segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

A Seca dos Três Setes no Ceará

 


A tragédia já se anunciava desde o ano anterior. O ano de 1876 foi chuvoso durante os três primeiros meses, depois, de junho a dezembro, não caiu uma gota d’água. Em janeiro de 1877, apenas uma neblina e baixíssimos índices de pluviosidade nos meses seguintes. Em março os sertanejos já estavam alarmados e em abril, perdidas as esperanças de inverno, começou o êxodo de habitantes do sertão para o litoral.

O gado morria à falta de aguadas, as lavouras se extinguiram e a provisão de viveres, conservada como reserva de muitos sertanejos, pouco a pouco se esgotaram. De setembro em diante a fome era geral, os socorros públicos, mal administrados, não chegavam regularmente aos locais mais afetados. Quem possuía algum bem ou valor, desfazia-se dele em troca de algum gênero de primeira necessidade.

As poucas aguadas, como açudes e poços cavados nos leitos dos rios em épocas de chuvas, evaporaram-se. Mesmo as pessoas consideradas mais abastadas, receosas de ficarem bloqueadas e sem comunicação com o litoral, longe de qualquer auxílio, fugiram, abandonando suas casas, animais e fazendas. O sertão virou um deserto.

O governo, totalmente desarticulado, recusou enviar recursos para o interior, forçando desta forma, as pessoas a procurarem o litoral. O êxodo tornou-se geral. Para Fortaleza, Aracati, Sobral, Granja, Camocim e outros povoados, afluíram milhares de pessoas. Em todos esses municípios, a população, de um dia para o outro, estava multiplicada; e como faltasse casas para abrigar tanta gente, ficavam ao relento, debaixo de árvores ou amontoados em sítios estreitos. As consequências não demoraram: doenças, prostituição, vadiagem, saques, e todos os seus efeitos, que se desenrolaram frente às cidades, antes tranquilas, agora em estado de puro desespero.

O ano de 1878 chegou, e a província continuava mergulhada no caos, mas com grandes esperanças que o ano novo trouxesse de volta as chuvas que salvariam o Ceará. De janeiro a junho caíram apenas 503 mm. A última chuva foi em 26 de junho. Depois dessa data, o céu conservou-se sem nuvens, azul e límpido.

Perdidas as esperanças de inverno, o abandono do sertão foi completo; vilas inteiras, lugares antes prósperos, ficaram vazias ou com duas ou três casas habitadas, e estas mesmo porque o governo, já mudado e melhor estruturado para lidar com o problema, envidara todos os esforços para socorrê-las. (Júlio de Albuquerque Barros, foi presidente da província do Ceará, de 08/03/1878 a 02/07/1880.

Fazendas de criação, com 200, 300 e 500 cabeças de gado, ficaram reduzidas a nada. Os fazendeiros que tentaram a retirada do gado para o Piauí, acabaram perdendo para as moléstias, furtos ou extravio. Pelas estradas morreram famílias inteiras de fome e sede, e muitas que conseguiram atingir o litoral, chegaram tão fragilizadas, que caiam agonizantes pelas calçadas e praças da capital e de outras cidades que conseguiam chegar.

A emigração para o Amazonas, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo foram incrementadas, centenas e milhares de cearenses foram apinhados no convés de vapores e navios que demandavam aquelas províncias, sem o mínimo de cuidados e sofrendo toda sorte de privações.

Dos fins de 1878 até meados de 1879, uma violenta epidemia de varíola atingiu proporções nunca vistas. Em mais de um dia o número de vítimas na capital excedeu a 1000 pessoas. Muitos mortos ficaram insepultos, não havia local nem quem realizasse os sepultamentos. Havia então na capital cerca de 180 mil pessoas, 100 mil em Aracati, e na mesma proporção, nas localidades próximas à Fortaleza, como Pacatuba, Arronches, Granja e Camocim.

Havia esperança de que o ano de 1879 viria a por termo a tanto sofrimento, mas foi só mais um ano de terríveis provações. Como pouco ou nada restava no interior, a seca não teve grande repercussão. A atenção se concentrou na capital, nos auxílios do governo, na acomodação dos emigrantes, na busca de soluções.


A população ficara reduzida talvez em um terço; cerca de 100 mil pessoas haviam falecido ou emigrado; o governo gastara 72 mil contos, fora os subsídios da caridade particular. A província ficou arruinada, sua principal atividade econômica, a criação do gado, quase foi extinta; a população ficou dispersa e reduzida; a flora e a fauna desapareceram em grandes áreas; só Fortaleza aumentou a população devido em parte ao fluxo de emigrantes e ao desenvolvimento do comércio.

As esperanças se renovaram com a chegada de 1880. Os dois primeiros meses foram desanimadores, o de março foi pouco chuvoso, em abril choveu bastante. A grande seca terminara.


Fonte: Documentos: Revista do Arquivo Público do Ceará: Ciência e Tecnologia/Arquivo Público do Ceará, v 1 – 2005/Fotos Memorial da Democracia e ANPUR.

sábado, 8 de fevereiro de 2025

Memórias da Praia de Iracema

 

O Coqueiral da Maria Júlia


imagem Diário do Nordeste

O proprietário do sítio era Tancredo de Castro Bezerra, mas era conhecido como “coqueiral da Maria Júlia” porque era ela quem administrava o lugar. Casados, Tancredo e Maria Júlia moraram no sítio com cinco filhos até o final da década de 50; estava localizado entre a atual avenida Historiador Raimundo Girão e as ruas, ainda sem pavimentação, Dragão do Mar, Joaquim Alves e Gonçalves Ledo.

Com uma área de aproximadamente dois hectares, o sítio tinha um casarão e uma grande plantação do coqueiro gigante, tipo cocos nucifera linnaeus, uma espécie de coqueiro que atinge até 30 metros de altura, e podia ser visto de longe. A produção artesanal de coco seco, sem os tratos culturais necessários e dependente das águas de chuva, era destinada a comercialização, e tinha grande aceitação.

A área não possuía muros nem cercas, como também as demais propriedades locais. Como não realizavam capinas, os coqueiros eram intercalados por grande variedade de plantas que favorecia a existência de várias espécies de animais, possibilitando uma fauna diferenciada.

No inverno, parte do coqueiral ficava alagada, em virtude da superficialidade do lençol freático. No verão, quando o terreno estava seco, a meninada capinava o mato para fazer um campo de futebol improvisado, embora intercalado de coqueiros. No segundo semestre do ano, as alunas do Colégio das Doroteias ministravam aulas de catecismo às crianças, todas as quintas-feiras. Depois as professoras emprestavam bolas de futebol para recreação. No sítio também aconteciam quermesses.

Além da atividade econômica, o sítio da Maria Júlia, cumpriu uma importante função social para a Praia de Iracema dos anos 50.

 

O Poço da Maria Félix


postal dos anos 30

O poço da Maria Félix era uma escavação no sítio de Almir Freitas, localizado na avenida Historiador Raimundo Girão, e as ruas Dragão do Mar, Gonçalves Ledo e dos Ararius. A parte baixa do sítio tinha o lençol freático muito superficial, que favorecia a exploração de poços e cacimbas.  

Maria Félix era moradora do sítio do Almir. Ela escavou um poço próximo de sua casa, na confluência das ruas Dragão do Mar e Gonçalves Ledo. O poço era de forma circular, seis metros de diâmetro e metro e meio de profundidade. A finalidade era obtenção de água para consumo, regar suas plantas frutíferas e auferir renda lavando roupas das famílias da vizinhança. Maria dedicava boa parte do seu tempo a cuidar da casa, das plantas, da água do poço e não gostava de invasores em seus domínios. 

Sabendo disso, muitos jovens ao retornarem do banho de mar, aproveitavam para mergulhar na fonte da Maria Félix, às escondidas, enquanto ela estava dento de casa. Mas o barulho produzido contra superfície da água, alertava a lavadeira para o fato de haver intrusos poluindo a água, turvando sua transparência, já que a lama do fundo subia após o contato com os pés dos nadadores.

Imediatamente Maria pegava um porrete e corria para pegar os meninos que sempre eram mais rápidos do que ela. Outra forma de importunar a lavadeira era através da captura de jia no seu poço, com utilização de linha de pesca, anzol e iscas. Além disso a moradora vivia preocupada com os constantes furtos de frutas que ocorriam no seu terreno.

O sítio, o poço da Maria Félix, e as árres frutíferas, sumiram no tempo, junto com as reformas e a modernidade da Praia de Iracema. 

 

 A Piscininha

imagem do livro Fortaleza 27 graus

Até os anos 90 existia na Praia de Iracema, uma piscininha que se formava duas vezes por dia, sempre na maré alta. Tinha o formato de uma pequena lagoa e surgiu quando construíram o quebra-mar de pedra, para conter o avanço do mar sobre a zona residencial da faixa litorânea.

Praticamente todos os anos, nos primeiros meses, a maré alta invadia a faixa de areia cada vez com mais intensidade, e chegava até a rua dos Tabajaras, destruindo as edificações que estavam pelo caminho.

A partir da construção do quebra-mar, a onda perdeu a força destruidora de antigamente. A localização da piscininha correspondia às imediações do início da rua dos Tremembés, próximo ao Estoril. Era o local ideal para quem desejava aprender a nadar, em razão de suas ondas de pequena intensidade, oriundas da maré alta, mas que ficavam amortecidas ao passarem no quebra-mar. Na maré baixa o reservatório perdia a totalidade de suas águas. A profundidade era variável, sendo mais fundo próximo às pedras.

Em 2009 a Prefeitura de Fortaleza promoveu mais uma obra de engorda que aumentou a faixa de praia em 80 metros. O processo de requalificação da área para ampliação do calçadão, riscou a piscininha do cenário, que acabou sendo aterrada. Com isso, as boas memórias de muita gente foram aterradas junto com a piscininha.    

 

Extraído do livro A Praia de Iracema dos anos 50/Jaildon Correia Barbosa/Fortaleza: Premius, 2010/informações adicionais do G1.