terça-feira, 27 de junho de 2017

Os primeiros ônibus Urbanos



Os bondes elétricos foram desativados em 1948, quando o prefeito Acrísio Moreira da Rocha, atendendo aos reclamos dos usuários do transporte coletivo, com relação ao péssimo serviço prestado pela Ceará Tramway Light and Power, num ato unilateral, cassou a concessão, rompeu o contrato com a empresa inglesa e encampou todo o seu patrimônio.

bonde do Jacarecanga

A partir daí os ônibus, que já funcionavam simultaneamente aos bondes, passaram a dominar o transporte coletivo da cidade. Mas as reclamações quanto à qualidade do serviço, continuaram, visto que os ônibus deixavam muito a desejar – eram velhos, mal conservados, superlotados, frota reduzida e passagens caras. De todos os serviços urbanos de Fortaleza, o transporte coletivo era o mais debatido pelos fortalezenses, especialmente porque era usado por todas as classes sociais, uma vez que só os mais abastados tinham automóveis. 


Os aumentos nos preços das passagens – normalmente vinculados ao aumento de preços dos combustíveis – provocavam grandes debates na Câmara dos vereadores e na imprensa, ocorrendo constantes manifestações populares, em sua maioria organizadas e dirigidas pelos estudantes do Liceu, que apedrejavam os ônibus.

Na tentativa de suprir as deficiências do sistema surgiram as auto-lotações, camionetas que passaram a servir alguns bairros, sobretudo os mais distantes e pobres, como o da Floresta (na Avenida Francisco Sá), composto por trabalhadores da Viação Cearense e operários das indústrias. 

parada de ônibus na Praça do Ferreira - anos 60

Algumas linhas de ônibus só funcionavam, até às 20 horas. Filas enormes e tumultos para pegar os ônibus eram comuns nas paradas. Comumente, os ônibus deixavam de circular, prejudicando a população por falta de peças de reposição ou por pressão dos empresários para forçar o aumento das passagens. 

Em 1948, a Empresa São Jorge inaugurou seus ônibus amarelos na base vermelha, lançando um modismo que ficou marcado na memória da cidade: os ônibus coloridos. Tempos depois, surgiram os veículos verde-branco da Autoviária São Vicente de Paula e da Angelim, os alaranjados da São Francisco, o estranho vermelho-e-preto da Gerema, o vermelho-amarelo da Nossa Senhora da Salete e muitos outros.

Nos pontos, os passageiros esperavam que as cores do seu ônibus aparecessem no emaranhado urbano, descobrindo de longe a hora de subir. Não precisavam ler painéis nem decorar números de linhas, porque sabiam, pela cor do ônibus, quem servia ao seu bairro.

Praça José de Alencar - anos 70

Os veículos mais elegantes, modernos mesmo eram os ônibus da Empresa São Jorge, dos Otoch. Inauguraram em Fortaleza a era dos circulares fazendo interligação entre bairros e lançando as portas automáticas e as campainhas elétricas. Tinha quem viajasse nesses transportes coletivos pelo simples prazer, de apertar nas campainhas e esperar que a porta fosse aberta pelo motorista com um pequeno apertar de botão. E os carros da São Jorge trocavam dinheiro por fichas plásticas, as quais eram colocadas na urna ao lado do motorista, no momento da descida. 

E todos se deslocavam para o Centro da cidade ou para os bairros, utilizando o transporte coletivo, num tempo em que os carros, particulares eram difíceis; sem vendas a prestação e os de corrida, hoje táxis, como os Packards do posto Mazine, eram para os mais abonados.


O Circular Dom Manuel

Ônibus Dodge da Empresa São Jorge, com portas automáticas e campainhas elétricas 1949

Os ônibus da Empresa São Jorge, do Grupo Otoch entraram em circulação em 1947, ocupando o vazio deixado com a retirada dos bondes. Os veículos eram de cor amarela, da marca Dodge, representados no Ceará pela firma Kalil Otoch. Conta o memorialista Blanchard Girão, que à época, ele morava na Avenida do Imperador, defronte a garagem da São Jorge, e acordava com a barulheira em frente, que começava por volta das 4 da manhã. 

Os ônibus cumpriam um itinerário circular, refazendo os caminhos que até poucos meses antes, eram feitos pelos barulhentos tramways da Light. Uma dessas linhas mais afreguesadas, era o Circular Dom Manuel, quando essa avenida representava um dos pontos limítrofes da área urbana de Fortaleza. (O quadrilátero do chamado centro limitava-se ao norte pela Rua Dr. João Moreira, a leste pela citada Dom Manuel, ao sul pela Avenida Duque de Caxias e a oeste, Avenida do Imperador.

O conceito de distância era bem diferente do atual, posto que, quem mora atualmente na Dom Manuel não espera mais transporte para dirigir-se à Praça do Ferreira, distante apenas algumas quadras. Mas naquele ano remoto de 1947, a Dom Manuel era longe, e já não havia o bonde da Aldeota, com trajeto pela Santos Dumont, que atendia a todos que viviam naquelas imediações, nem também o da Prainha, a serviço das pessoas que se deslocavam para o Seminário e adjacências.

Nos Ônibus do Circular São Jorge pagava-se a passagem com direito a rodar todo o percurso, sem interrupção. Conta o memorialista que, por conta disso, um companheiro daqueles tempos, frequentador contumaz do Bar da Brahma as sábados, quando sentia que as pernas não lhe garantiam a locomoção, subia no Circular Dom Manuel e ia ficando até melhorar o pileque. 

Numa dessas ocasiões, dormiu profundamente. E o ônibus a rodar, no seu giro rotineiro. O trocador e o motorista, numa silenciosa homenagem ao rapaz – figura mais ou menos conhecida naquela linha – foram permitindo a sua permanência.
Em suma: o rapaz acordou de madrugada, em meio à escuridão da garagem, quando motoristas e trocadores estavam voltando para mais uma jornada de trabalho. Saiu de mansinho, cabeça baixa, no rumo de casa, onde a família o aguardava, aflita e preocupada com o seu “desaparecimento”.  



Fontes:
Fortaleza:  uma breve história, de Artur Bruno e Airton de Farias 
Sessão das Quatro – cenas e atores de um tempo mais feliz, de Blanchard Girão
FortalBus


9 comentários:

  1. Apaixonada por todo conteúdo do blog! Sempre teve curiosidade de saber mais, só não sabia onde procurar.

    ResponderExcluir
  2. Sou do interior do Ceará, mas sempre fico pesquisando a memória histórica dessa cidade que me acolheu. Sou apaixonada por fortaleza, mesmo a tantos problemas. Uma dica: gostaria que você abordasse o tema dos canais e e rios que foram consumidos pela imensidão de asfalto e concreto, obrigado.

    ResponderExcluir
  3. Muito boa reportagem. Parabéns!
    Maurice Artidão

    ResponderExcluir
  4. PArabens.. muito bom.. não sabia que a praça do ferreira já teve terminal de ônibus. Alguém do blog teria , ou conhece alguém que teria, fotos do antigo final de linha no José Wálter dos onibus autoviação fortaleza e angelim. Não consigo encontrar em local nenhum. Abraços e, mais uma vez, parabéns

    email: 2100asp@gmail.com

    ResponderExcluir
  5. Conheço muito bem a Dom Manuel e a Praça do Ferreira, e não entendi a parte que afirma que antigamente o conceito de distância entre essa avenida e a praça era diferente da época atual. Dá muito bem pra ir a pé. Antigamente não era possível por quê?

    ResponderExcluir
  6. esse onibus chevrolet 1951 que esta com o motorista e o cobrador ao lado cuja linha parece me que e iracema, nao pertence a esse arquivo pois esse onibus fazia linha aqui em sao luis para a linha de um bairro chamado liberdade, inclusive tenho essa foto em meus arquivos.

    ResponderExcluir
  7. ERRADO, é o seu pensamento - essa foto é em Fortaleza - na Linha PRAIA de Iracema

    ResponderExcluir
  8. Sensação de saudade e algo de tristeza. Usei muito a linha Meireles da Empresa Iracema, com o motorista Paulo(Paulão). O número prefixo do ônibus era o 47. Já teve ponto final na praça da Livraria Arlindo/BB e Praça da Sé. O Paulão só dirigia cantando ou assobiando. Eu tinha de 5 a 10 anos de idade.

    ResponderExcluir