela a tiracolo, calças com listas vermelhas, cartolas altas de oleado, de abas enroladas.
O esquife era equilibrado sobre duas tábuas, em cujas pontas haviam aldravas seguras pelas mãos enluvadas dos Gatos-Pingados, e transportado num ritmo cadenciado, subindo e descendo, num caminhar lento e silencioso.
Somente homens, todos de preto, acompanhavam o féretro. Se o defunto era pessoa importante, o cortejo terminava com uma banda de música tocando peças fúnebres.
Durante um mês, a família só saía de casa para assistir as missas, de sétimo e trigésimo dia. Só escrevia cartas tarjadas de preto e usava luto fechado: os homens, camisa e terno pretos, as mulheres vestido comprido totalmente negro, a cabeça coberta por um véu. Os viúvos usavam luto fechado pelo resto da vida.


Fontes:
 História Abreviada de Fortaleza e crônicas sobre a cidade amada de Mozart Soriano Aderaldo

Fortaleza Descalça de Otacílio de Azevedo