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José Quintino da Cunha nasceu na em Itapajé, Ceará, antiga
vila de São Francisco de Uruburetama, no dia 24 de julho de 1875, filho de João
Quintino da Cunha – professor e jornalista e de D. Maria Maximina Ferreira
Gomes da Cunha, professora e solista da igreja. A educação básica foi cumprida
na Escola Militar do Ceará, pois Quintino tinha 
propensões à vida militar. Com a extinção da entidade, o poeta, que já
fazia versos aos 15 anos, embarcou para a Amazônia.

quintino Quintino Cunha, Advogado, Poeta e Irreverente
Ali recebeu provisão para
advogar, antes mesmo de se formar em Direito, ficando lá por cinco anos. Depois,
em 1907 viajou para a Europa, onde publicou o seu primeiro livro, “Pelo
Solimões”.  Conviveu e fez amizade com
diversos escritores estrangeiros.  Depois
voltou ao Ceará e matriculou-se na Faculdade  de Direito do Ceará, concluindo os estudos em
1909. Em seguida começou a exercer a profissão de advogado criminalista.

Quintino tinha o dom da oratória, mas ficou realmente
famoso pela sua faceta de boêmio e, principalmente, pelas suas tiradas criativas, repentes que faziam o deleite dos amigos e causava inveja aos
inimigos. Torna-se, desde então, no Ceará, orador consagrado, repentista, poeta
boêmio, além de profissional do Direito. Casou-se várias vezes, e vivia em
constante penúria financeira.



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Quintino Cunha era figurinha carimbada nos cafés e
bares da Praça do Ferreira dos anos 20/30. Conta Raimundo Girão que, Quintino
pulava de mesa em mesa e fazia do Café Riche seu escritório de advocacia.
Orador fluente e singelo, ele tinha clientela, embora não a procurasse. Suas
argumentações no júri tornaram-se famosas pela originalidade, porém seus
apartes circulavam como inimitáveis.

José Barros Maia, o arquiteto Mainha, conta que
conheceu Quintino Cunha nos anos 30, um tipo muito especial. Defendia um réu
com grande brilhantismo e, no dia seguinte, andava de chinelo pelas ruas. Certa
vez vinha em um trem, de chinelo, com uma cesta de ovos e o Dr. Campelo, que
era um homem afamado e elegante, encontrou-se com Quintino  e disse: “Quintino, você nesses trajes
envergonha a classe”  Ele replica: “Campelo,
felizmente eu envergonho a classe pelos pés, e você a envergonha pela
inteligência”. E tinha outra com o J. da Penha. Ele vai entrando na Assembleia
quando J. da Penha vem descendo, acompanhado de uma prostituta. Aí perguntaram:
“Quintino, o que é isso”? E ele: “é um homem que se diz Penha atrás de uma
mulher que se dis puta”  

  
Ferreiradecadade30 Quintino Cunha, Advogado, Poeta e Irreverente
A Praça do Ferreira da época de Quintino Cunha – anos 30 

Não se sabe ao certo qual situação inspirou
Quintino, mas são dele os versos: “Adeus casinha da fome, jamais me verás tu/
Aqui criei ferrugem nos dentes, teia de aranha no cu”. A irreverência do poema,
dizem, teria nascido de uma temporada na casa de amigos, ainda na infância,
onde não lhe serviram nada além de bolachas e água. Mas se fala também de um
curto período na fazenda de um de seus clientes, conhecido pela mesquinhez.

Certa vez, Quintino foi contratado para defender um
réu em Natal. O promotor, na sua sustentação oral, citou três grandes juristas
franceses que reforçavam a tese defendida pela acusação. Quintino, aproveitando
a deixa, também invocou a falácia do apelo à autoridade e recheou a sua
sustentação oral da seguinte forma: “caros jurados, como dizia o grande
Filomeno Gomes, a lei não deve ser flexível, e sim rígida, coesa, soberana e
forte”. O júri, impressionado com a grande erudição demonstrada pelo advogado,
inocentou o acusado. Após a decisão do júri, o jovem promotor perguntou a
Quintino: “nobre colega e bom mestre, por favor, me dê o nome do livro daquele
grande jurista Filomeno Gomes que você citou, pois fiquei admirado com a força
das palavras dele”. Ao que Quintino respondeu: “Coisa nenhuma! Filomeno Gomes é
um vendedor de cigarros lá do Ceará”.

Em outra ocasião Quintino teria presenciado uma
discussão acalorada entre um advogado e um promotor quando ocupava
temporariamente o cargo de juiz da comarca de Lages.  O senhor é um mentiroso! , gritou um.  E o senhor é um caluniador!, esbravejou o
outro. Foi a vez de Quintino:  Agora, que
os dois já se apresentaram, podemos continuar os debates.

Noutro júri realizado no Ceará, o assistente da
acusação mandou fazer um caprichado desenho da arma do crime. Exibiu aos
jurados uma cartolina branca com uma ilustração detalhada do punhal utilizado
para assassinar a vítima. Vendo que os jurados haviam se impressionado com a
gravura, o matreiro advogado Quintino Cunha pediu um aparte e perguntou:

– “Caro colega, caso aqui estivéssemos tratando do
crime de sedução, qual seria o instrumento do crime que Vossa Senhoria estaria
aqui apresentando aos jurados?” Todos caíram na gargalhada. O réu acabou absolvido. 


De acordo com Otacílio de Azevedo, Quintino Cunha
era poeta, mas não se misturava muito com a classe. Preferia o convívio dos
advogados, deputados e desembargadores. Era grande orador, bom advogado, melhor
do que poeta. No que era realmente extraordinário era no repente, na piada, no
improviso. A grande maioria de suas vitórias no fórum era devida mais a sua
presença de espírito do que mesmo à sua cultura jurídica.

Otacílio lembra um dia quando estavam numa banca de
café, e alguém se aproximou e disse: Quintino, você já sabe que o Brasil vai
entrar na guerra?
E ele imediatamente: então vão ser precisos dois
exércitos. Dois exércitos, perguntaram – por quê? E ele ferino: um para levar o
outro à força…


Para o escritor, Quintino poderia ter-se projetado em
qualquer campo de atividade intelectual, graças à sua formidável inteligência,
à sua memória prodigiosa, à sua capacidade de apreensão imediata das coisas. Esbanjou,
porém, o seu talento nas bancas de cafés, provocando risos nos seus círculos de
amigos que o acompanhavam noite e dia.

Um dia Quintino viajava no bonde, perto do
motorneiro, aí de repente, dá o sinal para parar. Olha para os outros
passageiros e diz: – pessoal, vai descer um corno! Todo mundo ri. Ele desce e
diz: – leve o resto, condutor!

museu+do+cear%25C3%25A1+ent%25C3%25A3o+assembleia+provincial+1930++foto+jornal+o+nordeste Quintino Cunha, Advogado, Poeta e Irreverente

Palácio Senador Alencar, sede da Assembleia
Provincial e mais tarde, Legislativa em 1930

Quintino Cunha foi Deputado Estadual, ocasião em que
defendeu a melhoria da instrução do povo e lutou contra a extinção da Faculdade
de Direito, então cogitada na Assembleia.  Residia na Av. Visconde do Rio Branco, 3312
quando faleceu, na madrugada de 1º de junho de 1943, aos 68 anos de idade. Foi sepultado no Cemitério São João Batista, em cuja lápide com sua fotografia, consta a
seguinte inscrição: “O Padre Eterno, segundo  refere a História Sagrada, tirou o mundo do
nada  e eu nada tirei do mundo”.


Entre Nuvens

Ameaça chuva. O pássaro na rama
Vem de ocultar-se. A
fera permanece

à sombra, no covil. Tudo parece
triste como a saudade de quem
amo.

Enquanto o céu apenas se recama
de nuvens, não; mas
quando se encandece,

 de um relampear profundo,
a chuva desce por fina força a
chuva se derrama.

Entre nós outros, também o tempestivo
amor é assim
como este quadro vivo

que, há pouco a natureza dominava.

Falo por mim, tirando por Maria,
pois quando minha
alma relampeava,

 nos seus olhos tristíssimos chovia…

 

 

Fontes:

Raimundo Girão – Geografia Estética de Fortaleza
José de Barros Maria – Recordar é Viver de Novo
Otacílio de Azevedo – Fortaleza Descalça

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