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sexta-feira, 23 de junho de 2017

Quando Fortaleza ficou refém dos Rabos-de-Burro


Praça do Ferreira com o Abrigo Central e o Edifício São Luiz em construção. Assim era a praça no tempo dos rabos-burro.


Na então pacata Fortaleza do início dos anos 50, que contava menos de 300 mil habitantes, a bebida da moda era Ron Montila com Coca-Cola, dançava-se ao som do bolero e da música romântica em geral. Muitas paixões, encontros e desencontros, marcaram as idas e vindas do agregado familiar nos clubes, em busca de diversão, desafogo e sobretudo, de romances e casamentos. Num tempo de tanto romantismo, a cidade deparou-se com um fenômeno de violência urbana absolutamente discrepante de sua existência tranquila.

Nessa época, a população assistiu estarrecida o surgimento de um bando de desordeiros que ficariam conhecidos por “rabos-de-burro”, jovens endiabrados e rebeldes, pertencentes às classes média e alta. Os rabos-de-burro perturbavam as festas, os cabarés, o trânsito. Ostentavam lambretas e carrões da moda importados, que o Brasil ainda não tinha indústria automobilística.

A ação desses desordeiros não representava nenhum movimento de contracultura ou rebeldia sem causa, era apenas e simplesmente, molecagem de “filhinhos de papai”, insubmissos às regras do ordenamento social e policial do seu tempo.

Famílias atingidas buscavam sem êxito, a proteção policial. Os “meninos” de luxo, fortes, saudáveis, bonitos e em sua maioria ricos, pertenciam a classes abastadas, andavam em reluzentes cadilacs, que fascinavam as moçoilas do seu mesmo estamento social e varavam os quatro cantos da cidade na prática dos mais absurdos e inacreditáveis desmandos.

Enquanto a maioria, temerosa e impotente se encolhia; enquanto os pais de família da burguesia, minimizava e acobertava a ação de seus filhos marginais; enquanto a Polícia e a justiça revelavam sua face ostensivamente classista, os “meninos” avançavam mais e mais em suas arruaças.

Já não mais se limitavam às perturbações que promoviam nas famosas "sessão das quatro" do Diogo, ou das ruidosas matinês do Cine Rex, na Rua General Sampaio. Ao contrário, eles atuavam com uma crescente violência: acabavam com festinhas de 15 anos, entrando como penetras, na marra, afrontando e agredindo os donos da casa e seus convidados, truncavam sessões de cinema com sua algazarra, jogavam seus automóveis sobre logradouros públicos, inclusive em plena Praça do Ferreira. Batiam e feriam desafetos nas pensões alegres, costumeiramente depredadas por eles, de modo particular a Gaguinha, a Santa e a Margô, as mais elegantes daquela fase de Fortaleza. 

prédio da antiga Escola Normal atual Colégio Justiniano de Serpa


Alunas de estabelecimentos de ensino tradicionais como Escola Normal, Colégio da Imaculada Conceição e outros viviam em polvorosa diante da possibilidade de serem vítimas do próximo ataque. A preocupação dos pais com a segurança das filhas era constante.

Em 1954 uma vereadora pedia uma resposta concreta da policia ao terror implantado na cidade pelos chamados rabos de burro, especialmente com relação aos estabelecimentos de ensino mais atingidos por esses indivíduos.

Ninguém estava livre da sanha dos desordeiros: certa noite, no auge da movimentação das quermesses da Igreja de São Benedito – festa ao ar livre promovida pelas igrejas em datas festivas – aportou uma turma de rabos-de-burro, chefiada por um elemento dado a arruaças, valentão e perigoso, mas que exercia indiscutível liderança entre os que, como ele, se dedicavam a desordens e confusões. Tratava-se de um jovem de classe média alta, filho de um empresário.

À chegada deles se instalou o caos. Praticaram toda sorte de desmandos. Quebraram mesas e cadeiras, agrediram rapazes, desrespeitaram mulheres e crianças e os que tentavam contê-los em sua fúria. Como sempre acontecia quando eles chegavam, a festa acabava.

Os fatos de tal gravidade, começaram a ganhar espaços nos jornais, a princípio através de tímidas notinhas na seção de queixas e reclamações, depois em registros de notícias policiais.

Em outra ocasião, os baderneiros promoveram um violento quebra-quebra no boate Tabariz, casa noturna localizada na Praia de Iracema, que costumava receber figuras de certa expressão social na cidade. Os rabos-de-burro resolveram destruir a conhecida casa noturna. Não deixaram nada em pé, bateram forte em homens e mulheres, num desvario realmente estarrecedor. 

A Boate Tabariz funcionava na Avenida Pessoa Anta, 120, na Praia de Iracema. Era de propriedade do famoso Zé Tatá, alcunha de José Vicente de Carvalho 


A destruição da Tabariz chegou às manchetes dos jornais, ao noticiário das emissoras de rádio. E a partir daquele acontecimento, os jornais, especialmente os da rede “Associada” – Correio do Ceará e Unitário – decidiram declarar guerra aos delinquentes grã-finos. A questão tornou-se assunto diário, obrigatório das folhas, e o Correio do Ceará escalou alguns dos seus melhores repórteres para escrever matérias de profundidade, uma espécie de jornalismo investigativo, denunciando as ações das quadrilhas e exigindo ação das autoridades policiais que continuavam omissas.

O acobertamento das desordens, a omissão da polícia (havia ao que se sabe, relações de parentesco entre altas autoridades e membros das gangues de rabos-de-burro), e a impunidade assegurada provocaram a proliferação desses bandos. Surgiram outros, autênticas quadrilhas – genericamente cognominados de rabos-de-burro: desordeiros da Aldeota, do Jacarecanga, do Benfica, do Alagadiço, de toda parte, vinham se agregar ao grupos do “Pinduca”, do “Cabeção” e de outros chefetes da malta de delinquentes milionários que infernizavam a vida citadina.

Os desmandos dos rabos-de-burro atingiram seu clímax com o espancamento e morte de um rapaz em plena praça do Carmo. O moço desafiara a truculência do bando e foi covardemente assassinado. Trata-se de um bancário chamado Vanir, e o crime obrigou a polícia a agir com mais rigor na realização do inquérito, de modo a punir os autores. Três ou quatro arruaceiros acabaram condenados a penas relativamente suaves, de dois a três anos, recuperando cedo a liberdade. 

A ação foi arrefecendo e teve, mais tarde, um desfecho trágico: um dos principais líderes daquela turma de baderneiros viria a ser morto num manhã de Domingo na Praia de Iracema, vítima da vingança de outro jovem, que horas antes ele havia surrado num cabaré. Aquele fato, já no ano de 1957, marcaria o fim da carreira de violências de um numeroso grupo de jovens bem-nascidos, que tiveram um período de vida assinalado pela turbulência de suas ações. 

Fontes:
Girão, Blanchard. Sessão das Quatro cenas e atores de um tempo mais feliz. ABC: Fortaleza, 1998.
JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. Verso e reverso do perfil urbano de Fortaleza (1945-1960) São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto do Estado do Ceará, 2000
fotos IBGE, Anuário do Ceará e Arquivo Nirez


domingo, 13 de novembro de 2011

As Quermesses de São Benedito

Nos idos dos anos 1950 a Avenida do Imperador abrigava, em centenas de casas quase todas geminadas, inúmeras famílias de classe média que, pela proximidade da moradia, viviam de maneira quase fraternal. Daquele tipo de relacionamento que permitia as visitas constantes, a troca de favores, os pedidos de empréstimos, coisas assim, que faziam de um lar o prolongamento do outro, salvo algumas exceções.

Avenida do Imperador, década de 1950 (arquivo Marciano Lopes)

E no meio dessas famílias, fortalecendo laços, estava a Igreja de São Benedito, localizada entre as transversais das ruas Clarindo de Queiroz e Meton de Alencar. Nas atividades típicas da época, a Igreja de São Benedito, sob a responsabilidade dos padres Sacramentinos, além das obrigações religiosas, fazia constantes festas e quermesses. 


Antiga Igreja de São Benedito, (inaugurada no ano de 1885) ficava na Avenida do Imperador. Quando o novo templo foi construído, no mesmo quarteirão, uma livraria católica passou a funcionar no local. A antiga igreja foi demolida na década de 1990. (arquivo Nirez)
   
No Natal, na Páscoa, nas festas juninas de Santo Antônio, São João e São Pedro, os padres não deixavam por menos: organizavam quermesses aproveitando os generosos espaços em frente e o lado da igreja, decorando-os com bandeirolas coloridas, mesinhas para jogos de prendas e outros atrativos, onde o ponto alto era um animado e barulhento leilão.

As novenas e quermesses de São Benedito integravam o calendário festivo não apenas dos moradores da Imperador e adjacências – Tristão Gonçalves, 24 de Maio, Princesa Isabel, Meton de Alencar, Praça São Sebastião – mas de pessoas de outros bairros mais distantes, todos atraídos pela animação características dos eventos.


A Atual Igreja de São Benedito 

Entre os coordenadores destas festas estava a figura carismática de José Limaverde, locutor pioneiro do rádio cearense, apresentador de dois dos mais famosos programas da antiga PRE-9 – primeira e, por muito tempo única, estação de rádio da cidade: Coisas que o Tempo Levou nas noites de 6ª feira, e Bazar de Música, nas noites de domingo. Limaverde e esposa, junto com outros casais, cuidavam da organização das quermesses de São Benedito com carinho e desvelo. 




Os frequentadores eram praticamente os mesmos que iam à igreja: adolescentes, crianças, senhoras e cidadãos respeitáveis, se divertiam num ambiente tranquilo, que favorecia a aproximação e inicios de novas amizades. 


Foi neste cenário harmônico que, certa noite, no auge da movimentação das quermesses, aportou uma turma de rabos-de-burro – denominação pelo qual era conhecido um grupo de desordeiros que agia em diversos pontos da cidade. O chefe da súcia era um elemento dado a arruaças, valentão e perigoso, mas que exercia indiscutível liderança entre os que, como ele, se dedicavam a desordens e confusões. Tratava-se de um jovem de classe média alta, filho de um empresário, que comandava um grupo de outros jovens grã-finos, motorizados e violentos.

À chegada deles se instalou o caos. Praticaram toda sorte de desmandos. Quebraram mesas e cadeiras, agrediram rapazes, desrespeitaram mulheres e crianças e os que tentavam contê-los em sua fúria. Como sempre acontecia quando eles chegavam, a festa. acabava.

O fato teve enorme repercussão na imprensa. O bando começou a ser fustigado, denunciadas suas arruaças, deste e de vários outros bandos de malfeitores que infestavam a cidade, todos, como se sabia, vindos das famílias mais ricas, sentindo-se por isso, imunes a qualquer punição.


Na redação do Jornal Correio do Ceará, o secretário Orlando Mota discutia com repórteres uma maneira mais enérgica de abordar os episódios envolvendo os repulsivos filhinhos de papai. Nesse encontro, por sugestão do redator Luiz Edgar de Andrade, foi cunhada a expressão que identificou os malfadados indivíduos que ficaram para todo o sempre como rabos-de-burros.


Fonte:
Blanchard Girão

domingo, 29 de agosto de 2010

Fortaleza Década de 1950: Nos Tempos dos Rabos de Burro

centro de Fortaleza em 1950 - Praça do Ferreira (Arquivo NIREZ)
Na cidade de Fortaleza em meados dos anos 1950, enquanto a cidade vivia uma onda de moralidade, onde o comportamento social era vigiado de perto pela polícia e pelos demais setores da sociedade, um novo componente veio agravar as inquietações com relação à segurança da cidade: o surgimento de um grupo de marginais conhecidos por rabos de burro.
Não eram marginais comuns, mas rapazes de boas condições financeiras, que dirigiam seus automóveis e cometiam abusos sexuais contra moças, geralmente estudantes desacompanhadas. Agiam livremente pelas ruas de Fortaleza, o que elevou o rapidamente o número de vítimas, e fez o assunto passar a ser discutido pelos jornais, tornando-se alvo de intensos debates na Câmara Municipal.
Alunas de estabelecimentos de ensino tradicionais como Escola Normal, Colégio da Imaculada e outros viviam em polvorosa diante da possibilidade de serem vítimas do próximo ataque. A preocupação dos pais com a segurança das filhas era constante.
Em 1954 uma vereadora pedia uma resposta concreta da policia ao terror implantado na cidade pelos chamados rabos de burro, especialmente com relação aos estabelecimentos de ensino mais atingidos por esses indivíduos.
Um outro vereador, propôs que as investigações acerca do caso fossem sigilosas, já que envolviam princípios médicos higiênicos e psiquiátricos (pelo menos em matéria de vereador, continuamos os mesmos);
Outro vereador chegou a sugerir que a Secretaria de Segurança aprovasse todos os requerimentos que solicitassem porte de armas, como garantia de defesa pessoal. (talvez ele quisesse instaurar de vez a república da guerrilha urbana)
A medida não foi aprovada por ferir a legislação penal. O apelo dos vereadores foi dirigido a todas as autoridades locais, inclusive aos comandantes militares.
A ação dos rabos de burros foi amenizada diante dos protestos que partiam de diferentes setores. Muito mais fortes do que a força policial que tentava inibi-los, foram os próprios autores das violências sexuais que recuaram dada a repercussão dos protestos, restando os registros de queixas no rol dos casos insolúveis.
Os pervertidos sexuais nunca foram identificados. Do mesmo jeito que chegaram, sumiram nas brumas do anonimato e da impunidade que animam os detentores do binômio poder/dinheiro.
Pesquisa:
JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. Verso e reverso do perfil urbano de Fortaleza (1945-1960) São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto do Estado do Ceará, 2000