segunda-feira, 30 de abril de 2012

Museu Rocha: O Primeiro Museu Particular do Ceará


O primeiro museu particular do Ceará foi fundado pelo professor Francisco Dias da Rocha, na própria residência da família, uma casa na esquina da Avenida Tristão Gonçalves (antiga Rua do Trilho de Ferro), com a Rua São Paulo. A partir de 1898, o professor Dias da Rocha deixando o comércio, atividade que exercia até então, entregando-se completamente aos estudos das ciências, e a aquisição de espécimes da fauna e da flora cearense. 

 Professor Dias da Rocha no seu gabinete de estudos

De posse dessas coleções organizou um museu a que deu o nome de Museu Rocha, composto das seções de Botânica, Arqueologia, Mineralogia e Zoologia e um jardim com coleções de Fougeras, Cactáceas, Aráceas Cearenses e de muitas outras espécies vegetais nativas.  Para maior divulgação do acervo do museu, e  como instrumento de estudo, o professor deu início à publicação do Boletim do Museu Rocha. O primeiro número, correspondente a janeiro, foi distribuído no dia 6 de julho de 1908. 

Passeio público, onde por diversas vezes o Professor Dias da Rocha se deslocava com seus alunos da Escola de Agronomia, para dar aulas prática de botânica

O Museu Rocha foi instalado na Avenida Tristão Gonçalves, nos prédios n°s 157, 161 e 167, imóveis adquiridos pelo pai de Francisco dias da Rocha, fundado por iniciativa particular e exposto à visitação pública aos domingos, sem que para isso, tenha recebido qualquer subvenção  dos órgãos públicos, para manutenção ou aquisição das coleções.  Com o tempo, o Museu Rocha foi agrupando outras coleções às já existentes, ficando com 850 exemplares, considerada a maior coleção da América do sul.  Das coleções constavam peças como animais empalhados, coleções da  fauna cearense, utensílios, adornos indígenas, cachimbos,  coleções arqueológicas, variada coleção mineralógica, tudo regional. 

 Professor Dias da Rocha, aos 70 anos, no jardim de sua residência à Rua 24 de maio, 214

Sessenta anos depois de sua fundação, o Museu Rocha foi desapropriado pelo Governo do Estado do Ceará, subdividindo suas coleções, destinadas a diversos órgãos do Estado, como Secretaria de Agricultura, Escola de Agronomia, Instituto de Educação Justiniano de Serpa, onde se reorganizou o Museu Professor Dias da Rocha, a cargo da professora Adelides Arrais

extraído do livro
O bonde e outras recordações, 
de Zenilo Almada

domingo, 29 de abril de 2012

O Fim Melancólico do Colégio Júlia Jorge



O colégio foi inaugurado com pompa e circunstância, no dia 24 de junho de 1966, com a presença do presidente da república, do Governador do Estado, e outras autoridades. Foi instalado na esquina das ruas General Piragibe com a Azevedo Bolão. Estabelecimento de ensino da rede cenecista, o Júlia Jorge foi a grande opção de escola de boa qualidade para moradores dos bairros da Parquelândia, Parque Araxá, Monte Castelo  e vizinhanças.  Em 2007, fechou, encerrou as atividades, segundo dizem, por falta de alunos. Depois, o prédio foi vendido a uma imobiliária, e já começou a ser demolido. No local, serão construídos uns blocos de apartamento.



Estudei no Júlia Jorge, no que seria hoje parte do primeiro grau e todo o segundo grau, direção do Professor Eufrásio e depois (ou antes, não lembro direito) do professor Lúcio Melo, numa época em que agredir ou desacatar professores era algo absolutamente impensável,  os encontros com colegas na porta da escola, era amistosos e divertidos, e as instalações e móveis da escola era bem conservados, porque depredar bens públicos era inadmissível. Coisa de gente sem educação. 

fotos: Fátima Garcia

sexta-feira, 27 de abril de 2012

As Calçadas Altas


Rua d'Amélia (Senador Pompeu) a partir da Travessa da Misericórdia (Dr. João Moreira) totalmente residencial, com ficus-benjamins recortados em forma de meias esferas. A pavimentação era de concreto. (foto acervo Marciano Lopes)

Na primitiva Rua Amélia, atual senador Pompeu, havia uma elevação muito sensível  entre as Ruas das Hortas e Assembleia (atuais Senador Alencar e São Paulo). Eram os restos de uma lombada que formava a vertente sul de um riacho que vinha do campo da Amélia vasto território e imenso areal onde hoje se acham situadas a Praça Castro Carrera (ou Praça da Estação) e vizinhanças.
Pela convergência das águas pluviais para o cruzamento da Rua Formosa (Barão do Rio Branco) com o das Flores (Castro e Silva), esse riacho ali fazia junção com o Lagoinha. Este local ficava inundado no tempo das grandes chuvas. Havia ainda, no meio das ruas, um poço redondo, a boca protegida por uma grade circular de ferro. Era a entrada de uma galeria subterrânea, que levava ao mar as águas pluviais ali acumuladas.

Rua Major Facundo entre Liberato Barroso e Guilherme Rocha (arquivo Nirez)

Nos princípios do século XIX esses riachos, já reunidos, passavam pelo local do sobrado do Dr. José Lourenço, à Rua da Palma (Major Facundo), onde estava o Tribunal da Relação; pelos terrenos vizinhos e no sobrado onde funcionou a botica de Turíbio Mota, na Praça da Assembleia; e daí continuando pelo Beco do Inglês (mais tarde Travessa Crato), ia desaguar no Pajeú, à Praça da Matriz (Praça da Sé), próximo a Rua do Sampaio (Governador Sampaio).

Praça da Sé em data não especificada (Arquivo Nirez)

Um dia a Câmara Municipal mandou abaixar o calçamento daquele trecho da Rua Amélia, deixando-a num nível muito mais baixo. Em consequência, as calçadas que acompanhavam  e conservavam a ondulação do terreno, ficaram altas, e em alguns pontos, com cerca de dois metros acima do calçamento. Subiram sem se elevar, no dizer de Euclides da Cunha.
Estas calçadas, especialmente as do lado da sombra, eram estreitas, desiguais e perigosas. Não permitiam as amplas rodas de calçadas, tão do gosto do fortalezense; e vários transeuntes levaram ali boas quedas.
O jornalista João Brígido morava em plenas calçadas altas, e aborrecido com os inconvenientes que traziam, abaixou um pouco a sua, para tempos depois, deixa-la ao nível atual, quando se fez o rebaixamento geral daquelas calçadas.
Ainda na Rua Amélia, em 1876, havia no quarteirão do Teatro São José ¹, havia umas casas, do lado do sol, que tinham batentes de alvenaria na porta da rua. Provavelmente ali também houve calçadas altas em época remota. A mesma coisa parece ter acontecido na Rua Municipal (atual Guilherme Rocha), onde algumas casas tinham uma escada de acesso para a sala da frente, o que indica ter-se rebaixado o leito primitivo da rua.

Rua Barão do Rio Branco entre Liberato Barroso e Guilherme Rocha em 1910 (arquivo Nirez)

Se a Câmara Municipal resolvesse nivelam também a Rua Formosa (Barão do Rio Branco), desde a Rua D. Pedro (Pedro I) até a Assembleia, as calçadas do trecho entre Trincheiras e Municipal (Liberato Barroso e Guilherme Rocha) ficariam tão altas que o sobrado do Farias e do antigo Ateneu, seu  vizinho, ficariam com ares de arranha-céu. Antes da aparição destas calçadas altas, era o sótão daquele sobrado o ponto mais elevado da cidade.

Extraído do livro
Fortaleza Velha, de João Nogueira 

1. O Teatro São José atualmente localizado na Rua Rufino de Alencar, foi inaugurado em 1875, na Rua Amélia, correspondente aos números 921 e 937, entre as ruas Guilherme Rocha e Liberato Barroso, segundo Raimundo Girão, em Geografia Estética de Fortaleza, p 211.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

O Bonde do Benfica


Cupom de bonde da Ceará Light - a passagem custava 100 réis. E o detalhe: a Light resgataria o cupom em favor das obras de caridade. Na desparecida Padaria Palmeira, (esquina da senador Pompeu com Guilherme Rocha) havia uma urna em que o povo depositava os cupons para os pobres (arquivo Blanchard Girão)
   
A partir de 1913, quando os bondes elétricos passaram a substituir gradativamente, os bondes movidos a tração animal, andar de bonde passou a ser um dos mais hilariantes passeios que se podia experimentar.  As distâncias pareciam menores, ou os caminhos cumpridos pelo veículo, encurtaram  entre os diversos pontos da capital.
Os bondes se recolhiam na estação que se localizava na confluência da Rua D. Leopoldina com a Avenida Visconde do Rio Branco, antigo Calçamento de Messejana, e de lá partiam para os diversos pontos da cidade.  
A movimentação começava cedo, logo às 5 horas, com cada um dos operadores do veículo,  equipado com os instrumentos de trabalho – cupons, dinheiro trocado para passar troco, uniforme adequado – o cobrador  geralmente vestido com uniforme de brim e com boné da mesma cor ou cáqui e quepe do mesmo tecido.
Quem precisava sair cedo de casa para pegar o bonde, experimentava momentos agradáveis ao sentir que a cidade ainda dormia, desfrutando da calma que reinava nas ruas, onde podiam ser vistos os padeiros, verdureiros, leiteiro, todos nas suas lides em busca de fregueses para seus produtos. Muitos deles utilizavam burros e cavalos.

Para que os bondes não utilizassem a mesma linha ao mesmo tempo, interrompendo a ultrapassagem, havia um desvio na própria linha, passando um pelo outro sem nenhum impasse. Em alguns desvios havia uma espécie de agulha, que virava a posição do trilho. (Avenida Visconde de Cauípe, atual Avenida da Universidade, em foto do arquivo Nirez)

O bonde seguia desenvolvendo sua marcha normal, quebrando com o barulho sobre os trilhos, som a que os passageiros já estavam habituados,  despertando para o amanhecer do dia com o toque da sineta anunciando a descida, bem como o toque para prosseguir. Quando se aproximava o horário de finalizar o expediente, 11 horas, era colocado  no local do nome da linha a palavra Recolher. Assim todos tinham conhecimento do horário, e partir dai o bonde não pegava mais nenhum passageiro, nem parava nos pontos. Se apresentasse algum defeito durante o trajeto, era colocada a placa indicativa – Estação – sendo substituído por outro veículo. Sua retirada para a Estação do Bonde, ponto de recolhimento era obedecida com rigor, dentro do horário estabelecido.

 final de linha do bonde do Benfica, e o início da Avenida João Pessoa (arquivo Nirez) 

O bonde que fazia a linha do Benfica cobria a parte  sul da cidade. O bairro, àquela época era considerado um dos mais elegantes de Fortaleza, porque era onde residiam  algumas das famílias mais mais abastadas. Como os demais, o bonde do Benfica saía da Praça do Ferreira, em frente ao Palacete Ceará, seguia pela Floriano Peixoto e tinha o ponto final  em frente a Igreja de Nossa senhora dos Remédios, na Avenida Visconde de Cauípe, atual  Avenida da Universidade, quando inicia a avenida João Pessoa. 

o bonde que circulava em Fortaleza era o chamado Tramway, movido a eletricidade, amplo e arejado, porquanto todo aberto, valendo-se de sanefas de listras verdes e brancas como proteção da chuva e do sol mais intenso. Possuía dois estribos laterais, além de para-choques na parte posterior - igual de ambos os lados, trocando-se no final da linha, a posição da lança condutora de energia e o lugar do motorneiro. (foto: arquivo Nirez)

O trajeto se iniciava na Praça do Ferreira, lado leste da Rua Floriano Peixoto  e passava em frente ao Bar Jangadeiro, casa de lanches e sorvetes de propriedade do comerciante Luis frota Passos. Nesse local funcionou também a Farmácia Faladroga, hoje o local está ocupado com diversas lojas de tecidos.  O bonde então dobrava na Rua Guilherme Rocha, seguia numa linha reta até alcançar a Rua General Sampaio, em cuja esquina permaneceu por longos anos o famoso Bar Americano,  ponto de parada de frequentadores,  moradores do Benfica, que ali apanhavam o bonde para se dirigir às suas residências.

A Rua General Sampaio, estava no trajeto do bonde do Benfica (arquivo Nirez) 

Quando o bonde dobrava à esquerda na Rua General Sampaio, seguia em linha reta até ultrapassar a Praça Clóvis Beviláqua, seguindo pela Avenida Visconde de Cauípe. Ao chegar ao final da linha – Igreja Nossa senhora dos Remédios, o bonde virava a lança e os bancos para fazer o itinerário de volta ao centro.  Fazia o mesmo trajeto, pela Avenida da Universidade e na Rua General Sampaio dobrava à direita da Rua Clarindo de Queiros, seguindo por trás da Igreja do Carmo, para entrar à esquerda  na Rua Floriano Peixoto até chegar à Praça do Ferreira.  

fontes:

terça-feira, 24 de abril de 2012

A Parada do Chico Manuel

Rua da Lagoinha, depois da ampliação, Rua do Trilho de Ferro, atual Avenida Tristão Gonçalves (arquivo Nirez)

Logo após a inauguração da Via Férrea de Baturité, o trem saía da cidade pela Rua da Lagoinha que, naqueles idos de 1871, estava apenas esboçada  e era muito estreita nas vizinhanças da atual Praça da Estação (Praça Castro Carrera).
Por este motivo, e para ampliar a faixa de terreno necessária à linha, a Câmara Municipal, em sessão de 18 de outubro daquele ano, mandou alargar a via com mais de 40 palmos, por onde deveria passar o trem, sendo esse espaço tirado dos quarteirões que ficavam no poente da rua.
Seguindo em tangente por esse caminho, a linha férrea cortava perpendicularmente todas as ruas, desde a das Flores até a do Livramento; e daí, continuando, já nas areias e fora da cidade, entreva na Curva do Amaral, no quilômetro 2.
No cruzamento com a Rua das Trincheiras paravam os trens de Maranguape, quer na ida, quer na volta. E para facilitar o embarque e desembarque de passageiros, havia junto à esquina daquela rua, e para o lado da estação, uns extensos degraus de madeira, ao longo dos quais os trens paravam. Era a parada do Chico Manuel.
A linha foi transferida da Rua da Lagoinha para além do cemitério, em 16 de outubro de 1917; porém, muito antes disso, aí por volta de 1880, a parada ainda servia ao público. Este desembarcadouro era bastante utilizado pelos moradores da redondeza, dispensando-os de longas caminhadas de ida e volta à estação central.  A população devia tão grande comodidade à influência e ao prestígio do coronel Francisco Manuel Alves, e o povo batizou aquela parada com o nome de seu prestimoso criador.  


Extraído do livro
Fortaleza velha, de João Nogueira 

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Sob o Signo da Violência

Cartão-postal da Fortaleza de N.S. da Assunção, início do século XX  (imagem Ah, Fortaleza!) 

Fortaleza é uma cidade constituída sob o signo da violência, erigida a partir do binômio da política colonial – a Fé e o Império – associação esta que redundou no posto avançado da Coroa lusitana fincado nas areias do Siará Grande, a resguardar a integridade territorial das investidas de piratas e expedições estrangeiras.
Essa cidade encarna no próprio nome sua primeira função: Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. A espada e a cruz, o forte militar e a santa padroeira, o canhão e a capela, o sangue do inimigo e o Sangue de Cristo. Violência que se afirma na proteção garantida pela pólvora e a hóstia, destinada a subjugar outros modos de vida e reprimir conquistadores de outras nações do Velho Mundo.


A localização da fortaleza que aglutinou uma tímida povoação nas proximidades do riacho Pajeú, representou ela própria um elemento de disputa colonialista. Inicialmente foi construída por forças holandesas, sob o comando de Matias Beck, que ocuparam as capitanias de Pernambuco e Bahia, na primeira metade do século XVII, recebendo o nome de Schoonenborch, em homenagem ao então governador flamengo de Pernambuco. 
Tendo como propósito maior a posse, ocupação e efetiva exploração econômica de zonas produtoras de açúcar no norte da colônia, os holandeses montaram praças armadas ao longo da costa para reforçar suas defesas territoriais. Sua presença nestas terras se deveu também à perspectiva de encontrar grandes minas de prata da Serra da Itarema (atual Maranguape).


Com a expulsão dos holandeses em sua segunda incursão ao Ceará (1649-1654), a construção militar originária, parcialmente destruída pelo assédio de contingentes indígenas, deu lugar à fortaleza erguida pelo reino português, cujo entorno constitui o núcleo primeiro da futura vila. A filiação ao catolicismo se faria presente com a nova denominação, evocando poder e proteção da santa padroeira, numa terra que se presumia esquecida por Deus.
Enquanto o estado português assumira, desde sua fundação no século XII, uma estrutura monárquica e centralizadora, sendo reconhecidamente um dos grandes bastiões do catolicismo no continente europeu em princípios da era moderna, os holandeses eram majoritariamente protestantes, e estavam organizados sob a forma de uma confederação republicana.  


Portanto, o conflito entre portugueses e holandeses se traduz também na filiação a diferentes expressões religiosas e formas de governo. Em contraposição ao forte Schoonenborch, os portugueses reafirmaram o poder católico com a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção.  O forte de N.S. d’Assunção reitera a preponderância lusitana nesta porção das Américas. Sua inscrição numa paisagem imensa e desoladora denota também as limitações do empreendimento colonial em terras longínquas. Em suas muralhas se inscreve uma obsessão de segurança, sua presença se transforma na própria salvaguarda da tímida aglomeração urbana que se delineia. 


As peças de canhão protegem a vila de investidas estrangeiras pelo mar. A tortuosa solidez do forte garante certo distanciamento das temidas incursões indígenas, notadamente os “selvagens”. Que se moviam pelos sertões da capitania.
Em fins de 1810 e primórdios de 1811, esteve na pequena vila de Fortaleza o viajante anglo-português Henry Kostner, autor do livro - Viagens ao Nordeste do Brasil – onde registra algumas de suas impressões sobre a sede da capitania do Ceará:  “A fortaleza, de onde a vila recebe a denominação, fica sobre uma colina de areia, próxima às moradas e consiste num baluarte de areia ou terra, do lado do mar, e uma paliçada, enterrada no solo, para o lado da vila, contém quatro peças de canhão, de vários calibres, apontadas para muitas direções. Notei que a peça de maior força estava voltada para a vila. A que estava montada para o mar não tinha calibre suficiente para atingir um navio no ancoradouro comum. O armazém da pólvora está noutro ponto da colina e é visto do porto”.


A menção do cronista aos canhões do forte incita uma provocação interessante, pois observa que a arma de maior calibre estava direcionada para a própria vila. Se tradicionalmente na história do Brasil, se atribui a construção de bastiões militares à defesa territorial dos ataques de invasores europeus (franceses, holandeses, ingleses, espanhóis),  no caso de Fortaleza se percebe uma preocupação maior com as ameaças que não provêm do mar, mas da terra. 
Com o canhão mais potente voltado para o interior do aglomerado urbano, as autoridades locais revelavam que o perigo maior vinha do continente, que havia um temor contínuo de ataques por parte dos indígenas. 


A proteção representada pela construção militar ultrapassa seu discutível poder de fogo, pois reitera a força do sagrado, que se traduz na capela interior ao forte, guarnecida pela imagem da Mãe de Deus. Numa terra remota e desconhecida, invocar Nossa Senhora constitui prática corrente entre os portugueses,  mobilizando os poderes divinos na salvaguarda física e espiritual dos colonizadores católicos.


fotos Rodrigo Paiva

Extraído do livro, 
Fortaleza, imagens da cidade, 
de Antônio Luiz Macedo e Silva Filho

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Os Sinos das Dores

Chamada para a missa de cinco horas da tarde de domingo, na Igreja de Nossa Senhora das Dores, em Otávio Bonfim (ou Farias Brito, nome oficial). O som marcante destes sinos faz parte da memória coletiva do bairro há setenta anos. 
Uma curiosidade: os sinos vieram da Alemanha, por intermédio da firma Saunders, Barbosa & Cia. E têm nome:  O maior deles leva o nome da padroeira da paróquia: N. S. das Dores. O médio, ou o do meio tem o nome de São Sebastião e o menor, chama-se São Jose.


Quem vive ou viveu em Otávio Bonfim, sendo católico ou não, reconheceria essa belíssima musicalidade em qualquer lugar do mundo.

terça-feira, 17 de abril de 2012

A Questão do Limite Fortaleza – Maracanaú


 Década de 60 - vista aérea do centro, com a Catedral em construção (arquivo Nirez)

Em 1960, Fortaleza contava com 507.108 habitantes, e era dividida em Cidade Leste e Cidade Oeste, separadas pela rua-eixo constituída da sequência das seguintes avenidas e ruas: Avenida Alberto Nepomuceno, Rua Conde D’Eu, Rua Sena Madureira,  Avenida Visconde do Rio Branco e estrada federal BR-13. 
A partir dessa rua eixo, no sentido Leste, os logradouros tinham uma denominação e uma numeração, e no sentido Oeste, outra denominação e outra numeração.   
Os limites do município eram muito bem definidos:
ao Norte com o Oceano Atlântico, da Barra do Rio Ceará à Ponta do Mucuripe;
A Leste, com o mesmo Oceano, da Ponta do Mucuripe à barra do Rio Pacoti, e com o município de Aquiraz, a começar da barra, seguindo pelo mesmo rio Pacoti até sua confluência com o rio Gamboa da Cunhã. Desta confluência, em linha reta, até a parte mais norte da Lagoa da Precabura, seguindo por meio desta até sua parte mais sul, na foz do rio Coaçu e daí, por este rio acima, até a foz do seu afluente Carro Quebrado. Por este até a ponte situada no seu cruzamento com a estrada federal BR-13. 

 Lagoa da Precabura, entre Fortaleza e Eusébio (foto Viva Fortaleza)

Ao Sul, com os municípios de Pacatuba e Maranguape, por uma linha reta que, partindo da referida ponte na BR-13 vá atingir o serrote Ancuri. Deste, por outra linha reta até a foz do riacho Timbó ou Jereraú, no Rio Cocó, e daí, por uma linha reta, ao sangradouro da Lagoa do Mingau. Deste ponto, também em linha reta, à confluência do desaguadouro da Lagoa Jari com o rio Maranguapinho, seguindo outra linha reta até o cruzamento da chamada Estrada da Ribeira com o rio Urucutuba.

 O sangradouro da Lagoa do Mingau era um dos limites Sul de Fortaleza. Hoje a lagoa está localizada no conjunto industrial de Maracanaú e é alvo de lançamento de esgotos industriais. (foto: http://www.panoramio.com/photo/32517104)

A Oeste com o município de Caucaia, do referido cruzamento em linha reta, até o bueiro da Estrada de Ferro Fortaleza-Sobral sobre o rio Tatumundé, descendo por este até seu encontro com o rio Maranguapinho. Por este, até a sua junção como o rio Ceará, descendo por este até o Oceano.
O território de Fortaleza era dividido em Distritos: Distrito Central, cuja sede era Fortaleza; Distrito de Messejana; Distrito de Parangaba e o Distrito de Antônio Bezerra. Os limites dos Distritos eram indicados em lei estadual.

 Mapa de Fortaleza em 1952

 mapa atual de Fortaleza (google)

Com a expansão da cidade e da região metropolitana, alguns desses limites, notadamente o  Sul, teve seu referencial modificado,  e causou uma indefinição no limite da cidade. Maracanaú, localizado na Região Metropolitana,  era parte de Maranguape.  Em 1983, emancipou-se definitivamente, passando a figurar como limite de Fortaleza juntamente com Pacatuba e Itaitinga. O problema é que não ficou definido onde termina um município ou onde começa o outro.  
A conta do imbróglio ficou para a população que mora no limite entre Fortaleza e Maracanaú, que não sabe de quem cobrar serviços básicos, como o serviço de esgoto e atendimento em postos de saúde.  No traçado dos mapas oficiais, há muitas divergências. Existem ruas que estão no mapa dos dois municípios. E há casas em que a frente pertence a Fortaleza e o quintal ao município vizinho.

 Maracanú - Distrito Industrial (foto jangadeiro online)

A “conurbação”, fenômeno que acontece quando dois municípios se unem como se fossem o mesmo,  tem deixado a população que mora nessas áreas em dúvida. No Siqueira, bairro que fica no limite de Fortaleza e Maracanaú, os moradores nem sempre sabem em que município vivem.  Pelo mapa, o bairro do Siqueira figura nos dois municípios.
O cruzamento entre as ruas Santo Antônio e Ralf Colares Cavalcante, no mapa de Fortaleza, pertence a Maracanaú. Mas as contas que chegam, confundem os moradores: a de água veio com o endereço em Fortaleza, já na de luz, a cidade é Maracanaú.
O problema que os moradores da região enfrentam chegou ao IBGE. No último censo, foi preciso preparar um traçado próprio. Os limites previstos pelos municípios passam bem no meio de alguns imóveis. “Para quem faz o trabalho de censo do IBGE, nós tivemos que fazer um ajuste de forma tal que pudéssemos trabalhar no sentido de coletar as populações”, explicou o coordenador do setor da base territorial do IBGE, José Carlos.
A situação perdura já há alguns anos, sem muita perspectiva de que venha a solucionada num curto ou médio prazo. Pior para os moradores.

fonte:
Guia Turístico da Cidade, editado pela Prefeitura de Fortaleza em 1961, administração do General Manuel Cordeiro Neto.
Jornal Diário do Nordeste
wikipédia

domingo, 15 de abril de 2012

A Definição do dia do Aniversário de Fortaleza



Planta da Vila de Fortaleza feita pelo capitão mor Manuel Francês, e maquete baseada no desenho acima, feita por técnicos do Museu do Ceará. 

A escolha do dia 13 de abril de 1726, como marco da criação da cidade de Fortaleza, foi decorrente de um projeto, apresentado e defendido pelo vereador Idalmir Feitosa, que foi transformado na lei Municipal n° 7535, de 16 de junho de 1994, que instituiu a data de 13 de abril como o Dia da Cidade.  A lei, aprovada pela Câmara Municipal entrou em vigor no ano seguinte e logo se incorporou ao calendário de eventos da cidade.

A Vila de Fortaleza de Nossa senhora da Assunção ou Porto do Siará, atribuída a Francisco Antonio Giraldes. No mapa de 1811 podem ser identificadas duas igrejas, a da Sé e a do Rosário. ((Ah, Fortaleza!)   

A data foi escolhida de forma um tanto aleatória: Cláudio Pereira, então presidente da Fundação Cultural do Estado, procurou o escritor e professor da UFC José Liberal de Castro , no sentido de que o ajudasse a escolher uma data na qual a cidade de Fortaleza comemorasse alguma referência  significativa do seu passado. Argumentava que vinha recebendo insistentes solicitações de um vereador sobre o assunto, e como estava encontrando dificuldades em responder satisfatoriamente à consulta, pediu ajuda ao professor.
Liberal de Castro ofereceu ao Presidente da Fundação Cultural do Estado uma curta lista de datas, acompanhadas de considerações pertinentes, a fim de que se optasse por uma. Alertou ainda o professor de que as datas não ao deveriam ser consideradas propriamente como referências históricas, carregadas de conotações heroicas ou ideológicas, mas como simples marcos simbólicos congregadores. Nessa perspectiva, qualquer das datas poderia ser escolhida.


A data de 13 de abril foi rapidamente incorporada ao calendário de festas em Fortaleza. Nas fotos acima, a comemoração do aniversário da cidade, na Praça do Ferreira, em 2011. (fotos Fátima Garcia)

Após estabelecer as devidas considerações, Cláudio Pereira optou pela data de 13 de abril de 1726, decisão que, juntamente com os argumentos significativos da escolha, logo foi levada ao conhecimento do vereador Idalmir Feitosa, interessado na consulta, que aceitou sem relutância a data sugerida.
A data de 13 de abril de 1726 comemora o dia da instalação da Vila de Fortaleza de Nossa senhora da Assunção da Capitania do Siará Grande, ocorrida há 286 anos. Refere a data da emancipação política e administrativa do município, seu nascimento oficial. Lembra ainda a data da instalação da Câmara Municipal de Fortaleza e da assembleia diretiva dos destinos da Cidade.

Extraído do artigo As Comemorações do 13 de Abril, de José Liberal de Castro, publicado em Ah, Fortaleza! 2ª edição, 2009.