Fortaleza acontecem a partir da segunda
metade do século XIX. No momento em que Fortaleza inicia um movimento inédito
de crescimento econômico e social, o saber médico local se estabelece com a
volta dos médicos cearenses formados nas faculdades de medicina da Bahia e do
Rio de Janeiro, existentes desde 1832.
Consta que no século XIX, 80 médicos cearenses foram
diplomados, sendo que 30 retornaram e se estabeleceram na Província. Boa parte
desses profissionais é descrita como heróis pela história local, pelo pioneirismo
e dedicação que demonstraram diante de tantas adversidades naturais, sociais,
políticas e tecnológicas da época e da região.
As principais adversidades foram
as grandes secas e as epidemias. As secas traziam à Capital, grandes levas de
sertanejos famintos e doentes, deixando considerável número de órfãos e
abandonados. As epidemias apareceram no rastro das piores estiagens.
A seca de 1845 e as epidemias de febre amarela
(1815) e do cólera-morbus (1862-64), foram as principais responsáveis pela
construção da Santa Casa de Misericórdia e do Lazareto da Lagoa Funda. Apesar
de estar parcialmente concluída em 1857, a Santa Casa de Misericórdia só foi
inaugurada no ano de 1861, no mesmo local em que se encontra até hoje, em
frente ao Passeio Público.
Por ser o único hospital público até o começo dos
anos 30, a Santa Casa foi o principal espaço de tratamento da população pobre,
desde que os doentes não estivessem acometidos por moléstias contagiosas. Para estes foi criado o Lazareto da Lagoa Funda,
localizado à cerca de 7 km do centro. Edificado entre 1856 /57, o Lazareto foi
o primeiro exemplo concreto da medicina urbana e preventiva em Fortaleza, já
que sua finalidade era a de abrigar os prováveis atingidos pela epidemia de
cólera, que já grassava em outras províncias. Enquanto o mal não chegou ao
Ceará, o hospital serviu para quarentena dos que desembarcavam em Fortaleza,
vindos de lugares já atingidos.
Como já era esperado, o cólera chegou à Província e
ceifou a vida de 11 mil cearenses entre 1862 e 1864. Não há dados sobre como
ficou a Capital durante a epidemia, apenas que o número de vítimas foi de 362,
bem menor que o de Maranguape, cidade mais próxima com 1.960 óbitos. Ao
contrário do que ocorreria nas províncias do Pará, da Bahia e Rio de Janeiro,
não se verificou novo surto de cólera no Ceará, como foi o caso das epidemias
de febre amarela e varíola, que retornaram com gravidade – a febre amarela em
1892 e permanecendo até 1924, quando começou a ser neutralizada pela ação da
“Comissão Rockfeller contra a febre amarela”. Por sua vez, a varíola assolou a
região por muito tempo. A varíola, moléstia que mais aterrorizou Fortaleza permaneceu
até 1904, quando foi finalmente eliminada por ação da Inspetoria de Higiene e
principalmente, pelo farmacêutico Rodolfo Teófilo.
No período de 1850-60, dois dos médicos formados na
Bahia e no Rio de Janeiro se destacaram na construção de um investimento
médico-higienista sobre a ascendente urbanização de Fortaleza: os doutores
Lourenço de Castro e Silva e Liberato de
Castro Carreira.
Nomeado “médico da pobreza”, por portaria de 1845,
Castro e Silva atuou na capital até meados de 1850. Enfrentou a epidemia de
febre amarela e foi o primeiro a estabelecer os contornos de uma polícia médica
para a cidade. Sanear o meio urbano, principalmente através de
medidas profiláticas nas ruas, foi a preocupação central de Castro Carreira.
Combatendo os pontos urbanos que estavam se transformando em focos infectantes,
o médico sugeriu a transferência do matadouro público, uma vez que o mesmo comprometia
o ar da cidade. Recomendou ainda, a proibição de salgamento de couros em vias
centrais, a criação de porcos nos limites do perímetro urbano e a eliminação
das águas estagnadas em quintais. Solicitou às autoridades que fosse providenciada a limpeza das vias públicas,
chafarizes e poços além de inspeção constante a todo e qualquer quintal.
Essa medida de entrar no espaço doméstico da
população e impor-lhe regras de higiene privada continuaria pelo restante do
século passado e por todo o período da Primeira República. Os Códigos de
Postura municipais daquela época demonstram a intenção de manter-se o controle
urbano. As normas intensificam uma fiscalização pormenorizada de ruas, casas,
edificações, produtos, gêneros alimentícios, etc. chegavam ao detalhe de
proibir a tintura de doces e massas com óxidos, cobre e mercúrio por parte dos
confeiteiros, obrigavam a limpeza do riacho que corria nos quintais dos
moradores da rua do mercado, limpeza da frente das casas, dentre outras
medidas.
Se tais prescrições foram de fato cumpridas, é difícil
saber. Entretanto, importa saber que estas determinações municipais revelam a
vigência de um saber que cada vez mais vigia a Cidade e o povo em seus mínimos
detalhes. Ademais, tais imposições de normas e regras a serem adotadas sob pena
de multa, também delineiam a constituição de um novo tipo de poder, aquele que,
preocupado com a produção de vida, intervém em tudo que considera como ameaça à
saúde da coletividade.
do livro de Sebastião Rogério Ponte
Belle Epoque – reformas urbanas e controle social – 1860-1930
fotos: arquivo Nirez, Álbum de Vistas do Ceará
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