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A primeira notícia
oficial de impacto e de realce histórico referente ao Ceará, após o
descobrimento do Brasil, seja por Pinzon ou por Cabral, aparece pouco depois de
um século, em 1603, quando Pero Coelho de Souza, homem nobre e fidalgo, casado,
soldado velho, resolveu, por sua conta e risco, organizar uma bandeira para
recuperar os prejuízos que amargou em consequência de uma desastrada parceria
com seu cunhado, Frutuoso Barbosa, então donatário da Capitania da Paraíba.

siara+forte+rio As Primeiras Visitas ao Ceará

Pretendia,
conforme acerto com o então governador geral Diogo Botelho, procurar  minas de ouro e prata, expulsar os franceses
que desejavam montar a França Equinocial no Maranhão e estabelecer a paz com os
nativos. Não alimentava qualquer pretensão civilizatória.


Saiu da Paraíba a
pé, rumo ao Maranhão, acompanhado de uma comitiva formada de 65 soldados (entre
eles o jovem Martim Soares Moreno) e 200 índios frecheiros (ou mansos, já sob
domínio do conquistador), até atingir, dias depois, a foz do Rio Jaguaribe,
onde, após um reconhecimento preliminar da região, identificou uma área rica em
salinas, grande quantidade de âmbar e algodão.

Deu prosseguimento
à sua expedição até atingir a Ponta do Mucuripe, rumando depois, em direção à
Ibiapaba, quando travou combates com os índios tabajaras e comandos franceses,
então aliados dos nativos. Derrotando-os, mas sofrendo consideráveis baixas,
retomou sua viagem em direção ao Maranhão, atingindo o rio Parnaíba, no Piauí,
quando, em razão de seus homens estarem exaustos, esfarrapados e famintos,
decidiu retornar ao Ceará.

Estabeleceu-se na
Barra do Ceará, onde levantou um pequeno forte, chamando-o de São Tiago. A
região em redor chamou de Nova Lusitânia, que imaginava um dia ser a Nova
Lisboa, a capital. Nos seus relatos, Pero Coelho refere-se várias vezes ao
algodão, “uma planta que aparece por todos os lados”.

Esta+cruz+foi+colocada+na+Barra+do+Cear%25C3%25A1+para+marcar+o+local+onde+ficava+o+Forte+S%25C3%25A3o+Thiago%252C As Primeiras Visitas ao Ceará
uma cruz assinala o local onde esteve o desaparecido forte de São Tiago, na Barra do Ceará (foto do arquivo Nirez)

A presença de Pero
Coelho de Souza nesse lugar, formado por uma tosca paliçada de paus de quina e
umas poucas casinhas de taipa, foi rápida. Seguiu para Recife, a fim de
recolher sua mulher Thomazia e seus cinco filhos, para se estabelecer
definitivamente em São Tiago. Em seu lugar, deixou Simão Nunes Correia e cerca
de 50 homens. No contrato que fez com o governador, recebia 1 mil cruzados ao
mês, que lhe seria repassado por João Saromenho.


Um ano e meio
depois de sua saída da Paraíba, acompanhado de outros 50 homens, já com a família,
viajando numa caravela, Coelho de Souza chegou a São Tiago, e logo percebeu que
o relacionamento entre seus soldados e os índios estava deteriorado. Era o
resultado da rigorosa obediência que cobravam dos índios. Para impor sua
autoridade, implantou o ódio e a discórdia.

É-lhe atribuída a
pecha de sanguinário, tendo sido acusado e responsabilizado também pela morte
de índios. Até hoje a historiografia do Ceará não entende as razões pelas quais
Coelho de Souza exagerou nas suas obrigações. Sua presença em Itarema ou na
Barra do Ceará não gerou consequências.

Instigado pelo
inimigo e por isolados franceses que ainda se achavam na região, decidiu
mudar-se para o outro lado do Estado, para a foz do Rio Jaguaribe. Existem,
entretanto, duas outras razões que forçavam sua retirada de São Tiago: o
assédio constante e cada vez mais agressivo dos índios locais – Tremembés – e uma
rigorosa seca (1605-1607) que assolava o Ceará. Sua retirada era questão de
sobrevivência.

Para completar,
João Saromenho não lhe pagava. Denunciado, este foi julgado e condenado por não
ter pago os soldos do seu superior. Cumpriu pena de detenção na prisão de
Limoeiro, em Lisboa, onde morreu.

estrada+em+jaguaribe As Primeiras Visitas ao Ceará
Estrada em jaguaribe. (se era assim nos anos 1960, imagine em 1600…) foto IBGE

 
A viagem de Pero Coelho
de Itarema ou da Barra do Ceará para a foz do Jaguaribe coincidiu com o auge da
estiagem, em 1606, cuja mortalidade atingiu índices catastróficos. Os rios e
reservatórios naturais de água estavam secos, as matas ciliares murchas,
produzindo um quadro dantesco de miséria, fome e desespero. Pelas trilhas
espalhavam-se as marcas da destruição com dezenas de carcaças de animais.


Havia gente caminhando
sem destino, pelas trilhas sem fim. Faltava água e alimentos, as doenças se
proliferavam com rapidez. Para completar a dramaticidade do quadro, apareceu nos
céus o cometa de Halley, que os índios chamavam de “tata-bebe”, ou fogo voador,
de acordo com o registro feito pelo padre missionário Luiz Filgueira no seu
diário pessoal. O temor era procedente. Os cometas eram considerados pelos
antigos como fenômenos atmosféricos. Nenhum outro fenômeno celeste despertou
tanto interesse como os cometas, talvez por inspirar aos povos antigos, terror
e superstição.

Em sua dolorosa
viagem, Coelho de Souza enfrentou os momentos mais cáusticos da seca, perdeu
alguns soldados e o seu filho mis velho, que morreram de inanição, de fome e de
sede. Thomazia, mulher frágil, chegou ao Jaguaribe esquelética, transportada
numa espécie de maca, quase morta. Mas resistiu. 
forte+001 As Primeiras Visitas ao Ceará
Forte dos Reis Magos em Natal RN (imagem blog AratacAndarilho)

Do Jaguaribe, com
pouco mais da metade dos 50 homens que tinham iniciado a triste jornada, Coelho
de Sousa deslocou-se até o Forte dos Reis Magos em Natal, depois à Paraíba,
onde embarcou para Lisboa. Na Corte fez um
relato dramático das suas andanças pelo Nordeste brasileiro, na perspectiva de
receber uma indenização pelos seus serviços. Não sensibilizou ninguém, porque
todos conheciam sua impetuosidade. Martim Soares Moreno, que o acompanhara na
primeira bandeira como soldado, registrou na sua Relação, sem identificar
nomes, que “ali (em São Tiago) houve muito desassossego dos índios sem razões”.

Morreu sem receber
nada, devido ao insucesso de sua missão fracassada, da mesma forma como fracassou a primeira tentativa de colonização do
Ceará. 

Extraído do livro
Caravelas, Jangadas e Navios uma história portuária
de Rodolfo Espínola

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