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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Faustino de Albuquerque, um Governo de Turbulências

O governador Faustino de Albuquerque (de roupa escura) no lançamento do loteamento do que é a hoje a Praia do Futuro (foto de 1950)

O desembargador Faustino de Albuquerque Souza (março de 1947-janeiro de 1951) foi o primeiro governador eleito depois do longo período de exceção vivido no Brasil sob o Governo Getúlio Vargas e Menezes Pimentel no Ceará. Eleito pela UDN, com apoio de Olavo Oliveira e outras correntes, o velho magistrado mostrou desde cedo não ter “jogo de cintura” para aparar as arestas políticas e conduzir em paz a sua administração.
Um dos primeiros rompimentos foi com Olavo Oliveira, devido a questões ligadas à eterna divisão de cargos. Como não existia o vice, o substituto do governador era, por princípio constitucional, o presidente da Assembleia Legislativa, onde se encontrava o deputado Joaquim Bastos Gonçalves, aliado político de Olavo Oliveira, seu compadre e fiel seguidor.
Faustino viu-se acuado dentro do Palácio da Luz. 

 Palácio da Luz, residência oficial dos governadores do Estado do Ceará até 1963 (foto de 1908)
 
Nas poucas vezes em que foi obrigado a se ausentar do governo, Joaquim Bastos, em nome do “olavismo”, desmontou seu esquema, demitindo secretários, nomeando outros, instalando o caos administrativo. Havia ainda a versão de que o Presidente da Assembleia agia em perfeita sintonia com o governador quando se faziam necessárias algumas mudanças no governo.
Tudo isso se refletia na imprensa, jornais e emissoras de rádio – àquela época existiam apenas duas, a Ceará Rádio Clube e a rádio Iracema – esta pertencente aos irmãos Flávio e José Parente.  Os irmãos Parente assumiram a oposição ao governo de Faustino, aproveitando todos os deslizes políticos do governador para desestabilizá-lo. 

 Fundada em outubro de 1948, a Rádio Iracema de Fortaleza foi instalada no edíficio Vitória, na esquina das Ruas Guilherme Rocha e Barão do Rio Branco, onde ocupava o segundo andar e a "terrace" da cobertura. Hoje no local, funciona no térreo a Loja Esmeralda.

Faustino não era homem de deixar desaforo sem resposta. Um dia, mandou invadir a Rádio Iracema, prendendo locutores e redatores. A rádio apoiada na opinião pública e nos órgãos representativos da imprensa, passou a uma programação provocativa contra Faustino, apelidando-o de “Chiquita Bacana”, música carnavalesca de enorme sucesso na época.
O apelido surgiu quando o repórter Luciano Carneiro fora a Pacatuba entrevistar o governador que convalescia em sua fazenda de uma indisposição mais séria. Perguntado sobre sua recuperação, Faustino, sem aquela malícia própria dos políticos, respondeu singelamente que ficara bom graças ao leite puro de uma vaquinha chamada de "Chiquita Bacana". Foi o que bastou para a emissora soltar, inúmeras vezes, a gravação da marchinha de carnaval, na voz de Emilinha Borba.

O governador Faustino de Albuquerque (de paletó cinza riscado), quando presidia uma sessão realizada na Casa de Juvenal Galeno (foto site Casa de Juvenal Galeno)

De outra feita, Faustino bateu de frente com Jáder de Carvalho, temperamento também incendiário, homem afeito á luta em várias frentes. O governador ameaçou empastelar o “Diário do Povo”, o beligerante jornal de Jáder. Foi mais uma atitude precipitada do  governador. Jáder abriu as baterias contra o governante, procurando leva-lo ao ridículo.
No célebre “Dizem no Café Globo”, impiedosa coluna crítica do Diário do Povo, Jáder contou que Faustino, como governador, fora a um festival de música erudita no Teatro José de Alencar. No intervalo, num círculo de intelectuais e artistas, alguém perguntou ao governador se ele apreciava mais a música de Wagner, Beethoven ou Mozart, ao que ele teria respondido: 
- em negócio de música eu gosto mais daquela que fala do “pinião, pinião, pinião, pinto correu com medo do gavião” (alusão a uma velha marchinha carnavalesca)

 prédio da Faculdade de Direito

De trombada em trombada, Faustino foi complicando seu turbulento período governamental. Um dos episódios de maior repercussão e mais desgaste para o governo foi o cerco que determinou à Faculdade de Direito, onde os estudantes se concentraram decididos a resistir ao ataque da polícia estadual.
Dias de muita ansiedade e angústia em Fortaleza, tudo porque – diziam os mais íntimos dele – Faustino de Albuquerque, um homem da área jurídica, era teimoso e sem nenhum senso de humor para a política. E asseguram  que o velho político costumava ouvir conselhos do seu filho, Valmiki Albuquerque, a quem nomeou Secretário de Educação. Valmiki seria um homem rancoroso, temperamental e criador de problemas ao pai.


fotos do Arquivo Nirez
Extraído do livro de Blanchard Girão
Sessão das Quatro – cenas e atores de um tempo mais feliz 

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Jáder de Carvalho e o jornalismo idealista


O sonho do jornalista Jáder de Carvalho foi realizado em 1947 com a fundação do Diário do Povo. Ele já havia participado da criação de outros dois jornais: O Combate (1921) e Esquerda (1928). Mas é no Diário do Povo que exerce com idealismo e vigor a defesa dos oprimidos e a liberdade de expressão do pensamento.  
Em pouco tempo, Jáder já tinha um inimigo de peso, o então governador do Estado, Faustino Albuquerque, com quem trava embates de 1947 a 1948. Anti-integralista foi vítima de ataques, tiros e agressões. Quatro anos antes da fundação do jornal, havia sido denunciado como comunista e condenado a 27 anos de prisão, sendo o primeiro cearense a ser conduzido ao cárcere por sentença do Tribunal de Segurança do Estado, a justiça de exceção do Estado Novo. Depois de quase um ano de prisão no quartel do Corpo de Bombeiros, no bairro Jacarecanga, foi solto pela anistia concedida aos presos políticos (no mesmo quartel, esteve presa a escritora Rachel de Queiroz).

 Quartel do Corpo de Bombeiros, onde Jáder de Carvalho cumpriu quase um ano de prisão sob acusação de divulgar ideias marxistas. (arquivo Nirez) 
O Diário do Povo era escrito por alunos do Jáder, recrutados no Liceu do Ceará. Para ser selecionado, o candidato tinha que atender a três critérios: ser um bom aluno de história, ter paixão jornalística e ser de briga. Além dos estudantes trabalhavam na redação a esposa de Jáder, Margarida Sabóia, cronista de destaque e os filhos do casal.
O jornal tinha tiragem irregular, circulação restrita a alguns assinantes, em algumas bancas e com poucos gazeteiros, além de enfrentar algumas dificuldades operacionais. Apesar de tudo, tinha um bom número de anunciantes.
Vale ressaltar que o jornal aproveitava suas próprias páginas para criticar a censura do Estado Novo. Na edição do dia 1º de novembro de 1947, o editorial falava sobre a prisão dos originais de sua primeira edição:
"O Diário do Povo, antes mesmo de circular, teve os originais de sua edição de estreia apreendidos pela polícia, e presos o seu secretário e dois revisores, num atentado inominável à Constituição e à consciência democrática do povo cearense. Confortou-nos, entretanto, o protesto geral dos democratas brasileiros, que em todo o País, pela imprensa, pelo rádio, da tribuna do Congresso e da praça pública exteriorizavam a repulsa à atitude nazifascista do governo do desembargador sem leu, sem luz e sem inteligência...".

Depois de 14 anos, o Diário do Povo deixou de circular por problemas financeiros, deixando como legado uma época marcante do jornalista cearense. Segundo o próprio Jáder de Carvalho, em entrevista concedida ao um grupo de estudantes em 1967, essa teria sido a  melhor  fase de sua vida. “Escrevo por necessidade de desabafar. Para servir de porta-voz aos oprimidos e humilhados, que nem sempre têm uma voz fiel, exata, leal e sincera, de que eles se possam servir”.

Equívoco 

O professor Heribaldo Costa, jurista, cearense ilustre, era inimigo de Jáder Carvalho, então  diretor do Diário do Povo. Heribaldo foi à Europa, voltou. O Diário do Povo noticiou: 
Chegou da Europa o ilustre professor Hericaldo Bosta
O professor, indignado, entrou na Justiça contra o jornal. O DP perdeu a questão e foi condenado a se retratar na primeira página. Jáder de Carvalho escreveu uma nota grande, se desculpando:

Esse jornal, sem querer, por equívoco gráfico, cometeu um erro imperdoável. Chamou de Hericaldo Bosta o ilustre professor de nossa Faculdade de Direito. Sabem os leitores que jamais este jornal poderia chamar de Hericaldo Bosta um intelectual do nível e do renome do ilustre professor da Faculdade de Direito. Até porque jamais soubemos que o ilustre mestre se chamasse Hericaldo Bosta.
Mas, errar o nome de personalidades ocorre em todos os jornais do mundo. Acabamos chamando de Hericaldo Bosta o venerando catedrático da Faculdade de Direito. Cumprindo determinação judicial, estamos nos desculpando e informando aos leitores que, em vez de Hericaldo Bosta, o verdadeiro nome do distinto professor é Heribosta Caldo.

O professor Heribaldo Costa pegou um revólver e foi ao jornal matar o diretor Jáder Carvalho. Não deixaram.


Casa na Rua Agapito dos Santos, 389, onde residiu com a familia (arquivo Nirez) 
Jáder Moreira de Carvalho nasceu em Quixadá, Ceará, em 29 de dezembro de 1901 e faleceu em Fortaleza no dia 7 de agosto de 1985, aos 83 anos de idade. Bacharel pela Faculdade de Direito do Ceará em 1931, foi professor de História do Colégio Estadual do Ceará e assessor jurídico do Conselho de Assistência Técnica aos Municípios. 
Jornalista brilhante e polêmico fundou os jornais Diário do Povo e A Esquerda. Poeta telúrico de grande sensibilidade, tinha uma poesia arrebatada e comovedora. Foi um dos iniciadores do movimento modernista no Ceará, em 1927, com o livro O canto novo da raça, publicado em conjunto com Franklin Nascimento, Sidney Neto e Mozart Firmeza.

Obras poéticas: 
O canto novo da raça, 1927; 
Terra de ninguém, 1931; 
Água da fonte, 1966; 
Toda a poesia, 1973;
Alma em trova, 1974; e
Terra bárbara, publicada pelo Programa Editorial da Casa José de Alencar em 1998.

Foi também ensaísta e romancista de cunho social, inaugurando no Ceará o chamado “romance da classe média”, de fundo reivindicante.

Além de ensaios sociológicos publicou os romances: 
Classe média, 1937; 
Doutor Geraldo, 1937; 
A criança vive, 1945; 
Eu quero o sol, 1946; 
Sua majestade o juiz, 1962; e 
Aldeota, 1963. 

Foi agraciado com a Medalha da Abolição – a mais alta condecoração do estado – em maio de 1982.
Ingressou na Academia Cearense de Letras no dia 21 de maio de 1930 por ocasião da segunda reorganização do sodalício.
Ocupou a cadeira 15 (posteriormente número 14), cujo patrono é João Brígido.
Pertenceu ao Instituto do Nordeste e à Sociedade Brasileira de Sociologia.


Terra Bárbara

Na minha terra,
as estradas são tortuosas e tristes
como o destino de seu povo errante.
Viajor, 
se ardes em sede, 
se acaso a noite te alcançou, 
bate sem susto no primeiro pouso:
— terás água fresca para sua sede,
— rede cheirosa e branca para o teu sono.
   

Na minha terra,
o cangaceiro é leal e valente:
jura que vai matar e mata.
Jura que morre por alguém — e morre.

(Brasil, onde mais energia:
na água, que tem num só destino
do teu Salto das Sete Quedas
ou na vida, que tem mil destinos, 
do teu jagunço aventureiro e nômade?)
Ah, eu sou da terra do seringueiro,
— o intruso
que foi surpreender a puberdade da Amazônia.
 

Eu sou da terra onde o homem, seminu, 
planta de sol a sol o algodão para vestir o Brasil.
Eu nasci nos tabuleiros mansos de Quixadá
e fui crescer nos canaviais do Cariri,
entre caboclos belicosos e ágeis.  


Filho de gleba, fruto em sazão ao sol dos trópicos, 
eu sou o índice do meu povo:
se o homem é bom — eu o respeito.
Se gosta de mim — morro por ele.
Se, porque é forte, entender de humilhar-me, 
— ai, sertão!
Eu viveria o teu drama selvagem,
eu te acordaria ao tropel do meu cavalo errante,
como antes te acordava ao choro da viola...
pesquisa: 
Revista Fortaleza
Jornal Diário do Nordeste
Jáder de Carvalho disponível em 
http://www.ceara.pro.br/ACL/Academicosanteriores/JaderCarvalho.html